Guião político da democracia sueca enfrenta revisão da
extrema-direita
Proscritos pelo establishment devido ao passado neonazi,
Democratas Suecos podem tornar-se, nas eleições deste domingo, a força
bloqueadora no Parlamento para a formação do Governo, rompendo com décadas de
tradição política na Suécia.
ANTÓNIO SARAIVA LIMA 9 de Setembro de 2018, 7:00
O caso não é novo na Europa. Partidos tradicionais que
perdem influência junto do eleitorado e organizações políticas de
extrema-direita que, depois de um processo assumido de “desdiabolização”,
crescem aceleradamente nas intenções de voto e ameaçam o establishment, têm
sido amplamente identificados e noticiados. Como na Holanda, em França, na
Alemanha, na Áustria ou em Itália, também a Suécia enfrenta, nas eleições deste
domingo, um teste à sua democracia partidária. Os Democratas Suecos – um
partido anti-imigração e eurocéptico nascido no movimento neonazi – estão em
segundo lugar nas sondagens e, por isso, bem posicionados para baralhar as
contas na formação do próximo Governo.
De acordo com a média das intenções de voto, actualizada
diariamente no site Val.digital, nenhum dos partidos ou alianças políticas que
nos últimos 100 anos disputaram o poder na Suécia conseguirá obter uma maioria
parlamentar, muito por culpa dos 19,6% de apoios previstos para os Democratas
Suecos.
O histórico Partido Social-Democrata (centro-esquerda) está
nos 24,1% e corre o risco de alcançar o pior resultado desde os anos 30 do
século passado. Os seus actuais parceiros de Governo, os Verdes, somam 5,1%. Já
o Partido Moderado (centro-direita) fica-se pelos 17,9% e a Aliança – a
coligação de direita que o junta ao Partido do Centro (8,2%), aos Liberais (6%)
e aos Democratas Cristãos (5,6%) – pouco acima dos 37%.
Uma corrida eleitoral ao sabor do debate sobre a imigração
A legislação sueca não impede a formação de governos
minoritários – na Escandinávia é até bastante comum, apesar de não o ser na
Suécia. Apenas exige que o líder do executivo seja confirmado pela maioria dos
349 deputados do Riksdag, o Parlamento. Mas face às sondagens, esta condição
obriga os principais partidos a procurar entendimentos fora das suas
tradicionais alianças, tanto na escolha do primeiro-ministro, como na definição
da agenda política durante os próximos quatro anos.
A alternativa é submeterem-se aos desígnios da extrema-direita,
com quem já todos rejeitaram negociar, e cujo líder, Jimmie Akesson, prometeu
querer “derrubar qualquer governo que não queira levar os suecos na direcção
certa”.
Marginalização deliberada
Este isolamento deliberado dos Democratas Suecos pelo
establishment, em prática desde a fundação do partido (1988), é peça central
nas eleições deste domingo. Os populistas cresceram eleitoralmente nos últimos
oito anos beneficiando dessa exclusão e os partidos do sistema, querendo
mantê-la em vigor, perderam para a extrema-direita o protagonismo em
determinados debates.
No que toca à imigração – o tema central deste acto
eleitoral – registou-se mesmo uma readaptação dos programas e prioridades daqueles
partidos à mensagem apregoada pelos Democratas Suecos. Sob a batuta do
social-democrata Stefan Löfven, a Suécia passou de um dos países que mais
pedidos de asilo recebeu durante o pico da crise migratória de 2015 (mais de
162 mil) a um Estado que apresenta, actualmente, uma das políticas migratórias
mais restritivas da União Europeia.
Também na resposta do Estado ao aumento da criminalidade e
da violência urbana, que a extrema-direita associa ao aumento do número de
imigrantes e refugiados na Suécia, o primeiro-ministro endureceu a sua
política, abrindo milhares de vagas nas forças policiais e apelando
regularmente à necessidade de “lei e ordem” nas cidades e bairros onde se
registaram desacatos.
Um endurecimento que foi igualmente notório à direita, com
os Moderados à cabeça. “Os outros partidos investiram imenso no isolamento dos
Democratas Suecos. Mas agora é difícil distanciarem-se porque eles próprios
adoptam políticas muito próximas das deles”, diz ao Financial Times
Ann-Cathrine Jungar, especialista em partidos de extrema-direita europeus na
Universidade Södertörn (Estocolmo).
Moderação e mobilização
À semelhança da Frente Nacional (França), da Liga (Itália)
ou do FPÖ (Áustria), entre outros exemplos na Europa, também os Democratas
Suecos implementaram uma laboriosa estratégia de suavização da sua imagem para
disputar o eleitorado com os principais partidos da Suécia. Sob a liderança de
Akesson, a partir de 2005, foram cortados os laços com o Reino Nórdico – um
partido neonazi dos anos 1950 – e com o movimento nacionalista Bevara Sverige
Svenskt (Manter a Suécia Sueca).
Foi ainda levada a cabo uma “limpeza” interna, com a
expulsão de militantes abertamente racistas. Um plano que, no entanto, foi
recebido com desconfiança por opositores e analistas. “A estratégia de expulsão
é apenas para o exterior e para os media, e apenas resultou de um maior escrutínio
a que o partido foi alvo. Mas dentro do partido e nas suas bases ninguém
promove nem se interessa pela mensagem de tolerância”, diz ao PÚBLICO Daniel
Poohl, chefe-de-redacção da revista sueca Expo, especializada em racismo e
extremismo.
Akesson, que em tempos descreveu o crescimento da comunidade
muçulmana na Suécia como a “maior ameaça estrangeira desde a II Guerra
Mundial”, apontou baterias para o impacto da imigração no acesso da população
aos benefícios sociais, na eficiência dos serviços públicos e na segurança nas
cidades. Com isso atraiu a atenção de uma larga massa de eleitores que deixou
de esconder o seu incómodo com o aumento da população nascida fora da Suécia –
cerca de 18% de dez milhões de habitantes. Eleitores que, segundo Poohl “sempre
existiram”. A diferença é que foram agora “mobilizadas e politizados pela
mensagem” de Akesson.
“O grande sucesso dos Democratas Suecos é terem conquistado
eleitores em praticamente todas as áreas da sociedade e junto da classe média.
Deixaram de ser o partido de uma determinada representação demográfica, dos
pobres ou dos que vivem ‘esquecidos’ no interior do país. Representam um
sentimento popular alargado, hostil à multiculturalidade”, explica o
investigador. “Num certo sentido podemos dizer que a democracia funcionou”,
conclui.
O partido também se tem dedicado a diabolizar a UE, mas
neste caso sem grande sucesso. A proposta de um referendo à saída do clube
europeu não foi recebida pelos eleitores com tanto entusiasmo como Akesson
gostaria.
Do ponto de vista dos partidos do establishment sueco há
duas formas de encarar o crescimento da extrema-direita. A mais pessimista põe
em evidência a sua própria incapacidade para continuar a merecer a confiança do
eleitorado, assume a consequente transferência de votos para os Democratas
Suecos e teme o cenário em que qualquer solução governativa tenha de ter o
aval, expresso ou tácito, do partido de Akesson.
A visão mais optimista tende a valorizar, no entanto, que
quatro em cada cinco eleitores vão votar contra a extrema-direita e que o
aumento da representação e influência dos Democratas Suecos no Riksdag não é
necessariamente sinónimo de um envolvimento do partido nos principais centros
de decisão política. A isto se soma o bom desempenho económico do país, a
generosidade do seu Estado social, a eficiência das suas políticas de emprego e
os elevados índices de satisfação e qualidade de vida da população. Sinais que
mostram que a situação pode não ser tão disruptiva como noutros casos europeus
e que o guião político pelo qual se orientou a democracia sueca desde os anos
30 resistirá a esta tentativa de revisão. Os eleitores o dirão.
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