"Não vamos procurar uma solução catastrófica, mas também não vamos consentir uma política de submissão. O país está a levantar a sua cabeça" |
Grécia em corrida em
contra-relógio para encontrar solução na Euro
A semana que agora começa promete
ser para os gregos tão frenética como a que passou. Todos os cenários parecem
estar em aberto, e há sinais contraditórios. É uma corrida contra o tempo,
observada atentamente por toda a Europa
Não vamos procurar
uma solução catastrófica, mas também não vamos consentir uma política de
submissão. O país está a levantar a sua cabeça
Alexis
Tsipras Primeiro-ministro grego
Maria
João Guimarães / 1/2/2015 / PÚBLICO
Face a uma situação com evolução incerta,
procuram-se sinais. A pergunta na cabeça de todos é se haverá uma zona comum em
que seja possível um entendimento entre a Grécia e os seus parceiros europeus.
O tempo avança, aproximam-se datas-limite, e os sinais são contraditórios.
A via
que a Grécia quer seguir está a desenhar-se com a agenda da próxima semana, que
promete ser tão frenética como a que passou: o primeiro-ministro, Alexis
Tsipras, vai estar em Itália na terça-feira para um encontro com o
primeiro-ministro Matteo Renzi, e na quarta-feira em França, onde se reunirá
com o Presidente François Hollande (a primeira viagem oficial de Tsipras é a
Chipre, e irá antes do fim da semana, em data a definir, a Bruxelas).
Já o
ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, adiantou a viagem a Paris um dia:
chega lá sábado, mas inicia os encontros políticos no domingo, em vez de
segundafeira, como previsto. Varoufakis foi um dos protagonistas da semana.
Londres (onde o primeiro-ministro, David Cameron, foi o primeiro a reagir à
vitória do Syriza com uma mensagem de cautela), é outra das paragens de
Varoufakis, bem como Roma, uma das capitais mais sensíveis à mensagem de que é
necessária uma abordagem que permita crescimento,
Mas se
após o primeiro telefonema com o seu homólogo holandês e chefe do Eurogrupo,
Jeroen Dijsselbloem, Varoufakis sublinhou que ambos tinham concordado em
desafiar a narrativa de um choque entre a Grécia e os seus parceiros europeus,
esta narrativa parece ter conseguido vida própria na primeira conferência de
imprensa conjunta em Atenas.
Dijsselbloem
recusou a ideia de uma conferência da dívida para discutir não só a dívida
grega mas outras dívidas excessivas, como a portuguesa: “Já há o Eurogrupo”,
que junta os ministros das Finanças da União Europeia, disse. Acrescentou que
“passos unilaterais não são o caminho”, e, dizendo que já houve progresso na
Grécia, concluiu: “Não devemos perder este progresso”.
A
chanceler alemã, Angela Merkel, excluiu ontem o cenário de um novo alívio da
dívida pública da Grécia. “Já houve um perdão voluntário da dívida por parte
dos credores privados, os bancos já renunciaram a milhares de milhões da dívida
grega”, disse Merkel numa entrevista ao jornal Hamburger Abendblatt de sábado,
a primeira reacção de viva voz desde que o Syriza ganhou as eleições, há uma
semana. “Não vejo como pode haver um novo perdão da dívida”, afirmou.
Varoufakis
repetiu a Dijsselbloem a linha do Syriza de que não quer negociar com a troika,
mas sim com a União Europeia, que não quer uma extensão do programa da troika e
que quer, sim, um novo acordo. “Este Governo foi eleito na lógica de desafiar
este programa. Não iremos contra isto pedindo uma extensão”, disse o ministro
grego.
Mas foi
quando Varoufakis afirmou que a troika era “uma instituição assente em
instituições podres”, ou “antieuropeia” ( a expressão varia segundo as
traduções), que o ambiente gelou. Dijsselbloem sussurrou-lhe algo, Varoufakis
não respondeu. Quando Dijsselbloem se levantou, mal apertou a mão a Varoufakis,
precipitando-se para a saída.
Um coro
de vozes levantou-se nos outros partidos gregos. Da Nova Democracia — cujo
anterior primeiroministro, Antonis Samaras, levou os discos rígidos dos
computadores do gabinete antes da transição — veio a imediata afirmação: “Eles
não fazem a menor ideia daquilo em que se estão a meter”. O Partido Socialista
(Pasok) considerou que a coligação “chegou a um impasse”.
Retirar
barricadas
O
episódio surge no final, tenso, de uma semana de frenesim em Atenas, em que a
discussão para um acordo de Governo demorou uma hora, a apresentação do
executivo um dia, e logo foram anunciadas as primeiras acções, a maioria com o
objectivo de “aliviar a crise humanitária”, uma promessa de campanha: medidas
como electricidade para famílias que não a podem pagar, por exemplo. Também foi
anunciada a suspensão da privatização do Porto do Pireu, ou a recontratação de
funcionários públicos despedidos, medidas que deverão irritar a troika, podendo
ser vistas como uma marcha atrás nas reformas (alguns analistas gregos
sublinham, no en--
tanto,
que não houve verdadeiras reformas dos anteriores Governos, apenas cortes
cegos).
Uma
acção do novo executivo foi especialmente notada pelo seu simbolismo: o
ministro da Protecção dos Cidadãos e Ordem Pública ordenou que fossem retiradas
as barricadas da frente do Parlamento grego. Estas foram postas para proteger
os deputados de manifestantes antiausteridade e não saíam do lugar desde 2010,
apesar de no último ano as manifestações terem diminuído e já quase não haver
protestos em frente ao Parlamento.
Entre as
medidas anunciadas, uma destacou-se pelo potencial de desentendimento entre o
Syriza e o seu estranho parceiro de coligação, os Gregos Independentes. A
responsável pela pasta da Imigração, Tasia Christodoulopoulou, anunciou que
crianças que nasçam na Grécia filhas de imigrantes terão nacionalidade grega,
ao contrário do que hoje acontece. A imigração é um potencial ponto de fractura
na coligação, que poucos esperam que seja muito duradoura.
Mas se é
certo que os dois partidos têm mais diferenças do que semelhanças, também é
verdade que se os Gregos Independentes usarem o seu potencial de chantagem e
deitarem o Governo abaixo serão castigados em eleições, o que pode significar
nem sequer entrar no Parlamento para um partido que acabou de obter apenas 4,7%
(a linha para entrar é de 3%). Por outro lado, analistas esperam que o Syriza
use o apoio de outros partidos, como o Pasok ou O Rio (To Potami) para fazer
aprovar medidas deste género.
Negociar
para ganhar
Por
enquanto, os partidos da coligação estão fixados nas negociações com a União
Europeia, que é o mais urgente. E, aqui, a escolha do parceiro de coligação do
Syriza já indiciava uma vontade de negociar duramente. Se Alexis Tsipras
quisesse a posição alternativa, de tentar conversações mais suaves, poderia ter
optado pelo partido O Rio, que defendia uma negociação com a garantia à partida
de que não haveria o risco de hostilizar a União Europeia.
“Não
vamos procurar uma solução catastrófica, mas também não vamos consentir uma
política de submissão. O país está a levantar a sua cabeça”, disse Tsipras.
O medo é
que sem uma extensão do programa da troika — o actual termina a 28 de
Fevereiro, se não for prolongado — e sem novo financiamento, a Grécia possa
ficar sem dinheiro (o Banco Central Europeu já disse que não poderá dar
liquidez ao país). Varoufakis falou de uma “ponte” entre os programas
anteriores e um novo acordo, mas não é claro como esta poderia ser conseguida.
Países
como Espanha, Itália ou França temem, pelo seu lado, que concessões à Grécia
fortaleçam os seus partidos eurocépticos ou que defendem alternativas à
austeridade. Países como a Alemanha, a Finlândia ou Holanda têm medo que as
mesmas concessões possam levar países como Portugal e Espanha a pedir o fim dos
seus programas de austeridade.
Pelo seu
lado, o Governo grego tem de conseguir ganhos mais do que marginais para não
ser rapidamente hostilizado pelos seus eleitores. Mas uma negociação falhada
com a UE, e sobretudo uma saída da Grécia do euro, também não seria do seu
interesse, levando a uma situação desastrosa a curto prazo. As consequências de
uma Grécia fora do euro são mais fáceis de imaginar (desvalorização da moeda,
corridas aos bancos, etc, tudo o que já aconteceu a países que entraram em
bancarrota) do que as consequências para a moeda única e a própria UE de uma
saída da Grécia — não há precedentes, nem está previsto em qualquer tratado uma
saída quer do euro, quer da UE.
Mas como
dizia o jornalista grego Nick Malkoutzis, o facto de um cenário não interessar
a nenhuma das partes não o torna impossível.
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