"Taxas" sobre links e filtros de censura na
Internet
É lamentável que a via escolhida para alegadamente proteger
os autores na Internet implique o atropelo de direitos fundamentais dos
cidadãos.
EDUARDO SANTOS
23 de Setembro de 2018, 6:04
Desde 2016 que a reforma europeia do direito de autor está a
ser discutida na UE e é seguida com muito interesse pelos cidadãos. A consulta
pública bateu recordes de participação e têm-se multiplicado iniciativas da
sociedade civil e petições sobre o tema.
Muitos são os que se têm pronunciado contra esta reforma:
inúmeros académicos, organizações de direitos humanos e digitais, organizações
de conhecimento livre como a Wikimedia, comunidades de software livre,
personalidades da Internet – como o seu inventor, Vint Cerf, o inventor da Web,
Tim Berners-Lee, ou o pai da neutralidade da Internet, Tim Wu – e até o relator
especial das Nações Unidas para a liberdade de expressão, entre outros. A favor
parecem estar somente aqueles que dela beneficiam economicamente.
Mas poucos ecos desta discussão chegam a Portugal. De que se
trata, afinal? Em causa estão medidas que visam atribuir uma espécie de renda
garantida a algumas indústrias, por via legislativa. Três exemplos.
Na educação, abre-se porta à cobrança de uma taxa semelhante
à famosa taxa da cópia privada, mas esta devida pela utilização digital de
obras para fins de ensino, a ser suportada pelas nossas escolas e
universidades.
Na imprensa, cria-se uma “taxa” sobre ligações para
conteúdos jornalísticos quando estas incluam o título e uma pequena
pré-visualização (o texto não é claro, as propostas diferem no pormenor e
existem interpretações divergentes). O que significa que as plataformas em que
partilhamos notícias, como o Facebook, vão ter de pagar aos media para que
possamos partilhar esse tipo de links. Já plataformas como o Google News terão
também de pagar para listar esses conteúdos e levar visitantes até à página do
respectivo órgão de comunicação social. É algo que foi já tentado sem sucesso
em Espanha e na Alemanha, e que ainda para mais é perigoso, pois sabemos que à
diminuição de circulação de conteúdos jornalísticos profissionais nas redes
sociais segue-se um aumento da circulação das fake news.
Por fim, o artigo 13 impõe que plataformas usadas para a
publicação de conteúdos, como o YouTube, passem a pagar o licenciamento de
todos conteúdos que são enviados pelos seus utilizadores – algo pouco provável
de acontecer. Em alternativa, essas plataformas são sujeitas a obrigações que
apenas podem ser cumpridas com recurso a mecanismos automáticos de censura
prévia – filtros de upload – que impeçam os utilizadores de enviar conteúdos
que possam conter obras ou partes de obras cujo autor não permite a sua
utilização.
Sabemos hoje que este tipo de filtros são cegos, incapazes
de distinguir utilizações ilícitas das utilizações perfeitamente legais, como o
fair use americano ou as nossas correspondentes exceções ao direito de autor,
como a paródia ou a citação. Sabemos também que responsabilizar diretamente as
plataformas por tudo o que qualquer pessoa possa lá publicar fará com que
aquelas se adaptem de forma a proteger os seus próprios interesses: vão adotar
posturas de censura apertada e em caso de mínima dúvida optarão sempre por
apagar conteúdos. Com certeza não esperamos que estas plataformas venham
altruisticamente defender direitos fundamentais dos cidadãos como a liberdade
de expressão, quando para isso arriscariam a sua própria responsabilização pelo
conteúdo em causa. Para mais, a legislação atual já permite apagar de forma
célere tudo o que seja comunicado como estando a infringir direitos.
É lamentável que a via escolhida para alegadamente proteger
os autores na Internet implique o atropelo de direitos fundamentais dos
cidadãos. Os fins não justificam os meios, e nada justifica a censura.
Advogado, presidente da Associação D3 - Defesa dos Direitos
Digitais
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