Taxa Robles: o que há num nome?
O CDS fez uma coisa muito simples, mas brutalmente eficaz:
baptizou a proposta com o nome da pessoa que a proposta queria fazer esquecer.
João Miguel Tavares
18 de Setembro de 2018, 7:25
Talvez pelas suas origens cristãs, o CDS é bom a baptizar
coisas. Já lhe devemos a palavra “geringonça” (quem a usou pela primeira vez em
contexto político foi Vasco Pulido Valente, mas para retratar a guerra entre
Costa e Seguro pela liderança do PS – quem a popularizou no Parlamento para
designar a actual solução de governo foi Paulo Portas), e agora acertaram mais
um tiro no porta-aviões com o viperino baptismo da “Taxa Robles”. O senhor
Shakespeare perguntava “what’s in a name?” num dos diálogos mais românticos de Romeu
e Julieta, já que “uma rosa com outro nome cheiraria igualmente bem”. Mas como
Romeu Montecchio aprendeu à custa da própria vida, um nome conta mesmo muito, e
não há como desembaraçarmo-nos dele. Por causa disso, Romeu morreu, a taxa
Robles também, e o Bloco de Esquerda já viu melhores dias.
Para quem aprecia política, é educativo ver como duas
simples palavras escolhidas com precisão podem arrasar um projecto e fazer
implodir toda uma estratégia. O CDS fez uma coisa muito simples, mas
brutalmente eficaz: baptizou a proposta com o nome da pessoa que a proposta
queria fazer esquecer. O nome pegou de imediato, não só à direita mas também à
esquerda, e assim os outros partidos voltaram a ridicularizar o pobre Bloco,
que não acerta uma, mesmo quando munido da pia intenção de tentar
penitenciar-se pelos erros cometidos. Não é possível saber o quanto este caso
vai penalizar eleitoralmente o partido de Catarina Martins, mas a facilidade
com que a sua antiga superioridade moral é agora desmontada não augura nada de
bom.
Vejam a entrevista que Mariana Mortágua deu ao Expresso. Ela
não poderia ter sido mais violenta para com Ricardo Robles. “Este caso mostrou
que o BE tem enormes padrões de exigência. E os seus representantes têm a
grande responsabilidade de estar à altura dessas exigências que são legais e
éticas, mas também de coerência. O Ricardo Robles não esteve à altura dessas
exigências.” O problema é que não foi só Ricardo Robles. Na altura em que o
Bloco ainda estava a proteger o seu vereador, Mariana Mortágua foi à SIC
Notícias defendê-lo muito para lá do que seria aceitável, num debate com Adolfo
Mesquita Nunes. E Francisco Louçã afirmou no mesmo canal que Robles tinha tido
“a sorte da sua vida” por o PSD estar a exigir a demissão, classificando o caso
como “uma forma de entretenimento de fim de Julho”. Na sexta-feira em que foram
prestadas estas declarações, dia 27 de Julho, o Bloco perdeu para sempre a
mais-valia da sua integridade ética.
As palavras têm grande importância no mundo da política,
como é óbvio, mas elas são particularmente fundamentais em partidos
estruturados em cima da retórica. Ao contrário de todos os outros partidos
parlamentares (com a ilustre excepção do PAN), o Bloco não tem uma história de
acção política, no sentido de meter as mãos na massa para tomar decisões
executivas sobre a vida das pessoas. O PCP teve o PREC e tem as câmaras da
Margem Sul. O PS, o PSD e o CDS já foram várias vezes partidos de governo. O
Bloco nunca teve nada disso, excepto uma câmara (Salvaterra de Magos) que não
correu especialmente bem. Desde sempre, a única coisa que o Bloco tem para
mostrar é a destreza da sua língua. O caso Robles, e agora a taxa Robles, doem
muito mais por causa disso. Como a acção do partido se resume ao discurso,
quando a acção contradiz o discurso sobra muito pouco. Daí esta dificuldade
imensa em reencontrar o caminho, após o mais quente dos seus Verões.
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