OPINIÃO
As PPP e o PS:
regresso ao passado?
Voltar ao
lançamento de PPP na Saúde e abrir caminho à exploração privada de urgências e
de outros serviços é regressar ao passado. É ressuscitar a entrega do SNS aos
privados que figurava na Lei de Bases do PSD e do CDS. Não foi esse o caminho
que se fez na anterior legislatura.
Moisés Ferreira
8 de Março de
2020, 6:50
O Governo do PS
parece estar cheio de pressa para anunciar o lançamento de novas parcerias
público-privadas (PPP) na área da Saúde. Em pouco tempo anunciou as de Cascais
e de Loures e a ministra da Saúde abriu a porta à entrega a privados das
Urgências Pediátricas do Hospital Garcia de Orta.
A pressa destes
anúncios contrasta com a lentidão do Governo a regulamentar a Lei de Bases da
Saúde, em particular os aspetos sobre a gestão pública dos estabelecimentos do
SNS.
Sabendo que as
decisões que está a tomar sobre novas PPP entram em choque com a nova Lei de
Bases, estará o Governo a protelar a regulamentação para, no entretanto,
contornar a lei? Parece que sim.
Por que razão não
quer fazer o debate sobre essas novas PPP já num novo enquadramento legal em
que o recurso a privados é supletivo e só em casos de necessidade fundamentada?
A razão é simples: porque não há fundamentação para a entrega destes hospitais
a privados.
O SNS gere várias
dezenas de entidades, entre centros hospitalares, unidades locais de saúde,
hospitais especializados, centros de reabilitação, agrupamentos de centros de
saúde, etc. Querem mesmo fazer crer que não conseguiria gerir mais dois
hospitais de complexidade média? Porquê?
Não teria orçamento?
Este é um argumento que não pode utilizar porque o dinheiro que alimenta as PPP
sai do orçamento do SNS. Por isso, o orçamento está lá.
Não teria
profissionais para estes hospitais? Além de ser o SNS que forma a esmagadora
maioria dos profissionais de saúde, os profissionais já lá estão e não
desapareceriam por artes mágicas.
Não teria pessoas
para a administração? É difícil acreditar que não as conseguisse encontrar num
universo de mais de cem mil trabalhadores, principalmente quando, mais uma vez,
foi o SNS que formou, do ponto de vista teórico e prático, os administradores
que lideram os vários hospitais, incluindo muitos dos privados.
E sobre o Garcia
de Orta? Não há outra solução que não seja privatizar as urgências do hospital?
Há, mas o Governo
parece não querer aplicá-la: recusa-se a rever as carreiras médicas e a
melhorar as condições remuneratórias dos profissionais de saúde, recusa-se a
criar incentivos à fixação e adia a exclusividade. Mas, enquanto recusa tudo
isto, dispõe-se a pagar mais de 100 milhões de euros ao ano por prestações de
serviços e agora, pelos vistos, até se predispõe a pagar a grupos económicos
para explorar serviços, desviando o orçamento do SNS para esses grupos.
O Garcia de Orta
perdeu, ao longo de anos, vários pediatras para o setor privado (que abriu um
hospital a apenas 2 km) e tem sentido dificuldades na contratação de outros.
Por tudo isto foi obrigado a encerrar as urgências pediátricas durante o
horário noturno. Algo será preciso fazer, então, para aumentar a atratividade
deste hospital e conseguir captar e fixar especialistas. Essa é a solução.
Voltar ao
lançamento de PPP na Saúde e abrir caminho à exploração privada de urgências e
de outros serviços é regressar ao passado. É ressuscitar a entrega do SNS aos privados
que figurava na Lei de Bases do PSD e do CDS. Não foi esse o caminho que se fez
na anterior legislatura.
Pode ser que no
partido que lançou a primeira vaga de PPP na Saúde exista uma certa saudade
desses tempos; coisa que não existe é fundamentação para as decisões que o seu
Governo está a tomar.
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