segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Coordenador da candidatura da Arrábida arrasa relatório da UNESCO



Coordenador da candidatura da Arrábida arrasa relatório da UNESCO
José Carlos Kulberg diz que peritos da UNESCO revelam ignorância total e atentam à honorabilidade técnica dos especialistas portugueses
    Francisco Alves Rito / 2-2-2015 / PÚBLICO

O geólogo José Carlos Kullberg, coordenador da equipa técnica que elaborou o dossier do Critério VIII (Geologia e Geomorfologia) da candidatura da Arrábida a património da Humanidade, apresentada à UNESCO em Fevereiro de 2013, arrasa o relatório da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) no que respeita a este critério. E refere que colegas de equipas responsáveis por outras áreas têm posição idêntica sobre as suas áreas.
O dossier da Arrábida incluiu a candidatura a um total de seis dos dez critérios da UNESCO e, dos seis apresentados, três são culturais e os outros três naturais. A avaliação dos primeiros é da responsabilidade do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e, dos segundos, da IUCN.

O parecer que estas duas entidades internacionais elaboraram para a UNESCO, e que levou à retirada da candidatura portuguesa em Maio de 2014, conclui que a serra da Arrábida não é “única nem excepcional” e “não exibe características de relevância internacional”. Conclusão que José Kullberg considera reveladora de “ignorância total” dos avaliadores sobre o valor geológico da serra. Em declarações ao PÚBLICO, o professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa diz que a forma como os peritos internacionais colocam algumas questões “ofende a inteligência” dos especialistas e chega a ser atentatória da sua honorabilidade cientifica e técnica. ”Os peritos não leram a bibliografia que sustenta cientificamente o relatório apresentado. O nome que dão à bacia sedimentar na qual se incluem a maior parte das rochas da Arrábida é Portuguese Occidental Basin, quando o nome científico internacionalmente consagrado na bibliografia é Lusitanian Basin — nome comummente usado nos títulos de dezenas de referências bibliográfica que se encontram no relatório de candidatura”.

Outro exemplo tem a ver com a actualidade da bibliografia. Os revisores científicos dizem que a fundamentação científica dos valores geológicos descritos como excepcionais, e muitas vezes únicos, se reporta a bibliografia da década de 30. Kullberg contesta. “Fazendo uma análise às referências bibliográficas, vê- se que, das cerca de 300 que constam do relatório, só três são dos anos 30 e nem sequer são relativas a este aspecto”, afirma. ”Eu demonstro que a grande maioria das áreas referenciadas como excepcionais estão fundamentadas em artigos científicos publicados nos últimos dez a 15 anos, em dezenas de revistas de referência internacional, com painéis de avaliação extremamente rigorosos”.

Um dos aspectos essenciais para a determinação do valor geológico da Arrábida é a ocorrência da chamada Brecha da Arrábida. O parecer contesta uma afirmação do relatório da candidatura que aponta esta rocha como única, dizendo que um número incontável de locais no mundo apresenta tipos particulares de rochas. José Kullberg reage: “A Brecha da Arrábida é a única conhecida que testemunha a ocorrência de um conjunto de processos geológicos extremamente raros e improváveis de acontecerem em simultâneo, numa área relativamente pequena e num intervalo de tempo muito curto”. Esta brecha, defende, “regista processos de inversão tectónica durante a abertura de um oceano, o Atlântico Norte, próximo de outro oceano também em expansão na altura, o oceano de Tétis, associado a variações globais do nível do mar”.

“Disparate total”

O cientista conclui que os peritos “não compreenderam o fundamento da relevância da Geologia da Arrábida, nomeadamente nas fases de abertura do Atlântico Norte, não perceberam que a Arrábida mostra um ‘filme’ completo de um conjunto de processos, apenas registado na margem sul e ocidental ibérica”. Para concluir, aponta mais um exemplo que classifica como um “disparate total”. Quando contesta que a Arrábida é o testemunho tectónico mais ocidental do conjunto de processos que levaram ao fecho do oceano de Tétis — que resultou no actual mar Mediterrânico — o relatório dos peritos refere que existem outros testemunhos, por exemplo, no Canadá. “É um disparate total porque, quando começou esse fecho do Tétis, no Cretácico — há cerca de 100 milhões de anos — o oceano Atlântico Norte já estava formado e portanto era impossível haver registo ou prolongamento de montanhas nesse lado do oceano. Quando os efeitos do fecho de Tétis atingem a margem ocidental ibérica há cerca de 18 milhões de anos, por migração progressiva desse processo, de este para oeste, o Canadá já se encontrava a cerca de três mil quilómetros da Arrábida” , afirma, acrescendo que “isto é básico para os pares, é uma asneira cientifica de palmatória”.

Kullberg diz que a sua equipa ficou “espantada” quando conheceu o veredicto do relator, até porque nada fazia supor tal avaliação. “Os representantes dos especialistas contratados pela UNESCO através da IUCS e da ICOMOS visitaram Portugal durante três dias, estiveram no campo praticamente apenas dois, nenhum era geólogo, e não levantaram questões absolutamente nenhumas sobre a Geologia.” Confrontado com a oportunidade desta tomada de posição, o geólogo dá duas razões para só agora, passado quase um ano, contestar a avaliação. Na altura, percebeu que a intenção dos promotores da candidatura — Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e Associação dos Municípios da Região de Setúbal (AMRS) que coordenou o processo — era “não contestar”; só há uma semana, num seminário sobre a Arrábida, em Setúbal, surgiu a “oportunidade para prestar contas”.

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