BÁRBARA REIS
Desfazer uma mentira
Se o professor Fernando Nunes da Silva mente sobre uma coisa
que eu conheço bem, que outras mentiras dirá quando fala de temas que eu
desconheço?
Bárbara Reis
20 de Setembro de 2018, 18:27
Caído do céu, o professor Fernando Nunes da Silva, antigo
vereador de Lisboa, decidiu caluniar-me. Numa entrevista disse que, quando
escrevi no PÚBLICO sobre um projecto polémico desenhado para o Largo do Rato,
fui “desonesta”. Porquê? Porque “omiti” o facto de ter “uma relação
privilegiada com Manuel Salgado e o Risco”.
É mentira. E, como mentira que é — e dita com tanta leveza
—, tem consequências. A primeira é que Nunes da Silva, um catedrático do
Instituto Superior Técnico que eu tinha como vereador competente e empenhado,
perde credibilidade. A partir de agora, a sua opinião não pode ser levada a
sério. Se Nunes da Silva mente assim sobre uma coisa que eu conheço bem, que
outras mentiras dirá quando fala de temas que eu desconheço?
Que privilégio é que Manuel Salgado ou o Risco me
concederam, a mim ou à minha família? Que vantagem? Que regalia? Que favor?
Absolutamente nenhuns.
Vi o vereador Manuel Salgado duas vezes na vida e não tenho
sequer o seu número de telefone — e, como jornalista há 30 anos, tenho os
contactos de muitas pessoas. Faço parte de um grupo de cem residentes do centro
histórico de Lisboa, muitos dos quais são arquitectos. Há anos que protestamos,
juntos ou individualmente, em defesa da cidade (contra a circulação dos autocarros
turísticos, a disfuncionalidade do eléctrico 28, o excesso de tuk-tuk, de lojas
de bugigangas, de lixo e de alojamento local, a morte do “mix funcional” e o
nascimento da disneyficação, as obras da Carris a meio da noite, a falta de
regras para evitar a expulsão de residentes... estamos sempre a protestar). Há
um ano e meio, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, recebeu
quatro representantes do nosso grupo de cem. Manuel Salgado estava lá e falou
no fim. Esta foi a primeira vez que estive com o vereador.
A segunda foi meses depois, na bilheteira da Culturgest,
cada um na sua fila. Eu cumprimentei-o com um aceno de cabeça, mas ele não
respondeu — não sei se por não me reconhecer, se por não lhe apetecer falar com
quem, há anos, em colunas no jornal, no Facebook e em cartas e emails enviados
para a câmara e para a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, critica o rumo
que a cidade está a tomar. Claro que podia conhecer Manuel Salgado muito bem e,
mesmo assim, não ter “uma relação privilegiada” com ele. Mas nem o conheço.
O mais bizarro de tudo isto é que, no artigo que escrevi e
que o professor refere, a primeira frase é exactamente esta: “Declaração de
interesses: vou falar sobre um amigo. Há anos que me incomodam os títulos das
notícias sobre o ‘mono do Rato’ porque, aos meus olhos, leio ‘mono do Manel’ —
e ninguém gosta de ver um amigo ser tratado assim.” O “Manel” é Manuel Aires
Mateus, co-autor do projecto.
Ao contrário do Papa Francisco, defendo que a liberdade de
expressão inclui a liberdade de insultar e difamar. A difamação não devia ser
crime. Nunes da Silva tem o direito a mentir e a caluniar. Eu tenho o dever de
desfazer a sua mentira.
P.S.: A crónica referida é um modesto contributo para o
debate sobre três dos argumentos que o Ministério Público usou para considerar
o projecto ilegal. É uma opinião. Há outras. As petições públicas não
representam a voz da maioria. Representam a voz de um grupo de pessoas. Há
petições com as quais concordo, outras não. Há umas semanas, li sobre a
originalíssima petição contra uma ciclovia recém-inaugurada que roubou dois ou
três lugares de estacionamento.
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