segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O vírus nacionalista instalado na Suécia / Na Suécia e na Europa, partidos democráticos não respondem à "grande inquietação da classe média" / VIDEO: Anti-immigration party gain 17.6% of the vote in Swedish election





O vírus nacionalista instalado na Suécia

É bom que se comece a levar a sério esta constatação: a democracia liberal está a perder a guerra contra o extremismo. Aconteça o que acontecer, o nacionalismo xenófobo dos Democratas Suecos já venceu.

Manuel Carvalho / EDITORIAL
9 de Setembro de 2018, 23:41

Se há dez anos alguém ousasse prever que um partido de extracto neonazi, fortemente conservador e nacionalista seria por estes dias a segunda maior força partidária da Suécia, muito poucos acreditariam. Essa distopia tornou-se real neste domingo e ninguém na Europa entrou em estado de sítio porque os 19,2% dos votos esperados pelos Democratas Suecos fazem parte do novo normal da política no continente. Nem a Suécia, liberal nos costumes, progressista na política, exemplar na conciliação entre a iniciativa privada e um Estado- providência eficaz escapa à vaga de fundo. Há um novo espectro na Europa que se instalou num dos países modelares da democracia do continente.

É bom que se comece a levar a sério esta constatação: a democracia liberal está a perder a guerra contra o extremismo. Aconteça o que acontecer, o nacionalismo xenófobo dos Democratas Suecos já venceu. Antes das eleições, a sua força crescente tinha obrigado o Governo social-democrata a demolir a sua ideia de Europa sem muros e a fechar as portas aos imigrantes. A Suécia continua rica e altamente competitiva no mundo global, mas episódios de violência urbana e o vírus do medo aos outros mitigaram o papel da prosperidade e exacerbaram o valor identitário. A votação dos Democratas Suecos, que pode ter crescido mais de 50%, estilhaçou um sistema partidário organizado em dois blocos e cimentado por uma velha cultura de compromisso. Mudou radicalmente a percepção, ainda que por vezes romântica, que os suecos têm da política e abalou a sua adesão a um credo progressista que lhe marca a identidade nacional desde o final do século XIX.

Quando, em Maio próximo, se realizarem as eleições para o Parlamento Europeu será hora de constatar a deprimente realidade de uma Europa disposta a recuar no tempo e a abraçar as liturgias do extremismo sectário. Lá estarão os Democratas Suecos de braço dado com os Verdadeiros Finlandeses a olhar para Viktor Orbán, da Hungria, como a prova acabada de que o perfume do poder deixou de ser uma miragem para os nacionalismos. Já não há margem para ilusões: a União Europeia, que resistiu a décadas de crises económicas, desastres financeiros e tormentas políticas está a ser minada por dentro. As eleições europeias não serão ainda a hora do tudo ou nada, mas, com a História a acelerar como está a acelerar, poderão ser o sinal de que esse momento decisivo para o futuro fica ao virar da esquina.



ÁLVARO VASCONCELOS
Na Suécia e na Europa, partidos democráticos não respondem à "grande inquietação da classe média"

O analista Álvaro Vasconcelos diz que a ascensão da extrema-direita não se explica só com a questão da emigração.

 Ana Gomes Ferreira
ANA GOMES FERREIRA 9 de Setembro de 2018, 23:47

O analista Álvaro Vasconcelos explica que não só o problema da imigração explica a ascensão dos partidos de extrema-direita na Europa. Depois de umas eleições em que a extrema-direita sueca ganhou espaço, o ex-director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia diz que os partidos democráticos não estão a dar resposta "à grande inquietação que a classe média tem em relação ao seu futuro".

Os Democratas Suecos aumentaram a sua base de apoio nestas eleições e os sociais-democratas perderam representatividade. É mais uma confirmação da ascensão dos partidos de extrema-direita na Europa?

O crescimento da extrema-direita tem acontecido praticamente em todos os países. Vimos isso acontecer na Itália, onde a Liga de Salvini governa em aliança com o 5 Estrelas. Chegou ao governo na Áustria e na Finlândia, está no poder na Polónia e na Hungria. Há um problema extremamente inquietante nestes países com estes partidos, que não diria que são fascistas, mas são neofascistas porque são racistas. Eles hoje não fazem uma declaração anti-semita, mas fazem declarações anti-imigrantes, antimuçulmanos, têm claramente uma ideologia racista, são nacionalistas, são contra os direitos que foram sendo conquistados nos últimos anos, nomeadamente os direitos das mulheres, minorias, dos homossexuais, são contra a diversidade cultural em que se transformaram os países europeus, e representam uma ameaça seríssima à democracia europeia, às liberdades e evidentemente à União Europeia.

Esta ascensão explica-se só com o sentimento anti-imigração?

Claro que a grande vaga de refugiados de 2015, e a maneira como foi feita, de forma desordenada e descontrolada, teve um impacto mediático e um impacto muito forte na população. Mas teve impacto sobretudo porque há um enorme descontentamento das classes médias europeias com o crescimento da desigualdade, com a forma como o sistema financeiro é gerido, com o aumento do desemprego. Estamos numa situação de consequências da crise financeira de 2008 e, como nos anos 1930, vemos crescer o populismo e a conquista de uma parte da classe média por parte das propostas demagógicas populistas que fazem dos imigrantes um alvo fácil. Mas evidentemente que não são os imigrantes que criam os problemas sociais e económicos que a classe média enfrenta.

Os partidos tradicionais, sobretudo em períodos eleitorais, adoptaram parte dos discursos da extrema-direita. Mas nas urnas não resulta. Porquê?

Pelo contrário, o facto dos partidos democráticos, liberais, da igualdade, da liberdade, invocarem a bandeira desses partidos, só veio legitimar a extrema-direita. Em França, o pai Le Pen costumava dizer ‘se podem votar no verdadeiro porque vão votar na cópia?’. Houve em França a chamada lepenização dos espíritos — uma influência ideológica forte da extrema-direita que não foi contrariada pelos partidos democráticos e pró-europeus e que permitiu uma progressão significativa da extrema-direita, que ganhou a batalha ideológica em alguns sectores. Há neste momento alguma tentativa para contrariar isto, nomeadamente na campanha eleitoral em que Emmanuel Macron enfrentou Le Pen. Macron foi muito claro na crítica da ideologia da extrema-direita, o que não significa que depois de eleito Presidente tenha sido depois coerente na questão da imigração. Vemos hoje que a Europa está partida em dois grandes grupos. Um que Macron tenta organizar à sua volta com vista às eleições europeias do ano que vem, em que procura o apoio da chanceler alemã Angela Merkel, mas ela é menos convicta na vontade de Macron em enfrentar directamente os líderes da Hungria e da Polónia, Viktor Orbán em particular. E vemos, de outro lado, Viktor Orbán e Salvini encontrarem-se em Itália e dizerem que vão construir uma espécie de ‘internacional iliberal’, como diz Orbán. A questão da imigração é aqui é muito importante porque a coerência do grupo que se forma à volta de Macron tem na questão da imigração o seu calcanhar de Aquiles, porque eles são muito críticos de Salvini, mas quando a França não é capaz de responder com coerência à imigração enfraquece o seu discurso.

Este combate não se trava apenas à volta da questão da imigração. Trava-se em larga medida na capacidade que terão os partidos democráticos de conquistarem a classe média e mostrarem que têm um projecto para resolver os problemas económicos e sociais que a classe média enfrenta e a grande inquietação que a classe média tem em relação ao seu futuro. Se não se der resposta a essa inquietação, nomeadamente combatendo o desemprego, que é um problema em vários países europeus, por exemplo França, e as desigualdades (uma questão que se coloca hoje na Suécia)... Olhando para os resultados das eleições, também temos visto aparecer, embora ainda de uma forma menos significativa, partidos de esquerda que vão pondo a questão da solidariedade social, o enfrentar as desigualdades, a regulação do sistema financeiro, no topo das suas prioridades — caso de Jeremy Corbyn no Reino Unido — que também fazem progresso. Aconteceu na Holanda e no Reino Unido e certamente vai acontecer noutros países — o que se diz que é o sucesso português é o surgimento de uma aliança da esquerda contra a austeridade, resta saber se foi contra a austeridade, mas foi assim que apareceu e ganhou apoio popular. Há aqui uma alternativa possível ao crescimento da extrema-direita. Mas é tudo menos seguro que no curto prazo a extrema-direita não continue a subir e a colocar uma ameaça gravíssima à democracia e às liberdades.

Estes partidos têm ganho um espaço político que tem levado a coligações com partidos de direita: aconteceu na Áustria e na Finlândia, e podem chegar ao governo na Suécia em aliança se a esquerda não conseguir [formar governo] por os Verdes não entrarem no Parlamento.

Muitos destes partidos fazem parte do Partido Popular Europeu (PPE), e daí as hesitações de Merkel em assumir uma atitude mais forte em relação à aliança Orbán-Salvini. A própria CSU [partido gémeo da CDU de Merkel na Baviera] está mais próxima da extrema-direita alemã e europeia nas questões da imigração. Isto levanta também desafios aos partidos portugueses PSD e ao CDS, que no PPE não põem em questão o facto de a política húngara e polaca não ter lugar entre a família do PPE. Na falta de coerência ética do PPE e na falta de coerência social dos partidos socialistas, sobe a extrema-direita.

Sem comentários: