O país continua à
venda
Quem julgava que
o fim das restrições da troika, o crescimento económico dos últimos anos, o
regresso da confiança ou o alívio da dívida das empresas iriam permitir uma
nova vaga de ambição ao capitalismo português desengane-se: o país continua à
venda.
MANUEL CARVALHO
28 de Dezembro de
2019, 7:17
A venda ao
exterior de activos valiosos da economia portuguesa continua animada. Só este
mês a Altice desfez-se de metade da sua rede de fibra óptica, vendida à Morgan
Stanley Infraestructures Partners, o grupo Vasco de Mello e o seu parceiro
Arcus vão alienar 80% dos direitos de voto na Brisa, a EDP fechou negócio com
um consórcio de empresas francesas liderado pela Engie que lhes permitirá
controlar seis barragens e, outra vez a Altice, transferiu para um grupo do
Bahrein 85% da gestora dos fundos de pensões da TLP, Marconi e TDP. Quem
julgava que o fim das restrições da troika, o crescimento económico dos últimos
anos, o regresso da confiança ou o alívio da dívida das empresas iriam permitir
uma nova vaga de ambição ao capitalismo português desengane-se: o país continua
à venda.
Haverá quem,
munindo-se da cartilha dos mercados abertos e da livre circulação de capitais,
considere esta situação normal. Poder-se-á dizer que, entre o controlo francês
ou americano da fibra óptica, ou entre o controlo chinês ou francês das
barragens não há diferença de maior. Não é descaso afirmar-se também que as
teorias dos centros de decisão que, em tempos, faziam parte do léxico corrente
do empresariado serviam apenas para proteger a gula predatória ou a
ineficiência de uma certa estirpe de negociantes da corte. Mas depois da
terrível destruição de riqueza nacional na era da troika e dos exemplos de
incúria e dos abusos que destruíram a PT, que expurgaram a EDP de capital
nacional ou entregaram a banca nacional ao capital espanhol ou angolano seria
de esperar uma leve pausa para se respirar. Não é isso que acontece.
Por muito que todos
os Estados europeus façam a apologia da liberdade de negócios, na penumbra
todos se esforçam por proteger os seus activos mais estratégicos e valiosos. O
Estado português deve estar atento a essa sangria de recursos e olhar para a
Espanha ou para a França como exemplo. Não se trata de impor barreiras
proteccionistas em favor de tecido económico já de si demasiado submisso ao
patrocínio do Estado. Nem de criar novas clientelas de protegidos que um dia
darão origem a novos donos disto tudo. Trata-se, sim, de exigir contrapartidas
duras. Que a exploração de recursos nacionais pague impostos nacionais. Que os
quadros e demais trabalhadores que gerem os negócios se instalem em Portugal.
Que haja abertura para que empresários portugueses tenham acesso a esses
negócios. Medidas que afinal têm uma única finalidade: evitar que Portugal se
torne ainda mais uma banal plataforma de negócios gerida e mantida a partir do
exterior.
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