domingo, 15 de dezembro de 2019

E o comboio a vapor voltou a apitar no Vouga



E o comboio a vapor voltou a apitar no Vouga

Uma composição formada por três carruagens de madeira e uma velha locomotiva de 1923, que apitava e deixava marcado na paisagem rural do Vouga um extenso penacho de vapor, foi a imagem milhares de vezes captada pelos entusiastas da ferrovia e pelos passageiros do comboio histórico que fez este sábado a sua primeira viagem entre Aveiro e Macinhata do Vouga (Águeda).

Carlos Cipriano 15 de Dezembro de 2019, 6:30

As carruagens são surpreendentes, com bancos de madeira envernizados e detalhes deliciosos no seu interior, destacando-se, no entanto, os varandins de ferro nas extremidades onde muitos passageiros preferem viajar. Mas a estrela da composição é a velha Mallet E214 que desde as 7h00 da manhã de um sábado invernoso desperta a curiosidade de quem passa pela estação de Aveiro. Está devidamente acesa e as bielas, as rodas, os cilindros estão bem lubrificados. A pressão do vapor é a necessária e de vez em quando solta uns prolongados silvos com que saúda os comboios que passam nas linhas vizinhas, sejam um suburbano do Porto, um Intercidades ou o Alfa Pendular.

Não são só as crianças que dão pulos de alegria quando a composição começa a andar, às 9h15, rumo a Macinhata do Vouga. Os adultos também não disfarçam o seu entusiasmo. Durante toda a manhã, na ida e volta deste comboio histórico, a paixão é partilhada por várias gerações de passageiros, mas também pela quase centena de trainspotters que hão-de seguir a composição do lado de fora, ao longo da estrada que bordeia a via férrea, parando em locais estratégicos para obter o melhor ângulo.

Um local de eleição é o pequeno túnel de Eirol, uma estação onde, após curta paragem, o comboio 20801 irrompe na perfuração para logo sair do outro lado envolto numa espessa nuvem de fumo e vapor, que faz as delícias das dezenas de fotógrafos que ali se juntam.

Vitália Santos, funcionária pública, veio de Coimbra com duas amigas e diz que está a adorar a viagem. Pagou 30 euros, um valor que considera aceitável, pela experiência que está a ter, pela paisagem e sobretudo “pelo apito da locomotiva e pela beleza do interior das carruagens”. A jovem Mafalda, 10 anos, que viaja no grupo, diz que gostou “da música, do museu e da viagem toda”.

O Grupo Etnográfico de Macinhata do Vouga, que animou o evento, cantou várias vezes o Apita o Comboio. E o museu ferroviário daquela localidade é ponto de visita obrigatória para quem faz o comboio histórico do Vouga.

 “É pá! Isto é mesmo o Portugal rural!”. A exclamação de um passageiro traduz o ambiente paisagístico. Povoamento disperso e desordenado, o comboio a passar pelo meio dos quintais, as casas que estão praticamente encostadas à linha férrea, os campos e pinhais em redor.

Miguel Gonçalves e Maria de Lurdes também vieram de Coimbra. Este casal de professores diz que “tropeçou” na linha do Vouga nas notícias de jornal e que logo decidiram comprar o bilhete online para esta viagem. “É óptimo, estamos a gostar imenso. Só de ver a locomotiva a funcionar é verdadeiramente espantoso”, dizem. E sublinham que esta é uma forma interessante de valorizar e rentabilizar o património, juntando o comboio à paisagem e ao museu de Macinhata.

Carlos Pinto, 66 anos, também professor, faz parte de uma diferente tipologia de passageiros. É um entusiasta dos comboios, daqueles que nunca se senta e faz toda a viagem no varandim com a máquina fotográfica em riste. Conta que viaja por todo o país, com um grupo de amigos, para captar imagens de comboios nos sítios mais recônditos e que no Inverno vão às Astúrias fotografar os comboios na neve em paisagem de montanha. A fotografia da sua vida, porém, foi tirada na Escócia e mostra-a no tablet: um enquadramento perfeito de um comprido comboio a vapor no viaduto de de Glenfinnan, célebre à conta do comboio da saga de ficção Harry Potter.

Se há quem vá de Portugal para Espanha fotografar comboios, também os há que o fazem em sentido inverso. É o caso de grupo que, no fim da viagem, almoça calmamente num restaurante de Aveiro. Carlos Perez, Daniel Matos e José Manuel Gornés vieram de La Coruña para fotografar o Vouguinha traccionado a vapor. “Levantamo-nos às quatro e meia da manhã para estar cá às nove, mas valeu a pena - é uma linha muito bonita e o comboio é lindíssimo”, diz Perez.

Depois deste sábado, também este domingo, dia 15 (só para trabalhadores), e no próximo sábado, dia 21, o comboio a vapor vai voltar a circular na linha do Vouga, 19 anos depois de ali se ter ouvido pela última vez o silvar de uma locomotiva.

Grécia tem comboios que podem vir para o Vouga
O presidente da CP, Nuno Freitas, admite poder vir a comprar material de via estreita na Grécia para o colocar no Vouga. “É uma ideia que está ainda numa frase embrionária. São automotoras que faziam a linha do Peloponeso. Temos confirmação que estão para venda e vamos avaliá-las, saber preços e ver se vale a pena adquirir algumas”, disse ao PÚBLICO, acrescentando, porém, que ainda não fez nenhuma proposta à tutela.

Aquelas automotoras podem circular a 100 Km/hora em via métrica e até têm furgão para o transporte de bicicletas. Poderiam assim substituir a actual frota do Vouga, que está envelhecida e avaria muitas vezes obrigando à supressão de circulações.

Nuno Freitas diz que muito depende das decisões estratégicas que forem tomadas sobre a linha do Vouga. Há ideias para a transformar num metro de superfície, outras para transformar o troço Espinho - Oliveira de Azeméis em via larga e integrá-lo na rede suburbana do Porto e também há quem defenda o seu encerramento.

Para o presidente da CP, porém, não é preciso inventar a pólvora. Basta aproveitar a linha existente e modernizá-la para parâmetros do século XXI com electrificação, sinalização moderna e material circulante novo. O facto de ser uma via estreita não significa que não possa prestar um bom serviço à população, diz, dando o exemplo do Japão e da Suíça que têm linhas métricas que proporcionam um excelente serviço com comboios rápidos e modernos.

Já este regresso ao passado com o comboio histórico diz que é uma “provocação” destinada a testar um negócio que pode criar riqueza e ajudar a dinamizar a actividade económica da região. Mas para isso precisa do envolvimento das autarquias da região, dos operadores turísticos e do Turismo do Centro.

O gestor diz que a actividade estratégica da CP não é o turismo ferroviário, mas que a empresa possui um espólio valioso que pode ser rentabilizado em conjunto com outros parceiros.

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