Fernando Nunes da Silva. ‘Os negócios imobiliários vão
ganhar milhares de milhões com a expansão do metro’
Os pobres e a classe média vão ser corridos de Lisboa. Tudo
em nome dos negócios idealizados por Manuel Salgado, diz o ex-vereador.
Miguel Silva
17 de setembro 2018
Segunda parte da entrevista ao antigo vereador da Mobilidade
da Câmara Municipal de Lisboa. Na semana passada, o professor universitário
denunciou o escândalo da Torre de Picoas e disse por que considera Manuel
Salgado o verdadeiro presidente da Câmara. Hoje, fala dos grandes negócios
imobiliários que estarão na origem da decisão do Metro de optar pela linha
circular.
O que acha do mono do Rato?
Chamarem mono acho desagradável, porque não é um mono. É um
edifício completamente deslocado para a localização onde está, não estou de
acordo, acho que uma vez ainda votei favoravelmente ou abstive-me em relação a
esse projeto. Tinha vindo uma intimação
do tribunal e a câmara não tinha outra alternativa que não fosse aprovar o
licenciamento. É um problema complicado, pois tenho muita estima pelos dois
arquitetos que são autores do projeto. O problema que se coloca é que quando
aprovámos aquilo fizemo-lo com uma
diminuição de dois pisos para ficar alinhado com a Rua do Salitre, mas o tribunal não aceitou. Acho que é um edifício que não
faz sentido naquele lugar. A arquitetura é boa, mas está desenquadrado com a
envolvente. A escolha do lioz, aquele tipo de relação de aberturas e de fecho é
muito bom, tem é o problema de ser um volume excessivo para aquela zona. Não é
só pela sinagoga mas também pela relação com a
fonte. A Bárbara Reis, que escreveu um artigo no Público em defesa
daquilo, esqueceu-se de dizer duas coisas: não é só que é amiga, mas também que
tem uma relação privilegiada com Manuel Salgado e a Risco. Acho desonesto
omitir isso. Mas o que é mais grave para mim é que hoje em dia há arquitetos
que se consideram os donos e senhores da verdade e que o contexto não
interessa. O que importa é a sua obra e o seu objeto. Isto é o mais
anti-democrático que se pode imaginar, estamos a regressar à idade feudal.
Em relação ao prolongamento do Metro. Como acha possível que
não tenha sido feito nenhum estudo antes se avançar para esta solução?
Não foi feito porque a história tem que ver com a orientação
da então secretária de Estado, Ana Paula Vitorino, que, em 2009, antes das
autárquicas, apresentou em agosto um plano de expansão da rede para vários
concelhos envolventes Lisboa, porque o PS estava fortemente empenhado em
conquistar câmaras do PCP na margem norte, depois de ter separado Odivelas de
Loures e ter conquistado Odivelas. O que foi proposto foi um prolongamento
absolutamente louco do Metropolitano de Lisboa. Ia até ao hospital
Amadora-Sintra, Loures, até ao grande centro comercial, Sacavém, Algés e havia
ainda uma linha circular que era uma distorção de um trabalho que tinha sido
feito no tempo do Santana Lopes, onde se propunha uma linha automática com
veículos muito mais pequenos para servir as colinas. Eu defendia uma alternativa
a esta linha das colinas, que foi a que acabou por ser assumida pela comissão
da Baixa-Chiado, presidida por Maria José Nogueira Pinto, e que acabou por ser
a que lá está: um conjunto de elevadores, de ruas de peões, de escadas
rolantes, que permite ir desde o elevador da Bica para o Chão do Loureiro e
Santa Apolónia, através das Portas do Sol, sem grande esforço para quem anda a
pé. Mas Ana Paula Vitorino resolveu transformar essa linha circular sem
qualquer estudo de procura ou de avaliação de alternativas que o justificasse.
Então esse projeto foi agora recuperado?
Sim, isto é, ressuscitado numa situação aberrante. O Governo
informa a CML que tem uns 200 milhões para gastar e a CML, através do vereador
Salgado, diz que a proposta é juntar a linha amarela e a verde, no Campo Grande
e no Cais do Sodré, criando assim uma linha circular. O estudo de procura
falseia a realidade, ao comparar uma linha que faz ligação ao eixo de Cascais,
que é o mais carregado de transportes coletivos em toda a área metropolitana de
Lisboa, com uma linha que termina num bairro, o prolongamento da linha vermelha
de S. Sebastião a Campo de Ourique. Depois temos ainda o Estudo de Impacto
Ambiental. Quem o fez não percebe nada de transportes e diz verdadeiras
barbaridades, como, por exemplo, que a linha circular vai permitir aumentar a
frequência dos comboios de quatro minutos e tal para três minutos, quando isso
é possível em qualquer linha. Por outro lado, omitem-se coisas graves: a
estação da Estrela, por exemplo, vai ficar a 54 metros de profundidade. Será
uma das mais profundas da Europa, é dificílimo de explorar e a sua captação de
procura será fortemente prejudicada por isso.
Há quem diga que as pessoas vão sentir claustrofobia.
Claro, vai sentir-se a pressão de ar e tudo.
Qual é a profundidade do Chiado?
É muito menor. A estação mais profunda do metro é a do
Parque e não chega aos 40 metros, e não é por acaso que tem uma pequena
procura, apesar de se situar numa avenida fortemente terciarizada. Mas o mais
grave ainda é como a obra se vai fazer na avenida 24 de julho. Terá de se
desviar o caminho-de-ferro para o lado do rio, perturbando o acesso ao terminal
fluvial. Por sua vez, o metro tem de ser construído uma parte por baixo do
caminho-de-ferro para permitir a ligação entre a linha existente e a nova a
construir. E tudo isto é construído a céu aberto, cortando praticamente toda a
avenida 24 de julho de acessos. Por outro lado, os terrenos são de aterro, têm
níveis freáticos com um metro e meio de profundidade, o que não deixará de
implicar imensos problemas de construção, tal como aconteceu no Terreiro do
Paço, e na ligação a Santa Apolónia.
A solução inicial era Rato, Estrela e Alcântara, não era?
Sim.
Mas há uma parte do túnel que já está feita para a Estrela e
que vai ser abandonada.
Sim. Quando se estudou desconectar as duas linhas na Rotunda
(a de Sete Rios e a de Entrecampos), havia duas soluções: ou se continuava para
as Amoreiras e depois para Campo de Ourique ou para a Estrela e Alcântara. Na
altura, eu estava na Câmara presidida por Jorge Sampaio quando isto foi
anunciado no Governo Cavaco. Há um célebre debate na televisão sobre a
desconexão da Rotunda, em que está o Machado Rodrigues (vereador dos
transportes e das infraestruturas na CML) de um lado e o Consiglieri Pedroso
(presidente do Metro) do outro. Na CML defendíamos que o eixo central deveria
manter-se contínuo, ou seja, a Baixa devia estar ligada ao Marquês de Pombal,
ao Saldanha e a Entrecampos, através da mesma linha. O Metro, com base num
estudo de procura, coordenado pelo professor José Manuel Viegas, e em que
participei, concluiu que era indiferente ter essa linha ou ter um cruzamento.
Optou então pela solução de cruzamento, que é o que existe, porque considerava
que tinha de distribuir a enorme procura da Linha de Cascais pelo Cais do Sodré
e por Alcântara, quando se ligasse o metropolitano à linha de Cascais. E aqui
falhou-se porque não se fez a ligação prevista do metro a Alcântara. Por isso,
no Cais do Sodré existe hoje um problema de capacidade porque aí confluem os
barcos que transportam muita gente e a linha de Cascais. A ideia foi: quem
quisesse ir para o eixo da Almirante Reis apanhava o metro no Cais no Sodré e
quem quisesse ir para as Avenidas Novas saia em a Alcântara e daí seguia para o
Rato, Marquês de Pombal, Saldanha, Entrecampos, etc.. Em termos de estratégia
de desenvolvimento do metro interessava mais fazer estas duas ligações à linha
de Cascais. Pelo contrário, em termos do que estava a acontecer no mercado
imobiliário de Lisboa, interessava mais a continuidade da linha do metro no
eixo central, porque havia uma pressão enorme, sobretudo de capital espanhol,
para aí instalar escritórios. A Avenida da Liberdade estava a atingir o seu limite
e a Fontes Pereira de Melo poderia
ganhar novo fôlego. Na altura, para lidar com esta pressão imobiliária
nas avenidas principais da cidade, a Câmara, liderada por Jorge Sampaio,
definiu a política dos terços: para se construir uma dada área de escritórios,
tinha de se construir o equivalente em habitação e outro tanto em comércio, e é
isto que permite fazer a renovação das Avenidas Novas. E, portanto, desde essa
altura que se anda a discutir o metro. E só há duas hipóteses: ou faz-se a
estação de Campolide e daí segue-se para as Amoreiras e Campo de Ourique, ou
então prolonga-se a linha do Rato para a Estrela e daí para Alcântara. É neste
contexto que se desenvolvem novos estudos, em articulação com o plano de
urbanização do Vale de Alcântara, que conduzem à proposta de dois
prolongamentos do metropolitano para servir a zona ocidental. Por um lado, a
linha amarela seria prolongada do Rato para Alcântara-Mar e a linha vermelha,
que atravessa as outras todas, seguia para Campolide, Amoreiras, Campo de Ourique
e Alcântara-Terra. Se for ver a linha de caminho-de-ferro que atravessa a ponte, tem um apeadeiro no Alvito, que
poderia ser transformada numa estação, onde já existe um túnel, onde passaria o
metro. A linha vermelha, cujo túnel está feito até ao Palácio da Justiça, podia
ter já ali uma estação. É por isso que a linha do Rato está agora apontada para
a Estrela, ficando praticamente debaixo da estátua, Pedro Álvares Cabral, troço
este que não vai ser aproveitado. Está tudo doido. É inconcebível. Qual a razão
disto? Os negócios imobiliários.
Mas onde é que eles estão?
Eu digo-lhe. O primeiro é no Sporting, onde existe um
problema complicado para resolver que ainda vem do tempo em que se construiu a
estação de Campo Grande e o terminal rodoviário. Foi preciso comprar terreno ao
Sporting, na área do antigo campo de treinos, e ficou acordado que o pagamento
se faria através da aprovação da construção de edifícios na zona. Só que,
quando o plano de loteamento do Sporting foi desenvolvido, chegou-se à conclusão
de que não era possível construir toda aquela área, enquanto o aeroporto ali
estiver - existe uma restrição em termos de alturas e, portanto, não havia solo
suficiente para construir tudo o que estava previsto. Por isso, a CML teve de
pagar uma indemnização ao Sporting. A alternativa agora é deslocalizar o
terminal rodoviário e duplicar a área de construção que lá existe. Hoje há a
torre da NOS, e está prevista uma outra idêntica por trás da estação do metro.
O que está previsto é a construção de
duas novas torres no lugar do terminar rodoviário. O segundo negócio, é na zona
da Cidade Universitária, que neste momento tem um estudo a decorrer sob
orientação de Manuel Salgado, onde se prevê, além da ampliação das instalações
universitárias, uma série de propostas ao nível da habitação, hotéis, comércio
e serviços, etc..
Mas que área cobre?
Vai desde a reitoria da Cidade Universitária, passando pela
Avenida das Forças Armadas e terminando na Biblioteca Nacional.
E o que é preciso fazer para avançar com essa obra?
Há ainda problemas por resolver, como seja as
deslocalizações do Horto do Campo Grande e do Jóquei Clube. É essa brincadeira
toda. O terceiro projeto é o de Entrecampos. Agora percebe-se por que se passa
de um projeto onde inicialmente estava previsto haver 40% de habitação para um
projeto onde só existe menos 10% de habitação, que será de luxo. Aí
viabiliza-se ainda mais um negócio imobiliário, que abrange um terreno junto à
linha de cintura, que terá mais uma zona de escritórios entre a rotunda nas
traseiras do hospital Curry Cabral, que liga a passagem por baixo do
caminho-de-ferro à Avenida Álvaro Pais. Há uma grande ideia, que já está a ser
trabalhada há muito…
Que é?
Retirar o hospital Curry Cabral e a Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova. Há uma parte da universidade que já foi
para Carcavelos, e outra que irá para o Campus de Campolide. Como as
instalações afetas ao Exército, que estavam na Avenida de Berna, já passaram
para as da Universidade Nova de Lisboa, o terreno que vai desde o parque de
estacionamento que dá para a 5 de outubro, junto ao hotel Zurique, até à rua da
Beneficência, quase em frente à Gulbenkian, tudo aquilo é carninha do lombo
para ser promovido.
Onde é que o prolongamento do metro coincide com os
interesses imobiliários?
É terem lá uma estação de metro e uma de comboio, o que lhes
confere uma enorme acessibilidade à área central de serviços mais importante da
cidade, a qual será potenciada com a linha circular. Depois passamos à zona do
Saldanha.
O que tem o Saldanha?
Tem a nova torre de Picoas, mas havia ainda uma outra
hipótese, antes do grupo Espírito Santo estourar, que era toda a zona da PT ser
reformulada e duplicar a área de construção daquele local. O Saldanha
propriamente dito não tem mais para mexer. Mas na estação seguinte, Picoas,
além deste projeto, para os terrenos da PT e do mercado 31 de janeiro, havia
ainda a proposta de encerramento da Maternidade Alfredo da Costa o que
permitiria a reconversão de todo o quarteirão que esta ocupa. Portanto, uma
carga brutal para aquela zona. No Rato há várias hipóteses ali à volta, que
envolvem muito dinheiro, não implicando grandes construções. Trata-se de todo o
interior do quarteirão pombalino e do mercado do Rato. É o grande projeto que
vai desde a Rua de São Bento à Rua da Escola Politécnica e ao Rato, que tem lá
agora um parque de estacionamento provisório. É uma área enorme destinada a
habitação de luxo, de condomínios. Mas o grande negócio é o Hospital Militar da
Estrela. Por que é que a estação da Estrela está a 50 metros de profundidade? É
que a estação não é na Estrela, é no hospital.
É por baixo do hospital?
É. Que é um terreno maluco.
Outro terreno bastante apetecível?
Claro, carninha do lombo. Depois temos a estação seguinte:
Santos. Santos não é Santos, é o quartel do Regimento de Sapadores de
Bombeiros, na avenida D. Carlos I. Mais uma vez a estação é dentro do terreno a
construir. Os bombeiros vão sair dali e já há vários estudos que foram feitos
sob a orientação do Salgado para aquilo ser uma área enorme de construção. Por
último, temos a avenida 24 de julho, que abrange todo o aterro da Boavista, com
uma área de construção muito superior àquela dos edifícios sede da EDP. Está o
negócio feito. Mas isto ainda não acabou porque só chegámos ao Cais do Sodré,
agora falta a Almirante Reis. A Almirante Reis tem os terrenos da antiga fábrica
de cerveja Portugália, que é uma área brutal, os terrenos do Banco de Portugal,
visto que estas instalações são para sair dali, devem mudar-se para outro lado,
muito provavelmente ocupando a parte do edifício da sede da Caixa Geral de
Depósitos que está desocupada ou subaproveitada. Por outro lado, há ainda a
renovação que está agora a começar a aparecer na Almirante Reis, mas isso são
trocos. Não são grandes investimentos concentrados, mas apesar de tudo ainda é
relativamente interessante. Na zona do Areeiro, há ainda muito terreno para
valorizar.
Mas o Areeiro já tem a estação.
Já, só que qual é a diferença? É que com a construção da
linha circular, podemos dizer que todas estas zonas estão ligadas ao eixo
central de Lisboa, e daí passarem a ser mais apetecíveis para os grandes
negócios imobiliários, é só isto. Para dizer que se pode ir desde o Ministério
das Finanças até ao Campo Grande sem mudar de comboio. É uma questão de imagem,
não tem a ver nada com transportes, não tem a ver com procura, não tem a ver
com a operacionalidade do metropolitano que, pelo contrário, passará a ter um
sistema operativo muito mais complicado. Já viram que as pessoas de Odivelas,
que hoje vêm direto ao centro, terão de fazer mais um transbordo e passarem a
ter, no mínimo, dois transbordos para chegarem ao centro da cidade de Lisboa.
Como assim?
Para chegarem à estação do metro de Odivelas têm de apanhar
um autocarro. Depois, chegam ao Campo Grande e mudam outra vez, para ir para a
Baixa ou para o eixo central (Avenida da República, Fontes Pereira de Melo e
Liberdade). Por outro lado, esta solução, da linha circular, inviabiliza a
ligação a Alcântara-Mar. Há ainda uma outra questão complicada, que tem a ver
com os antigos terrenos da Lisnave, em Almada, que é um projeto enorme do
Estado. A única hipótese de o viabilizar, tal como está previsto, é servir esta
zona com o metropolitano. O volume de construção previsto para aquele lugar não
tem possibilidade de acesso sem ser através do rio Tejo. O transporte fluvial
não será suficiente. Isto é: a opção por uma linha circular tem várias
repercussões, não só do ponto de vista da rede do metropolitano, visto que mata
várias soluções possíveis mais interessantes para assegurar uma melhor
cobertura da cidade e servir melhor e mais população, como ,por outro lado, do
ponto de vista da desconcentração do imobiliário, acaba por orientar este
mercado na área central da cidade. Desde o tempo de Sampaio que se propunha que
Alcântara viesse a ser uma polaridade como é a bem-sucedida zona do Parque das
Nações. Na altura, a grande estratégia era renovar estas zonas industriais do
século XIX e XX: Alcântara, Xabregas, Matinha, Braço de Prata, até ao que é
atualmente o Parque das Nações.
E assim vamos ter o metro mais caro do mundo. 180 milhões de
euros por um quilómetro e pouco.
Exatamente. O que se gasta num quilómetro de metropolitano,
em situação normal, são 50 milhões de euros. Está-se a gastar praticamente 100
milhões de euros, o dobro. E vamos a ver as consequências disto, porque as
pessoas com quem falei, que estiveram ligadas às obras do metro nesta zona,
falaram no problema do Cais do Sodré, mas em Santa Apolónia aconteceu o mesmo
problema com o nível freático e a impermeabilização do túnel do metro.
Por que é que a linha circular inviabiliza o metro para
Almada?
Já não se consegue fazer esse prolongamento a partir do Cais
do Sodré.
Porquê?
Porque o circuito ficou fechado. É a mesma coisa que vai
acontecer em Odivelas. Para assegurar a continuidade da linha circular no Campo
Grande vai ter de ser construído um terceiro viaduto para desconectar Odivelas
da linha circular. No Cais do Sodré isso não será possível.
Quem vai ter que aprovar este projeto ou dar um parecer é a
Agência Portuguesa do Ambiente, que por sua vez é tutelada pelo mesmo ministro
que tem a tutela do metro. O que acha disto?
Acho que é o que se chama promiscuidade.
É um pouco esquisito não é?
É evidente. O estudo de impacto ambiental já é uma situação
muito enviesada, porque em vez de ter uma entidade independente a elaborar o
estudo é o interessado na obra que elabora o estudo. Ainda podia admitir, com
muito boa vontade, e partindo do princípio que é tudo gente séria e a favor do
interesse público, que o estudo de impacto ambiental pudesse ser pago pela
entidade interessada, mas isso, no mínimo, exigiria que esse estudo fosse a
seguir analisado por um provedor ou qualquer outra entidade independente, que
fizesse o seu parecer que seria definitivo. Isto não é feito. O presidente da
APA foi nomeado pelo governo de Passos Coelho - que como todos sabemos é a bête noire da atual maioria
política. Como se explica que toda a direção da APA, nomeada pelo anterior
governo, tenha sido demitida exceto o seu presidente? Acredito que, conhecendo
o presidente da APA, este se irá empenhar para que haja um parecer isento.
Todavia, face aos interesses políticos e económicos envolvidos, não tenho
muitas dúvidas que a pressão será enorme, até pelos milhões que estão
implicados. Estamos a falar em centenas de milhões de euros na área do
imobiliário nesta zona. Isso não vai pela borda fora sem mais nem menos. Só em
Entrecampos estamos a falar de um investimento na ordem dos 800 milhões de
euros. Arrisco-me a dizer que, no conjunto dos projetos imobiliários que irão
beneficiar da linha circular, estamos a falar de milhares de milhões de euros
de investimento imobiliário. Não acredito que numa situação destas haja a força
necessária, seja ela judicial ou política, para se opor à concretização destes
projetos.
Mas todos esses projetos não são, seguramente, para a classe
média ou para os pobres.
Esta linha circular é assim o coroar da estratégia do Manuel
Salgado para Lisboa: um núcleo central com forte concentração de terciário e
habitação de luxo (Eixo Central e Avenidas Novas), a que se juntam a Baixa, as
colinas históricas e a frente ribeirinha, para usufruto dos turistas e
residência de estrangeiros endinheirados. A chamada “cidade do caroço”, como
bem a definiu Nuno Portas nos anos 1970 num programa televisivo que fez furor
na época. Fora desta cidade para os ricos e os turistas, ficam os bairros
municipais, a classe média (com cada vez mais dificuldade em acompanhar os
preços do imobiliário) e os “enclaves” da população trabalhadora de menores
recursos que ainda resiste à expulsão para as periferias. Estamos assim perante
uma cidade cada vez mais dual, onde a linha circular do metropolitano só vem
favorecer, acelerando, o processo de gentrificação e turisficação de Lisboa. Ao
mesmo tempo deixa para as calendas gregas o serviço a bairros populares que
continuam mal servidos de transportes coletivos. O mais curioso disto tudo, é
que esta estratégia, que nunca foi claramente explicitada ou sequer sufragada,
está a ser paulatinamente implementada por uma só pessoa (ainda que com o apoio
dos grandes interesses imobiliários e financeiros) numa câmara municipal onde a
maioria que a governa se reclama da esquerda! É obra!
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