O vírus nacionalista instalado na
Suécia
É bom que se comece a levar a sério esta constatação: a democracia
liberal está a perder a guerra contra o extremismo. Aconteça o que acontecer, o
nacionalismo xenófobo dos Democratas Suecos já venceu.
Manuel Carvalho / EDITORIAL
9 de Setembro de 2018, 23:41
Se há dez anos alguém ousasse prever que um partido de
extracto neonazi, fortemente conservador e nacionalista seria por estes dias a
segunda maior força partidária da Suécia, muito poucos acreditariam. Essa
distopia tornou-se real neste domingo e ninguém na Europa entrou em estado de
sítio porque os 19,2% dos votos esperados pelos Democratas Suecos fazem parte
do novo normal da política no continente. Nem a Suécia, liberal nos costumes,
progressista na política, exemplar na conciliação entre a iniciativa privada e
um Estado- providência eficaz escapa à vaga de fundo. Há um novo espectro na
Europa que se instalou num dos países modelares da democracia do continente.
É bom que se comece a levar a sério esta constatação: a
democracia liberal está a perder a guerra contra o extremismo. Aconteça o que
acontecer, o nacionalismo xenófobo dos Democratas Suecos já venceu. Antes das
eleições, a sua força crescente tinha obrigado o Governo social-democrata a
demolir a sua ideia de Europa sem muros e a fechar as portas aos imigrantes. A
Suécia continua rica e altamente competitiva no mundo global, mas episódios de
violência urbana e o vírus do medo aos outros mitigaram o papel da prosperidade
e exacerbaram o valor identitário. A votação dos Democratas Suecos, que pode
ter crescido mais de 50%, estilhaçou um sistema partidário organizado em dois
blocos e cimentado por uma velha cultura de compromisso. Mudou radicalmente a
percepção, ainda que por vezes romântica, que os suecos têm da política e
abalou a sua adesão a um credo progressista que lhe marca a identidade nacional
desde o final do século XIX.
Quando, em Maio próximo, se realizarem as eleições para o
Parlamento Europeu será hora de constatar a deprimente realidade de uma Europa
disposta a recuar no tempo e a abraçar as liturgias do extremismo sectário. Lá
estarão os Democratas Suecos de braço dado com os Verdadeiros Finlandeses a
olhar para Viktor Orbán, da Hungria, como a prova acabada de que o perfume do
poder deixou de ser uma miragem para os nacionalismos. Já não há margem para
ilusões: a União Europeia, que resistiu a décadas de crises económicas,
desastres financeiros e tormentas políticas está a ser minada por dentro. As
eleições europeias não serão ainda a hora do tudo ou nada, mas, com a História
a acelerar como está a acelerar, poderão ser o sinal de que esse momento
decisivo para o futuro fica ao virar da esquina.
ÁLVARO VASCONCELOS
Na Suécia e na Europa, partidos
democráticos não respondem à "grande inquietação da classe média"
O analista Álvaro Vasconcelos diz que a ascensão da extrema-direita não
se explica só com a questão da emigração.
Ana Gomes Ferreira
ANA GOMES FERREIRA 9 de Setembro de 2018, 23:47
O analista Álvaro Vasconcelos explica que não só o problema
da imigração explica a ascensão dos partidos de extrema-direita na Europa.
Depois de umas eleições em que a extrema-direita sueca ganhou espaço, o
ex-director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia diz que os
partidos democráticos não estão a dar resposta "à grande inquietação que a
classe média tem em relação ao seu futuro".
Os Democratas Suecos aumentaram a sua base de apoio nestas
eleições e os sociais-democratas perderam representatividade. É mais uma confirmação
da ascensão dos partidos de extrema-direita na Europa?
O crescimento da extrema-direita tem acontecido praticamente
em todos os países. Vimos isso acontecer na Itália, onde a Liga de Salvini
governa em aliança com o 5 Estrelas. Chegou ao governo na Áustria e na
Finlândia, está no poder na Polónia e na Hungria. Há um problema extremamente
inquietante nestes países com estes partidos, que não diria que são fascistas,
mas são neofascistas porque são racistas. Eles hoje não fazem uma declaração
anti-semita, mas fazem declarações anti-imigrantes, antimuçulmanos, têm
claramente uma ideologia racista, são nacionalistas, são contra os direitos que
foram sendo conquistados nos últimos anos, nomeadamente os direitos das
mulheres, minorias, dos homossexuais, são contra a diversidade cultural em que
se transformaram os países europeus, e representam uma ameaça seríssima à
democracia europeia, às liberdades e evidentemente à União Europeia.
Esta ascensão explica-se só com o sentimento anti-imigração?
Claro que a grande vaga de refugiados de 2015, e a maneira
como foi feita, de forma desordenada e descontrolada, teve um impacto mediático
e um impacto muito forte na população. Mas teve impacto sobretudo porque há um
enorme descontentamento das classes médias europeias com o crescimento da
desigualdade, com a forma como o sistema financeiro é gerido, com o aumento do
desemprego. Estamos numa situação de consequências da crise financeira de 2008
e, como nos anos 1930, vemos crescer o populismo e a conquista de uma parte da
classe média por parte das propostas demagógicas populistas que fazem dos
imigrantes um alvo fácil. Mas evidentemente que não são os imigrantes que criam
os problemas sociais e económicos que a classe média enfrenta.
Os partidos tradicionais, sobretudo em períodos eleitorais,
adoptaram parte dos discursos da extrema-direita. Mas nas urnas não resulta.
Porquê?
Pelo contrário, o facto dos partidos democráticos, liberais,
da igualdade, da liberdade, invocarem a bandeira desses partidos, só veio
legitimar a extrema-direita. Em França, o pai Le Pen costumava dizer ‘se podem
votar no verdadeiro porque vão votar na cópia?’. Houve em França a chamada
lepenização dos espíritos — uma influência ideológica forte da extrema-direita
que não foi contrariada pelos partidos democráticos e pró-europeus e que
permitiu uma progressão significativa da extrema-direita, que ganhou a batalha
ideológica em alguns sectores. Há neste momento alguma tentativa para
contrariar isto, nomeadamente na campanha eleitoral em que Emmanuel Macron
enfrentou Le Pen. Macron foi muito claro na crítica da ideologia da
extrema-direita, o que não significa que depois de eleito Presidente tenha sido
depois coerente na questão da imigração. Vemos hoje que a Europa está partida
em dois grandes grupos. Um que Macron tenta organizar à sua volta com vista às
eleições europeias do ano que vem, em que procura o apoio da chanceler alemã
Angela Merkel, mas ela é menos convicta na vontade de Macron em enfrentar
directamente os líderes da Hungria e da Polónia, Viktor Orbán em particular. E
vemos, de outro lado, Viktor Orbán e Salvini encontrarem-se em Itália e dizerem
que vão construir uma espécie de ‘internacional iliberal’, como diz Orbán. A
questão da imigração é aqui é muito importante porque a coerência do grupo que
se forma à volta de Macron tem na questão da imigração o seu calcanhar de
Aquiles, porque eles são muito críticos de Salvini, mas quando a França não é
capaz de responder com coerência à imigração enfraquece o seu discurso.
Este combate não se trava apenas à volta da questão da
imigração. Trava-se em larga medida na capacidade que terão os partidos
democráticos de conquistarem a classe média e mostrarem que têm um projecto
para resolver os problemas económicos e sociais que a classe média enfrenta e a
grande inquietação que a classe média tem em relação ao seu futuro. Se não se
der resposta a essa inquietação, nomeadamente combatendo o desemprego, que é um
problema em vários países europeus, por exemplo França, e as desigualdades (uma
questão que se coloca hoje na Suécia)... Olhando para os resultados das
eleições, também temos visto aparecer, embora ainda de uma forma menos
significativa, partidos de esquerda que vão pondo a questão da solidariedade
social, o enfrentar as desigualdades, a regulação do sistema financeiro, no
topo das suas prioridades — caso de Jeremy Corbyn no Reino Unido — que também
fazem progresso. Aconteceu na Holanda e no Reino Unido e certamente vai
acontecer noutros países — o que se diz que é o sucesso português é o
surgimento de uma aliança da esquerda contra a austeridade, resta saber se foi
contra a austeridade, mas foi assim que apareceu e ganhou apoio popular. Há
aqui uma alternativa possível ao crescimento da extrema-direita. Mas é tudo
menos seguro que no curto prazo a extrema-direita não continue a subir e a colocar
uma ameaça gravíssima à democracia e às liberdades.
Estes partidos têm ganho um espaço político que tem levado a
coligações com partidos de direita: aconteceu na Áustria e na Finlândia, e
podem chegar ao governo na Suécia em aliança se a esquerda não conseguir
[formar governo] por os Verdes não entrarem no Parlamento.
Muitos destes partidos fazem parte do Partido Popular
Europeu (PPE), e daí as hesitações de Merkel em assumir uma atitude mais forte
em relação à aliança Orbán-Salvini. A própria CSU [partido gémeo da CDU de
Merkel na Baviera] está mais próxima da extrema-direita alemã e europeia nas
questões da imigração. Isto levanta também desafios aos partidos portugueses
PSD e ao CDS, que no PPE não põem em questão o facto de a política húngara e
polaca não ter lugar entre a família do PPE. Na falta de coerência ética do PPE
e na falta de coerência social dos partidos socialistas, sobe a
extrema-direita.
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