Bloco de Esquerda, aliado de Medina na vereação, exige
investigação a decisões polémicas de Manuel Salgado
Samuel Alemão
Texto
25 Setembro, 2018
Construção da Torre de Picoas, envolvendo o Grupo Espírito
Santo. Projecto de expansão do Hospital da Luz, também do Espírito Santo,
envolvendo a demolição de um quartel novo do Regimento de Sapadores Bombeiros.
Alienação ao Grupo Mello da parcela de terreno municipal conhecida como
“Triângulo Dourado”, em Alcântara. Os três processos urbanísticos, que vêm do
mandato autárquico anterior (2013-2017) e sob os quais recaíram, desde logo,
múltiplas dúvidas sobre a transparência dos procedimentos, justificam a
proposta de deliberação que os deputados municipais do Bloco de Esquerda (BE)
apresentarão, nesta terça-feira (25 de Setembro), na Assembleia Municipal de
Lisboa (AML), pedindo uma investigação urgente e detalhada a estes e a outros
eventuais casos decorrentes de decisões assumidas sob tutela do vereador Manuel
Salgado (PS).
Engrossando o caudal dos que colocam em causa a probidade do
pelouro do Urbanismo da autarquia da capital sob chefia de Salgado, os
bloquistas querem que a assembleia municipal, através da sua comissão de
Ordenamento do Território, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Obras Municipais,
apresente um relatório “no prazo máximo de três meses, sobre estas decisões da
Câmara Municipal, e outras que os deputados municipais entendam relevantes”. O
partido junta-se assim ao PSD e ao ex-colega de bancada Rui Costa, agora
deputado independente, que na semana passada pediram uma investigação
aprofundada às decisões do polémico vereador. Apesar de fazer parte da solução
de governo da cidade, tendo assumido responsabilidades na vereação sequência do
acordo pós-eleitoral estabelecido com o PS após as autárquicas de 1 de Outubro
de 2017, o Bloco assume uma posição desafiante após o “caso Robles”.
“O Bloco de Esquerda mantém todo o seu empenho no acordo
pós-eleitoral com o PS, nada o belisca. O que está aqui em causa, com esta
deliberação, é uma proposta bastante singela e natural de pugnar pela simples
transparência das decisões do município. E quem tem essas competências de
fiscalização da câmara, antes de mais, é a Assembleia Municipal de Lisboa”, diz
a O Corvo o deputado municipal bloquista Ricardo Moreira, recordando que estas
são matérias em relação às quais o seu partido se destacou, no mandato anterior
daquele órgão autárquico, através das questões levantadas. “Estamos a falar de
casos concretos, que não são novidade e em relação aos quais o Bloco já fez
perguntas”, afirma, considerando, porém, que “esta é matéria em relação à qual
a cidade tem dúvidas, os lisboetas têm dúvidas, pelo que a assembleia dever
averiguar”.
Ricardo Moreira garante que esta iniciativa não visa fazer
uma marcação cerrada a Manuel Salgado, até porque da proposta de deliberação
“não consta qualquer nome”. O deputado do Bloco de Esquerda não deixa, todavia,
de admitir a existência de um especial foco de pressão sobre o vereador do
Urbanismo, na sequência de uma entrevista dada pelo ex-colega Fernando Nunes da
Silva, ao jornal Sol, a 8 de Setembro. Mas até por isso, sustenta, “este é o
órgão certo, em tempo certo, para afastar todas as suspeitas”. “A melhor forma
de a Câmara de Lisboa se desfazer da suspeição é abrir os livros. E fazê-lo de
uma forma clara, não de forma voyeurística”, sublinha. Ricardo Moreira
acredita, por isso, que, na sessão desta terça-feira (25 de Setembro), se
criará um amplo consenso entre os deputados municipais das diversas forças para
que se avance para uma proposta comum de investigação. Mesmo existindo outras
em discussão. Mesmo tendo os deputados socialistas, se contarem com o apoio dos
independentes eleitos na suas listas, uma posição confortável na assembleia.
“Estou certo de que o PS quererá aclarar isto”, diz.
A contestação e a suspeição em relação à acção do vereador
do Urbanismo dos últimos onze anos têm vindo a crescer, desde que o ex-vereador
Fernando Nunes da Silva, em entrevista dada ao semanário Sol, a 8 de Setembro,
sugeriu que o processo de licenciamento da Torre de Picoas teria resultado de
um esquema de duvidosa legalidade. Seria, disse naquele momento, “um caso de
polícia”. Evocando tais argumentos e revelações, “acusações que podem ser
consideradas como ilícitos por parte de um senhor vereador da CML e dos
serviços por este tutelados”, o grupo de deputados municipais do PSD entregou,
a 17 de Setembro, na AML, uma deliberação pedindo à Câmara de Lisboa uma
sindicância aos actos de gestão de Manuel Salgado. Solicitação que tem sido
contestada por diversos deputados municipais, lembrando que não compete à CML
investigar-se a si mesma. Razão pela qual, no mesmo dia, o independente Rui
Costa apresentou também um pedido de fiscalização, desta feita através da
referida comissão.
O mesmo método, aliás, agora proposto pelo Bloco, que,
através da deliberação agora apresentada, pede a audição de “todos os
testemunhos necessários e solicitando à Câmara Municipal toda a documentação
que considerar relevante”. Nos considerandos do texto a discutir nesta
terça-feira, os bloquistas sublinham que, após análise pela comissão
competente, a assembleia municipal “pode reservar-se solicitar ao Governo um
inquérito, ou uma sindicância, com base num relatório a elaborar pela AML”. No
mesmo texto, ao recordar as dúvidas prevalecentes, desde o mandato anterior,
sobre três dos mais polémicos processo urbanísticos dos últimos anos – Torre de
Picoas, Hospital da Luz e “Triângulo Dourado” de Alcântara -, o Bloco salienta
os requerimento por si apresentados sobre cada um dos casos, a devido tempo, na
AML, bem como as questões levantadas por outros partidos, “não tendo sido ainda
totalmente esclarecidas”.
“A acção da Câmara
Municipal de Lisboa, em todas as matérias e em particular nas que envolvem
operações urbanísticas, deve pautar-se pela total transparência das suas
decisões”, destaca-se ainda nos considerandos da proposta de deliberação do BE,
a discutir na Assembleia Municipal de Lisboa e que tem Manuel Salgado como
principal visado – o qual, além da referida entrevista de Nunes da Silva ao
Sol, foi especialmente visado na sua honorabilidade profissional e política
através de vários depoimentos constantes numa reportagem da revista Sábado
publicada dois dias antes, a 6 de Setembro.
A discussão das
iniciativas deliberativas do PSD, do Bloco e do deputado independente Rui
Costa, visando investigar as mais importantes decisões tuteladas por Salgado,
acontece na mesma sessão da Assembleia Municipal em que se deverá sancionar a
alteração dos estatutos da Lisboa Ocidental SRU – Sociedade de Reabilitação
Urbana (SRU). Entidade que terá a seu cargo a realização de um conjunto
alargado de projectos urbanísticos, dispensando a sua validação individual pela
vereação e pela AML. Razão pela qual, aliás, a comissão da assembleia municipal
que analisou a proposta defende que a SRU passe a entregar à AML, a cada três
meses, um relatório sobre as obras e empreitadas a seu cargo, “explicitando o
ponto de situação de cada uma”.
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