Presidente da
Relação de Lisboa suspeito de irregularidades na distribuição de processos
Resultados
preliminares de auditoria aberta pelo Conselho Superior da Magistratura
implicam actual presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento. Esta
terça-feira órgão de gestão da magistratura reúne-se para tomar medidas.
Mariana Oliveira
1 de Março de 2020, 6:30
Uma investigação
que foi aberta pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) há cerca de duas
semanas, para apurar eventuais falhas na distribuição de processos aos diversos
juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, detectou irregularidades na atribuição
de alguns casos a determinados magistrados. Os indícios de fraude implicam o
actual presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, que sucedeu ao
ex-presidente daquele tribunal, Luís Vaz das Neves, constituído arguido na
Operação Lex no último dia de Janeiro. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar
Orlando Nascimento.
A auditoria foi
ordenada quando ainda não era público que Vaz das Neves era arguido neste caso,
centrado nas actividades ilícitas de dois juízes desembargadores, igualmente da
Relação de Lisboa, Rui Rangel e Fátima Galante, que ainda é mulher do
magistrado que foi candidato à presidência do Benfica apesar de estar separado
deste há vários anos.
A primeira
notícia sobre as suspeitas de que Vaz das Neves terá ajudado Rui Rangel na
escolha de um juiz relator para decidir um recurso interposto pelo próprio
Rangel contra o Correio da Manhã surgiram na TVI, na quinta-feira da semana
passada. Em causa estava uma notícia sobre uma dívida do magistrado a uma
clínica, em que o juiz era considerado “caloteiro”, o que levou Rangel a
processar aquele jornal.
Nessa altura, o
CSM já tinha conhecimento formal de que Vaz das Neves tinha sido constituído
arguido no âmbito da Operação Lex há vários dias. Tal, segundo o PÚBLICO apurou, aconteceu na
sexta-feira, 31 de Janeiro, dia em que o ex-presidente da Relação de Lisboa foi
ouvido pela procuradora Maria José Morgado e pelo colega Vítor Pinto, os
actuais titulares do inquérito, numa sala do Supremo Tribunal de Justiça. Nessa
altura, já Orlando Nascimento tinha sido igualmente ouvido pelos mesmos
magistrados do Ministério Público, mas na qualidade de testemunha.
É que a
distribuição viciada que terá sido acordada entre Rangel e Vaz das Neves teve
como resultado a entrega do caso a Orlando Nascimento, actual presidente da
Relação de Lisboa, que condenou o Correio da Manhã a pagar uma indemnização de
50 mil euros ao magistrado que foi candidato à presidência do Benfica. O
dinheiro só acabou por não ser pago porque o jornal e os jornalistas visados
recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça que anulou a anterior decisão e
absolveu todos, como antes o fizera o tribunal de primeira instância.
Além deste caso,
a TVI revelava mensagens trocadas entre Rangel e Vaz das Neves que indiciavam a
viciação de outra distribuição, desta vez relacionada com um recurso do antigo
agente do futebol, José Veiga, que acabou absolvido pela Relação de Lisboa em
Julho de 2013, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência de
João Vieira Pinto para o Sporting. A absolvição de Veiga aconteceu depois do
empresário ter sido condenado pelo tribunal de primeira instância.
O PÚBLICO sabe
que apesar de só terem vindo a público estes dois casos, Vaz das Neves é
suspeito de viciar a distribuição de um terceiro caso. O ex-presidente da
Relação está indiciado por corrupção e abuso de poder por alegadamente ser
cúmplice nos subornos arquitectados por Rangel.
A investigação
que está a ser realizada pelo Conselho Superior da Magistratura está a ser
conduzida por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça que está a trabalhar com
uma equipa de que faz parte um técnico do Instituto de Gestão Financeira e
Equipamentos da Justiça, que audita o sistema informático dos tribunais e
esteve a olhar para os registos do módulo que faz a distribuição electrónica
dos processos.
Uma análise
semelhante foi feita no âmbito da Operação Lex tendo os indícios recolhidos
apontado para que a viciação da distribuição tenha sido feita através do
recurso a uma ferramenta do próprio sistema informático que permite ao
responsável pela distribuição entregar um caso específico a um juiz específico.
Tal acontece porque há casos em que a própria lei obriga a que seja um
magistrado determinado a ficar com o caso. Por exemplo, quando a sentença foi
alvo de recurso e o tribunal superior invalida a primeira decisão e manda o
mesmo juiz proferir uma nova (ver texto ao lado).
O problema é que
tanto Vaz das Neves como Orlando Nascimento usariam essa ferramenta de forma
fraudulenta para viciar a distribuição, evitar o sorteio electrónico e entregar
determinados casos a juízes que escolhiam previamente. Não foram, por isso,
detectadas “vulnerabilidades estruturais ou intrusões de natureza informática”
no sistema, como anunciou este sábado o Ministério da Justiça num comunicado.
“As notícias apontam para o eventual uso abusivo de funcionalidades do sistema
electrónico associadas às regras e parâmetros legais da distribuição”, afirma
ainda a nota.
O CSM tem marcado
para a próxima terça-feira um plenário e já informou, numa nota divulgada no
seu site, que havia uma investigação em curso e que “os primeiros resultados
dessas averiguações serão apresentados para apreciação ao próximo Plenário de
dia 3 de Março”.
Face à detecção
de irregularidades na distribuição de processos na Relação de Lisboa, o CSM
decidiu alargar a investigação à forma como os processos são atribuídos a cada
juiz a todas as Relações do país (Guimarães, Porto, Coimbra e Évora), o que já
foi comunicado esta semana aos respectivos presidentes. Em análise estão os
processos distribuídos nos últimos dois anos. O PÚBLICO falou com alguns dos
visados que dizem aguardar tranquilamente os resultados, compreendendo a
decisão do conselho que tem a responsabilidade de gerir e de aplicar penas
disciplinares aos juízes que violem os seus deveres deontológicos.
Uma fonte ligada
à Operação Lex garantiu que as irregularidades agora detectadas não vão ser
investigadas naquele inquérito que deverá ser concluído até ao Verão, devendo
dar origem a um novo processo-crime.
tp.ocilbup@arieviloem
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