A torre da corrupção e a lei do compadrio
A Lei do Compadrio é com frequência acompanhada pela Lei do
Sonso. Talvez lhe possamos passar a chamar “Lei Medina”.
João Miguel Tavares
15 de Setembro de 2018, 7:03
https://www.publico.pt/2018/09/15/politica/opiniao/a-torre-da-corrupcao-e-a-lei-do-compadrio-1844104
Há legítimas razões para suspeitar que nesta terra não se
faz uma única empreitada pública acima de três milhões de euros, nem um prédio
acima de quatro andares, sem que de alguma forma esteja envolvido dinheiro sujo
ou troca de favores. Chamemos-lhe a Lei do Compadrio: “Em qualquer negócio onde
o envolvimento do Estado seja indispensável e os fundos envolvidos relevantes,
a probabilidade de alguém encher ilegitimamente os bolsos aproxima-se dos
100%.”
Eu escrevo três vezes por semana nesta página e não me
chegam os textos para falar de todas as suspeitas credíveis que têm surgido em
Portugal nos últimos anos. Mas não desesperemos, que a partir daqui podemos
olhar para o copo meio cheio ou meio vazio. Meio vazio: o país está perdido e
cada vez mais corrupto. Meio cheio: o país sempre foi profundamente corrupto,
mas a justiça tem hoje uma capacidade de investigação e um desejo de escrutínio
que não existia no passado. Eu sou um optimista, e opto pelo copo meio cheio.
Acredito que aquilo que tem acontecido nos últimos anos, muita à boleia da
tragédia socrática e de uma crise que tornou estes comportamentos
particularmente obscenos (o caso de Pedrógão é, nesse aspecto, exemplar), é uma
atenção redobrada à trafulhice, e a consciência de que a relação dos
portugueses com o Estado é de mútua predação: o Estado enche-se com os impostos
de todos para depois esvaziar parte para os bolsos de alguns.
Esta semana o semanário Sol e o jornal i recuperaram uma
história antiga sobre o novo arranha-céus de Picoas. Notícias sobre o tema
existem há muito, incluindo uma invasão de terrenos públicos no decorrer da
obra, perante a compreensão da câmara – o que pareceu, desde logo, indiciar uma
relação de privilégio. Não admira. Durante mais de 20 anos, o dono do terreno
tentou obter o licenciamento de vários projectos, mas a volumetria aprovada
ficou sempre aquém das suas expectativas. Em 2011 conseguiu a aprovação de um
edifício de sete pisos. Entretanto, hipotecou o terreno ao BES por 15 milhões
de euros. Veio a crise e decidiu vendê-lo ao banco por um euro. Subitamente,
eis que se dá uma milagrosa mudança de PDM – e os pisos permitidos passaram de
sete para 17. Quanto terá valido essa decisão?
Fernando Medina esteve esta semana na SIC e o jornalista
Bernardo Ferrão fez-lhe a pergunta: “A Torre de Picoas está avaliada em cerca
de 120 milhões de euros, e o terreno onde foi erguida era de um empresário que
achava que podia ali construir entre 12 a 14 mil metros quadrados. Foi-lhe dito
que não, que não o podia fazer. Ele acabou por vender o terreno ao BES por um
euro, e depois o PDM foi alterado. A capacidade de construção aumentou para 24
mil metros quadrados e fez-se esta torre. Isto não é suspeito, Fernando
Medina?” Fernando Medina respondeu: “Não, não é suspeito.”
E pronto. Foram estas as (não) explicações que o senhor
presidente da câmara deu aos seus cidadãos. Sejamos justos: Medina disse ainda
ter estudado o caso “à exaustão desde muito antes de estar na Câmara de Lisboa”
(fiquei curioso sobre esse estudo, mas ninguém aprofundou) e garantiu que tudo
se passou de “forma totalmente correcta, pública e transparente”. Só não
explicou como, nem porquê. A Lei do Compadrio é com frequência acompanhada pela
Lei do Sonso: “Sobre qualquer negócio suspeito, a probabilidade de alguém dar
explicações correctas, públicas e transparentes aproxima-se do zero.” Talvez
lhe possamos passar a chamar “Lei Medina”.
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