E o comboio a
vapor voltou a apitar no Vouga
Uma composição
formada por três carruagens de madeira e uma velha locomotiva de 1923, que
apitava e deixava marcado na paisagem rural do Vouga um extenso penacho de
vapor, foi a imagem milhares de vezes captada pelos entusiastas da ferrovia e
pelos passageiros do comboio histórico que fez este sábado a sua primeira
viagem entre Aveiro e Macinhata do Vouga (Águeda).
Carlos Cipriano
15 de Dezembro de 2019, 6:30
As carruagens são
surpreendentes, com bancos de madeira envernizados e detalhes deliciosos no seu
interior, destacando-se, no entanto, os varandins de ferro nas extremidades
onde muitos passageiros preferem viajar. Mas a estrela da composição é a velha
Mallet E214 que desde as 7h00 da manhã de um sábado invernoso desperta a
curiosidade de quem passa pela estação de Aveiro. Está devidamente acesa e as
bielas, as rodas, os cilindros estão bem lubrificados. A pressão do vapor é a
necessária e de vez em quando solta uns prolongados silvos com que saúda os
comboios que passam nas linhas vizinhas, sejam um suburbano do Porto, um
Intercidades ou o Alfa Pendular.
Não são só as
crianças que dão pulos de alegria quando a composição começa a andar, às 9h15,
rumo a Macinhata do Vouga. Os adultos também não disfarçam o seu entusiasmo.
Durante toda a manhã, na ida e volta deste comboio histórico, a paixão é
partilhada por várias gerações de passageiros, mas também pela quase centena de
trainspotters que hão-de seguir a composição do lado de fora, ao longo da
estrada que bordeia a via férrea, parando em locais estratégicos para obter o
melhor ângulo.
Um local de
eleição é o pequeno túnel de Eirol, uma estação onde, após curta paragem, o
comboio 20801 irrompe na perfuração para logo sair do outro lado envolto numa
espessa nuvem de fumo e vapor, que faz as delícias das dezenas de fotógrafos
que ali se juntam.
Vitália Santos,
funcionária pública, veio de Coimbra com duas amigas e diz que está a adorar a
viagem. Pagou 30 euros, um valor que considera aceitável, pela experiência que
está a ter, pela paisagem e sobretudo “pelo apito da locomotiva e pela beleza
do interior das carruagens”. A jovem Mafalda, 10 anos, que viaja no grupo, diz
que gostou “da música, do museu e da viagem toda”.
O Grupo
Etnográfico de Macinhata do Vouga, que animou o evento, cantou várias vezes o
Apita o Comboio. E o museu ferroviário daquela localidade é ponto de visita
obrigatória para quem faz o comboio histórico do Vouga.
“É pá! Isto é mesmo o Portugal rural!”. A
exclamação de um passageiro traduz o ambiente paisagístico. Povoamento disperso
e desordenado, o comboio a passar pelo meio dos quintais, as casas que estão
praticamente encostadas à linha férrea, os campos e pinhais em redor.
Miguel Gonçalves
e Maria de Lurdes também vieram de Coimbra. Este casal de professores diz que
“tropeçou” na linha do Vouga nas notícias de jornal e que logo decidiram
comprar o bilhete online para esta viagem. “É óptimo, estamos a gostar imenso.
Só de ver a locomotiva a funcionar é verdadeiramente espantoso”, dizem. E
sublinham que esta é uma forma interessante de valorizar e rentabilizar o
património, juntando o comboio à paisagem e ao museu de Macinhata.
Carlos Pinto, 66
anos, também professor, faz parte de uma diferente tipologia de passageiros. É
um entusiasta dos comboios, daqueles que nunca se senta e faz toda a viagem no
varandim com a máquina fotográfica em riste. Conta que viaja por todo o país,
com um grupo de amigos, para captar imagens de comboios nos sítios mais
recônditos e que no Inverno vão às Astúrias fotografar os comboios na neve em
paisagem de montanha. A fotografia da sua vida, porém, foi tirada na Escócia e
mostra-a no tablet: um enquadramento perfeito de um comprido comboio a vapor no
viaduto de de Glenfinnan, célebre à conta do comboio da saga de ficção Harry
Potter.
Se há quem vá de
Portugal para Espanha fotografar comboios, também os há que o fazem em sentido
inverso. É o caso de grupo que, no fim da viagem, almoça calmamente num
restaurante de Aveiro. Carlos Perez, Daniel Matos e José Manuel Gornés vieram
de La Coruña para fotografar o Vouguinha traccionado a vapor. “Levantamo-nos às
quatro e meia da manhã para estar cá às nove, mas valeu a pena - é uma linha
muito bonita e o comboio é lindíssimo”, diz Perez.
Depois deste
sábado, também este domingo, dia 15 (só para trabalhadores), e no próximo
sábado, dia 21, o comboio a vapor vai voltar a circular na linha do Vouga, 19
anos depois de ali se ter ouvido pela última vez o silvar de uma locomotiva.
Grécia tem
comboios que podem vir para o Vouga
O presidente da
CP, Nuno Freitas, admite poder vir a comprar material de via estreita na Grécia
para o colocar no Vouga. “É uma ideia que está ainda numa frase embrionária.
São automotoras que faziam a linha do Peloponeso. Temos confirmação que estão
para venda e vamos avaliá-las, saber preços e ver se vale a pena adquirir
algumas”, disse ao PÚBLICO, acrescentando, porém, que ainda não fez nenhuma
proposta à tutela.
Aquelas
automotoras podem circular a 100 Km/hora em via métrica e até têm furgão para o
transporte de bicicletas. Poderiam assim substituir a actual frota do Vouga,
que está envelhecida e avaria muitas vezes obrigando à supressão de
circulações.
Nuno Freitas diz
que muito depende das decisões estratégicas que forem tomadas sobre a linha do
Vouga. Há ideias para a transformar num metro de superfície, outras para
transformar o troço Espinho - Oliveira de Azeméis em via larga e integrá-lo na
rede suburbana do Porto e também há quem defenda o seu encerramento.
Para o presidente
da CP, porém, não é preciso inventar a pólvora. Basta aproveitar a linha
existente e modernizá-la para parâmetros do século XXI com electrificação,
sinalização moderna e material circulante novo. O facto de ser uma via estreita
não significa que não possa prestar um bom serviço à população, diz, dando o
exemplo do Japão e da Suíça que têm linhas métricas que proporcionam um
excelente serviço com comboios rápidos e modernos.
Já este regresso
ao passado com o comboio histórico diz que é uma “provocação” destinada a
testar um negócio que pode criar riqueza e ajudar a dinamizar a actividade
económica da região. Mas para isso precisa do envolvimento das autarquias da
região, dos operadores turísticos e do Turismo do Centro.
O gestor diz que
a actividade estratégica da CP não é o turismo ferroviário, mas que a empresa
possui um espólio valioso que pode ser rentabilizado em conjunto com outros
parceiros.
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