sábado, 14 de dezembro de 2019

Um desenho para Maria Flor Pedroso



OPINIÃO
Um desenho para Maria Flor Pedroso

Não sei o que é pior e mais significativo – se fazer tantas asneiras em sequência, se não compreender a gravidade das asneiras que fez, ao ponto de ir confessar tudo para uma reunião do conselho de redacção da RTP e assinar a acta no final. É de uma candura quase comovente.

JOÃO MIGUEL TAVARES
14 de Dezembro de 2019, 6:26

Devo dizer que não sei o que é mais espantoso. Se a directora de informação da RTP, Maria Flor Pedroso, assinar uma acta onde confessa que andou a fazer perguntas e a dar conselhos sobre um caso em investigação, acerca do qual tinha um claríssimo conflito de interesses; se depois de ter assinado essa acta não conseguir sequer perceber que a sua situação é insustentável e que o único caminho possível é a demissão.

Maria Flor Pedroso aceitou o cargo de directora da RTP apesar de ser uma familiar próxima do primeiro-ministro, chegando a moderar um debate eleitoral entre António Costa e Rui Rio – e não percebeu que mal é que isso tinha. Maria Flor Pedroso suspendeu pela primeira vez o programa Sexta às 9 em período de eleições, atirando para o pós-legislativas uma reportagem embaraçosa para o governo – e não percebeu que mal é que isso tinha. Maria Flor Pedroso andou a fazer perguntas no instituto superior em que trabalha acerca de uma investigação da RTP sobre esse mesmo instituto, dando início a uma sequência de acontecimentos que exterminou a investigação – e não percebeu que mal é que isso tinha.

Alguém deveria apresentar o conceito de conflito de interesses à directora da RTP. “Maria Flor Pedroso, estes são os conflitos de interesses; conflitos de interesses, esta é a Maria Flor Pedroso; agora, por favor, conversem um bocadinho, para se ficarem a conhecer melhor.” Não sei, de facto, o que é pior, e mais significativo – se fazer tantas asneiras em sequência, se não compreender a gravidade das asneiras que fez, ao ponto de ir confessar tudo para uma reunião do conselho de redacção da RTP e assinar a acta no final. É de uma candura quase comovente, mas receio que essa candura só agrave o caso, porque revela uma mistura de impunidade e inimputabilidade que não dignifica nem a jornalista, nem a RTP.

Tudo o que se segue está escrito na acta do conselho de redacção que Flor Pedroso subscreveu. O programa Sexta às 9 tinha em mãos uma investigação sobre o Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM) e a sua gestão. Maria Flor Pedroso, docente do ISCEM desde 2006, decidiu por sua própria iniciativa averiguar na secretaria do instituto “se estava a ser exigido aos alunos que pagassem os emolumentos em dinheiro vivo”. Flor Pedroso informou Cândida Pinto, directora-adjunta da RTP, que o ISCEM não tinha multibanco. Cândida Pinto (sem jamais referir Flor Pedroso) informou a jornalista responsável pela reportagem que alguém lhe tinha dito que não havia multibanco no ISCEM e que “poderia ser essa a explicação” para os pagamentos em dinheiro vivo.

Flor Pedroso admitiu tudo isto na reunião, pediu desculpas, e disse que apenas “tentou ajudar”, uma vez que “tinha acesso a fontes não alcançáveis pelos jornalistas” do programa. Sempre sem dizer uma palavra à equipa do Sexta às 9, a directora da RTP falou ainda com a principal investigada do caso, Regina Moreira, ainda que garanta não lhe ter dado qualquer informação. O certo é que Moreira referiu o nome de Flor Pedroso à jornalista que a investigava, saiu a correr para saldar as dívidas e matou a investigação.

Nunca, no decorrer deste processo, a directora da RTP parece ter achado que o facto de ser professora no ISCEM a obrigava a manter total distância do caso. Esta inconsciência é inaceitável. Há 14 meses, Paulo Dentinho saiu da direcção da RTP por causa de um comentário foleiro que fez sobre Cristiano Ronaldo no Facebook. Pergunto: será isto menos grave?

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