FLORESTAS
Governo recua na
taxa sobre madeireiros e celuloses
Autorização
legislativa dada no OE19 nunca foi usada e proposta do OE20 não a repete.
Ministério do Ambiente diz que taxa de “conservação dos recursos florestais”
vai ser analisada noutros moldes.
Helena Pereira
Helena Pereira 30
de Dezembro de 2019, 6:36
A vontade do
Governo em cobrar a empresas de celulose ou madeireiros uma taxa para a
conservação dos recursos florestais desapareceu do Orçamento do Estado. Esta
medida foi aprovada no Orçamento de 2019 como autorização legislativa. Um ano
passou e esta autorização não chegou a dar origem a legislação. Uma vez que as
autorizações legislativas caducam no fim do ano civil, era expectável que fosse
renovada no Orçamento seguinte mas o documento para 2020 apresentado há duas
semanas é omisso quanto a essa taxa.
O Governo
confirmou ao PÚBLICO esta semana que não há nenhuma intenção de a levar
efectivamente à prática nos dias que restam de 2019, nem de pedir uma
autorização legislativa para cobrar a taxa em 2020, embora esteja a ser
“analisada” a “necessidade de criar uma contribuição para a conservação dos
recursos florestais” a médio prazo.
Floresta: “Vamos
propor uma lei que permita intervir, independentemente de quem for o
proprietário”
A promessa surgiu
em Outubro de 2018. No Orçamento para 2019, era incorporada autorização
legislativa para o Governo criar “a contribuição especial para a conservação
dos recursos florestais, com o objectivo de promover a coesão territorial e a
sustentabilidade dos recursos florestais”.
O objectivo,
lê-se, era "estabelecer uma taxa de base anual a incidir sobre o volume de
negócios de sujeitos passivos de IRS ou IRC que exerçam, a título principal,
actividades económicas que utilizem, incorporem ou transformem, de forma
intensiva, recursos florestais”. Ao resultado daquela taxa “devem ser deduzidos
os montantes anuais referentes a investimento, directo ou indirecto, em
recursos florestais, bem como contribuições ou despesas suportadas com vista a
promover a protecção, conservação e renovação desses recursos”.
O Governo
detalhava a intenção, prevendo “identificar as actividades económicas que
utilizem, incorporem ou transformem, de forma intensiva, recursos florestais”,
podendo a taxa “ser estabelecida de forma diferenciada por actividade
económica”. “O produto da colecta é afecto ao Fundo Florestal Permanente e
consignado ao apoio ao desenvolvimento de espécies florestais de crescimento
lento”, acrescentava o OE19.
Este objectivo
seria reafirmado numa resolução do Conselho de Ministros de Janeiro de 2019 que
aprovou o “relatório de diagnóstico e as medidas de actuação para a valorização
do território florestal e de incentivo à gestão florestal activa”. A medida 3,
da “responsabilidade do Ministério das Finanças e da Agricultura”, chamava-se
precisamente Contribuição para a Conservação dos Recursos Florestais e
replicava as palavras usadas no Orçamento do Estado. Os destinatários eram
“sujeitos passivos de IRS ou IRC que exerçam a título principal actividades
económicas que utilizem, incorporem ou transformem, de forma intensiva,
recursos florestais, tais como produtores de pasta de papel, serrações,
produtores de aglomerados de madeira, produtores de pellets, entre outros”.
Questionado pelo
PÚBLICO sobre o porquê de a autorização legislativa nunca ter sido usada este
ano e sobre o facto de não constar tal medida no OE20, o Ministério das
Finanças limitou-se a reencaminhar a pergunta. “Este tema não é nosso, estará
com a Agricultura”, respondeu fonte oficial por email. O Ministério da
Agricultura, por sua vez, remeteu para o Ministério do Ambiente, que informou
que “a autorização legislativa concedida OE2019, inseria-se, no anterior elenco
governativo, na área de competência do Ministério da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Regional, sendo que da pasta de transição não consta qualquer
projecto legislativo tendente à criação da contribuição especial para a
conservação dos recursos florestais”. Esta questão está a ser “analisada”,
garante o Ministério, afastando, no entanto, a criação de uma taxa como aquela
que chegou a estar prevista no OE19. Com a mudança de tutela das florestas, da
Agricultura para o Ambiente, no Governo que tomou posse em Outubro, a
“filosofia” vai mudar também.
Contactado pelo
PÚBLICO, o anterior ministro da Agricultura, Capoulas Santos, recusou explicar
o facto de a medida prometida nunca ter entrado em vigor ao longo de 2019,
argumentando ter adoptado o silêncio sobre o seu anterior mandato.
"Nós ficámos
um bocado na expectativa para ver o que aquilo ia dar”, lembra Pedro Serra
Santos, da Anefa - Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do
Ambiente, referindo-se ao momento em que o Orçamento de 2019 foi aprovado com a
autorização legislativa para a criação da taxa. “Aquela medida atingia
fundamentalmente dois tipos de empresas completamente distintos: as celuloses,
que ganham milhões, aí sim, devia haver uma obrigação para reinvestirem na
floresta, e outras empresas como os madeireiros, que trabalham cada vez mais
sem margens de lucro”, explica.
Paulo Lucas, da
associação ambientalista Zero, afirma ao PÚBLICO que se trata de “um incumprimento”
do OE19 mas desvaloriza o recuo do Governo, salientando que “existem outras
medidas para controlar os eucaliptos”. Este responsável lembra a medida,
aprovada também no ano passado e que está em vigor, que foi negociada entre
Governo e Os Verdes para que o número de hectares de plantação de eucaliptos
diminuísse. “Está-se a plantar cada vez menos e é por esta via que deve ser
combatido”, diz.
Sem comentários:
Enviar um comentário