‘Green Deal’ na
Europa. ‘Trouble in Paradise’ na Holanda
A Holanda
encontra-se em grande tumulto social com acções permanentes de bloqueio e
manifestações por parte dos agricultores. Estamos, portanto, no turbilhão do
confronto real entre intenções urgentemente formuladas e os efeitos concretos
das mudanças imperativas.
António Sérgio
Rosa de Carvalho
22 de Dezembro de
2019, 4:49
Com a
apresentação do marcante, ambicioso e urgentemente necessário ‘Green Deal’,
Ursula von der Leyen perfila o início de um novo ciclo na Comissão Europeia e
acentua a vontade da Europa em liderar a acção na urgentíssima questão do
Clima/Ambiente.
Ora, estamos
habituados a que seja a Europa Central/Leste, que inclui os países com maior
dependência económica e social do carvão, a oferecer a maior resistência às tão
necessárias mudanças no insustentável modelo de crescimento económico baseado
nos combustíveis fósseis e crescimento ilimitado.
Mas, quando se
passa à implementação de medidas reais destinadas a alterar o modelo, o
conceito de produção e a mentalidade ligada ao crescimento ilimitado, aí, somos
confrontados com uma explosão ilustrativa de ‘trouble in paradise’. Isto está a
acontecer na “progressiva” Holanda.
Aqui, o ‘paraíso’
refere-se à imagem enganadora de uma Holanda constituída por serenos prados,
bucólicas vaquinhas e pitorescos agricultores com tamancos nos pés e queijos nas
mãos.
Em 2013, uma
iniciativa por parte de 900 cidadãos pôs o Governo (e com ele a classe
política) em tribunal, exigindo, em nome dos tratados de Direitos Humanos
assinados pela Holanda, que obrigam o Governo a proteger os cidadãos de ameaças
que ponham em perigo o direito à vida e segurança, que o Governo se
comprometesse a garantir os 25% de redução de gases de efeito de estufa em
2020.
Em 2015, este
grupo denominado Urgenda ganhou a acção em tribunal, para surpresa do Governo.
O Governo apelou e perdeu de novo em tribunal em 2018. Esta sentença foi
confirmada a 20 de Dezembro de 2019 pelo Supremo Tribunal de Justiça holandês.
Entretanto, o
Governo perdeu três anos neste processo no que respeita às urgentes medidas a
tomar para garantir os 25%. O mesmo anunciou que só poderá garantir entre 19% e
21%, embora tenha afirmado que irá fazer o necessário para responder às
exigências do tribunal.
Ora, a Holanda
assinou o Acordo de Paris a 21 de Abril de 2016. Nesta perspectiva, os partidos
políticos com consciência ambiental pressionaram o Governo, o que levou com um
consenso maioritário à adopção de uma Lei do Ambiente (Klimaatakkoord/ redução
em 49% dos gases em 2030/ neutralidade carbónica em 2050) nos finais de Junho
de 2019.
E é aqui que
chegamos ao aparente e enganador ‘paraíso agrário’ holandês. Os agricultores
holandeses produzem seis vezes mais do que o necessário para o consumo interno
da Holanda. Estas cinco parcelas excedentes são para exportação. Os efeitos na
fertilidade dos solos desta produção intensiva são desastrosos. Acidez,
poluição química e alteração dos níveis freáticos assustadores e
insustentáveis.
E, quanto às
vaquinhas, estas constituem pelo seu número desmesurado fonte permanente de
gases de efeito de estufa, através do amoníaco produzido pela mistura de fezes
e urina e pela libertação de metano na respiração, além do óxido nitroso
produzido pelas fezes e os nitratos e fósforos infiltrados nos solos.
Em resumo, a
produção agrícola tem que ser reduzida a metade e o número de vacas também além
do número de porcos. Isto implica uma recusa de um modelo de crescimento e
exploração agrícola e de um ‘certo’ perfil de agricultor.
A Holanda
encontra-se em grande tumulto social com acções permanentes de bloqueio e
manifestações por parte dos agricultores, e não só. Também o sector da
construção, que tem que definitivamente mudar. Na Alemanha desenvolve-se o
mesmo fenómeno.
Estamos,
portanto, no turbilhão do confronto real entre intenções urgentemente
formuladas e urgentissimamente necessárias e os efeitos concretos das mudanças
imperativas.
O mais curioso é
que, no caso da vitória jurídica da iniciativa cívica Urgenda, o que foi ilustrado
foi uma vitória nítida do princípio de que “é preciso ambientalizar a política”
em lugar de que “é preciso politizar o ambiente”.
Historiador de Arquitectura
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