Crise de migrantes. União Europeia rejeita intimidação de
Erdogan e mostra solidariedade com Atenas
Líderes da UE deslocam-se na terça-feira à fronteira
greco-turca em solidariedade com Atenas. O presidente turco ameaça com milhões
de migrantes, no que é visto como uma chantagem para obter apoios no conflito
com a Síria.
César Avó
02 Março 2020 —
22:29
A União Europeia
respondeu com firmeza à advertência do presidente turco Recep Tayyip Erdogan de
que "milhões" de migrantes irão em breve para a Europa. A chanceler
alemã Angela Merkel descreveu a iniciativa da Turquia como
"inaceitável", enquanto o comissário de migração da UE, Margaritis
Schinas, disse que "ninguém pode chantagear ou intimidar a UE".
Como prova da
unidade europeia e de apoio a Atenas, Ursula von der Leyen, Charles Michel e
David Sassoli, os dirigentes das três principais instituições da União Europeia
(Comissão, Conselho e Parlamento), vão acompanhar o primeiro-ministro helénico
Kyriakos Mitsotakis à fronteira com a Turquia. "Reconheço que a Turquia se
encontra numa situação difícil em relação aos refugiados e migrantes, mas o que
vemos agora não pode ser a resposta e a solução", disse Von der Leyen.
"O desafio que a Grécia enfrenta neste momento é um desafio europeu",
acrescentou.
Na sexta-feira a
Turquia "abriu as portas" para os refugiados e migrantes se
encaminharem para a União Europeia. Milhares reuniram-se na fronteira grega,
provocando alarme de que ocorra uma crise migratória como a que se registou em
2015. Perante os acontecimentos, o governo conservador de Mitsotakis suspendeu
os procedimentos de asilo para quem entre no país.
A Turquia, entre
os cerca de quatro milhões de refugiados que alberga e as operações militares
que leva a cabo em território sírio, na província de Idlib, tenta conter nova
onda de refugiados oriundos dessa região.
"Depois de
termos aberto as portas, recebemos várias chamadas a dizer 'fechem as portas'.
Eu disse-lhes: "Está feito. Está resolvido. As portas estão agora abertas.
Agora, vocês têm de assumir a vossa parte do ónus", disse. Erdogan afirmou
que os números de migrantes na fronteira grega, que incluem afegãos, sírios e
iraquianos, haviam chegado a "centenas de milhares". Concluiu:
"Em breve, este número chegará aos milhões."
A chanceler
alemã, Angela Merkel, que no fim do dia falou ao telefone com Erdogan, disse
antesque a pressão turca é inaceitável. "Acho totalmente inaceitável que o
presidente Erdogan e o seu governo não tenham demonstrado a sua insatisfação
com a UE e, em vez disso, atiraram-na para as costas dos refugiados."
Também o
comissário com a pasta da migração da UE, Margaritis Schinas, respondeu a
Erdogan. "Ninguém pode chantagear ou intimidar a UE", disse em
Berlim. "Cada vez que a UE é testada como está a ser agora, a unidade deve
prevalecer", acrescentou Schinas.
Resposta grega
A Grécia está
desde domingo em estado de alerta. O primeiro-ministro grego Kyriakos
Mitsotakis reuniu-se de emergência com os responsáveis da defesa e dos negócios
estrangeiros. Na segunda-feira conversou com o presidente dos EUA, Donald
Trump. Segundo uma declaração do gabinete do primeiro-ministro grego, Trump
"reconheceu o direito da Grécia de fazer cumprir a lei nas suas
fronteiras".
Atenas disse que
iria reforçar as patrulhas e suspendeu os pedidos de asilo para quem entrou no
país de forma ilegal - uma medida que a agência de refugiados da ONU, a ACNUR,
comentou ser desprovida de base legal.
A Grécia diz que
impediu cerca de dez mil pessoas de entrar no país durante o fim de semana.
Através de megafones, as patrulhas fronteiriças apelaram para que os migrantes
permaneçam no lado turco. O governo grego também criou um sistema de mensagens
de texto automáticas para telemóveis estrangeiros junto da fronteira, com a
mensagem: "A Grécia está a maximizar a segurança na fronteira. Não tentem
atravessar as fronteiras ilegalmente."
Uma parte dos
migrantes tentou forçar a passagem e os confrontos eclodiram, com a polícia a
disparar gás lacrimogéneo e os migrantes à pedrada. Para tornar a situação mais
complicada, segundo o canal de TV búlgaro bTV, o lado turco cortou o arame
farpado e enviou drones com gás lacrimogéneo. A estação privada alega que os
municípios e empresários turcos financiaram os autocarros que têm levado os
migrantes para as localidades fronteiriças.
Mas outro vídeo
mostra uma lancha turca a fazer escolta a outra embarcação com migrantes. Em
meados de janeiro um vídeo de uma lancha da guarda costeira turca a abalroar
uma embarcação com migrantes foi notícia.
A Turquia também
acusou a polícia grega de matar um migrante sírio na fronteira. Atenas rejeitou
essa acusação como fake news. Por duas vezes o vice-ministro e porta-voz
governamental Stelios Petsas desmentiu a veracidade da alegação. "Pedimos
a todos que tenham cuidado a reportar notícias que promovam a propaganda
turca", escreveu Petsas. Horas depois voltou à carga: "Nenhum tiro
foi disparado pelas forças fronteiriças contra quaisquer indivíduos que tenham
tentado entrar de forma ilegal na Grécia. Tudo o mais é desinformação grosseira
e deliberada: fake news."
Facto é que uma
criança morreu afogada na sequência de um bote ter virado no mar Egeu. Segundo
a guarda costeira grega, a ação foi propositada e é típica dos
"contrabandistas para desencadearem uma operação de salvamento". As
outras 46 pessoas a bordo foram salvas. Nas últimas horas chegaram mais de 1300
pessoas às cinco ilhas do mar Egeu.
A maioria chegou
a Lesbos, cujo campo para refugiados se encontra com cerca de 20 mil pessoas.
O campo de Moria
foi construído para acolher entre 2500 e 3000 pessoas e tem sido palco de
manifestações e confrontos com a polícia. Ao contrário de anos anteriores, os
migrantes são agora recebidos com gritos em inglês a dizerem para dar meia
volta: "Go away!".
A agência de
proteção de fronteiras da UE, Frontex, disse que vai lançar uma operação na
fronteira para ajudar a Grécia a lidar com milhares de imigrantes que tentam
entrar no bloco europeu. A agência com sede em Varsóvia vai pedir aos membros
da UE e do espaço Schengen que contribuam com funcionários e equipamento.
"Dada a
rápida evolução da situação nas fronteiras externas da Grécia com a Turquia, a
minha decisão é lançar a rápida intervenção fronteiriça solicitada pela
Grécia", disse o diretor executivo da Frontex, Fabrice Leggeri, em
comunicado. A intervenção consiste em convocar grupos de 1500 agentes e outro
pessoal que a UE e os países Schengen devem disponibilizar no prazo de cinco
dias, de acordo com o comunicado.
O espaço Schengen
engloba 26 países europeus que aboliram os controlos nas suas fronteiras
mútuas, quatro dos quais não são membros da UE.
A troco de seis
mil milhões de euros, em 2016 a Turquia comprometeu-se em impedir a saída de
refugiados e migrantes para a Europa. A UE reitera que Ancara tem de cumprir o
acordo.
A questão dos
migrantes surge na sequência do lançamento, pela Turquia, de uma operação
militar em Idlib, no noroeste da Síria, numa tentativa de fazer recuar a
ofensiva do regime. Desde dezembro que as forças de Bashar al-Assad, com a
ajuda dos aliados russos e iranianos, têm ganho terreno na última província
controlada pelos opositores. Em consequência, cerca de um milhão de pessoas
fugiram, no que constitui o maior êxodo nos nove anos da guerra. No entanto, as
autoridades de Ancara não estão a autorizar a sua entrar na Turquia.
Reunião em
Moscovo
Erdogan viaja na
quinta-feira para Moscovo, onde irá encontrar-se com o homólogo russo, Vladimir
Putin. O líder turco disse que espera alcançar uma trégua na Síria.
"Espero que Putin tome as medidas necessárias, como um cessar-fogo, e que
encontremos uma solução para este caso", disse o presidente turco.
Apesar de estarem
em lados opostos do conflito, ambos estão interessados em evitar uma
confrontação direta, e que comprometeria as relações comerciais, de energia e
de defesa.
O Kremlin disse
que a cooperação com a Turquia era uma prioridade máxima. "As nossas
forças armadas estão em contacto constante. O mais importante é
concentrarmo-nos nas negociações entre Putin e Erdogan", disse um
porta-voz russo.
A Turquia tem
postos de observação em Idlib, resultado de um acordo de 2018 com a Rússia que
deveria impedir um ataque total por parte do regime aos grupos islamistas que
controlam a província e que recebem o apoio de Erdogan.
Na segunda-feira,
Damasco retomou Saraqeb, cidade que havia perdido dias antes para os
jihadistas. Saraqeb é de importância estratégica, uma vez que está no
cruzamento entre duas vias rápidas que ligam Lataquia e Damasco com a segunda
maior cidade, Aleppo.
As tensões
entre a Turquia e a Síria atingiram novas proporções na semana passada, quando
34 soldados turcos foram mortos num ataque aéreo imputado a Damasco. "Os
ataques aéreos foram provavelmente cometidos pela força aérea russa, uma vez
que os caças sírios não conduzem ataques aéreos à noite", disse Anthony
Skinner, analista da consultora Verisk Maplecroft. "E ainda assim, tanto Moscovo
como Ancara decidiram apontar o dedo da culpa a al-Assad, o que reflete o pouco
apetite de ambos os lados por um confronto mais direto."
A Turquia
retaliou no domingo ao abater dois aviões de guerra sírios, e matou pelo menos
19 soldados sírios. Erdogan disse que foi "apenas o começo", a menos
que as forças sírias se retirem para trás das fronteiras acordadas no âmbito do
acordo de 2018. Damasco respondeu que estava "determinado a enfrentar a
flagrante agressão turca".
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