domingo, 1 de fevereiro de 2015

BBC VÍDEO (em baixo) Yanis Varoufakis Newsnight interview / Grécia em corrida em contra-relógio para encontrar solução na Euro

"Não vamos procurar uma solução catastrófica, mas também não vamos consentir uma política de submissão. O país está a levantar a sua cabeça"

Grécia em corrida em contra-relógio para encontrar solução na Euro
A semana que agora começa promete ser para os gregos tão frenética como a que passou. Todos os cenários parecem estar em aberto, e há sinais contraditórios. É uma corrida contra o tempo, observada atentamente por toda a Europa

Não vamos procurar uma solução catastrófica, mas também não vamos consentir uma política de submissão. O país está a levantar a sua cabeça
Alexis Tsipras Primeiro-ministro grego

Maria João Guimarães / 1/2/2015 / PÚBLICO

 Face a uma situação com evolução incerta, procuram-se sinais. A pergunta na cabeça de todos é se haverá uma zona comum em que seja possível um entendimento entre a Grécia e os seus parceiros europeus. O tempo avança, aproximam-se datas-limite, e os sinais são contraditórios.

A via que a Grécia quer seguir está a desenhar-se com a agenda da próxima semana, que promete ser tão frenética como a que passou: o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, vai estar em Itália na terça-feira para um encontro com o primeiro-ministro Matteo Renzi, e na quarta-feira em França, onde se reunirá com o Presidente François Hollande (a primeira viagem oficial de Tsipras é a Chipre, e irá antes do fim da semana, em data a definir, a Bruxelas).

Já o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, adiantou a viagem a Paris um dia: chega lá sábado, mas inicia os encontros políticos no domingo, em vez de segundafeira, como previsto. Varoufakis foi um dos protagonistas da semana. Londres (onde o primeiro-ministro, David Cameron, foi o primeiro a reagir à vitória do Syriza com uma mensagem de cautela), é outra das paragens de Varoufakis, bem como Roma, uma das capitais mais sensíveis à mensagem de que é necessária uma abordagem que permita crescimento,

Mas se após o primeiro telefonema com o seu homólogo holandês e chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, Varoufakis sublinhou que ambos tinham concordado em desafiar a narrativa de um choque entre a Grécia e os seus parceiros europeus, esta narrativa parece ter conseguido vida própria na primeira conferência de imprensa conjunta em Atenas.

Dijsselbloem recusou a ideia de uma conferência da dívida para discutir não só a dívida grega mas outras dívidas excessivas, como a portuguesa: “Já há o Eurogrupo”, que junta os ministros das Finanças da União Europeia, disse. Acrescentou que “passos unilaterais não são o caminho”, e, dizendo que já houve progresso na Grécia, concluiu: “Não devemos perder este progresso”.

A chanceler alemã, Angela Merkel, excluiu ontem o cenário de um novo alívio da dívida pública da Grécia. “Já houve um perdão voluntário da dívida por parte dos credores privados, os bancos já renunciaram a milhares de milhões da dívida grega”, disse Merkel numa entrevista ao jornal Hamburger Abendblatt de sábado, a primeira reacção de viva voz desde que o Syriza ganhou as eleições, há uma semana. “Não vejo como pode haver um novo perdão da dívida”, afirmou.

Varoufakis repetiu a Dijsselbloem a linha do Syriza de que não quer negociar com a troika, mas sim com a União Europeia, que não quer uma extensão do programa da troika e que quer, sim, um novo acordo. “Este Governo foi eleito na lógica de desafiar este programa. Não iremos contra isto pedindo uma extensão”, disse o ministro grego.

Mas foi quando Varoufakis afirmou que a troika era “uma instituição assente em instituições podres”, ou “antieuropeia” ( a expressão varia segundo as traduções), que o ambiente gelou. Dijsselbloem sussurrou-lhe algo, Varoufakis não respondeu. Quando Dijsselbloem se levantou, mal apertou a mão a Varoufakis, precipitando-se para a saída.

Um coro de vozes levantou-se nos outros partidos gregos. Da Nova Democracia — cujo anterior primeiroministro, Antonis Samaras, levou os discos rígidos dos computadores do gabinete antes da transição — veio a imediata afirmação: “Eles não fazem a menor ideia daquilo em que se estão a meter”. O Partido Socialista (Pasok) considerou que a coligação “chegou a um impasse”.

Retirar barricadas

O episódio surge no final, tenso, de uma semana de frenesim em Atenas, em que a discussão para um acordo de Governo demorou uma hora, a apresentação do executivo um dia, e logo foram anunciadas as primeiras acções, a maioria com o objectivo de “aliviar a crise humanitária”, uma promessa de campanha: medidas como electricidade para famílias que não a podem pagar, por exemplo. Também foi anunciada a suspensão da privatização do Porto do Pireu, ou a recontratação de funcionários públicos despedidos, medidas que deverão irritar a troika, podendo ser vistas como uma marcha atrás nas reformas (alguns analistas gregos sublinham, no en--

tanto, que não houve verdadeiras reformas dos anteriores Governos, apenas cortes cegos).

Uma acção do novo executivo foi especialmente notada pelo seu simbolismo: o ministro da Protecção dos Cidadãos e Ordem Pública ordenou que fossem retiradas as barricadas da frente do Parlamento grego. Estas foram postas para proteger os deputados de manifestantes antiausteridade e não saíam do lugar desde 2010, apesar de no último ano as manifestações terem diminuído e já quase não haver protestos em frente ao Parlamento.

Entre as medidas anunciadas, uma destacou-se pelo potencial de desentendimento entre o Syriza e o seu estranho parceiro de coligação, os Gregos Independentes. A responsável pela pasta da Imigração, Tasia Christodoulopoulou, anunciou que crianças que nasçam na Grécia filhas de imigrantes terão nacionalidade grega, ao contrário do que hoje acontece. A imigração é um potencial ponto de fractura na coligação, que poucos esperam que seja muito duradoura.

Mas se é certo que os dois partidos têm mais diferenças do que semelhanças, também é verdade que se os Gregos Independentes usarem o seu potencial de chantagem e deitarem o Governo abaixo serão castigados em eleições, o que pode significar nem sequer entrar no Parlamento para um partido que acabou de obter apenas 4,7% (a linha para entrar é de 3%). Por outro lado, analistas esperam que o Syriza use o apoio de outros partidos, como o Pasok ou O Rio (To Potami) para fazer aprovar medidas deste género.

Negociar para ganhar

Por enquanto, os partidos da coligação estão fixados nas negociações com a União Europeia, que é o mais urgente. E, aqui, a escolha do parceiro de coligação do Syriza já indiciava uma vontade de negociar duramente. Se Alexis Tsipras quisesse a posição alternativa, de tentar conversações mais suaves, poderia ter optado pelo partido O Rio, que defendia uma negociação com a garantia à partida de que não haveria o risco de hostilizar a União Europeia.

“Não vamos procurar uma solução catastrófica, mas também não vamos consentir uma política de submissão. O país está a levantar a sua cabeça”, disse Tsipras.

O medo é que sem uma extensão do programa da troika — o actual termina a 28 de Fevereiro, se não for prolongado — e sem novo financiamento, a Grécia possa ficar sem dinheiro (o Banco Central Europeu já disse que não poderá dar liquidez ao país). Varoufakis falou de uma “ponte” entre os programas anteriores e um novo acordo, mas não é claro como esta poderia ser conseguida.

Países como Espanha, Itália ou França temem, pelo seu lado, que concessões à Grécia fortaleçam os seus partidos eurocépticos ou que defendem alternativas à austeridade. Países como a Alemanha, a Finlândia ou Holanda têm medo que as mesmas concessões possam levar países como Portugal e Espanha a pedir o fim dos seus programas de austeridade.

Pelo seu lado, o Governo grego tem de conseguir ganhos mais do que marginais para não ser rapidamente hostilizado pelos seus eleitores. Mas uma negociação falhada com a UE, e sobretudo uma saída da Grécia do euro, também não seria do seu interesse, levando a uma situação desastrosa a curto prazo. As consequências de uma Grécia fora do euro são mais fáceis de imaginar (desvalorização da moeda, corridas aos bancos, etc, tudo o que já aconteceu a países que entraram em bancarrota) do que as consequências para a moeda única e a própria UE de uma saída da Grécia — não há precedentes, nem está previsto em qualquer tratado uma saída quer do euro, quer da UE.

Mas como dizia o jornalista grego Nick Malkoutzis, o facto de um cenário não interessar a nenhuma das partes não o torna impossível.

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