EDITORIAL
A reforma do Papa
Francisco
A reforma de
Francisco com o levantamento do segredo pontifício tem o mérito de afirmar os
valores da transparência e da abertura.
DAVID PONTES
23 de Dezembro de
2019, 5:08
A História
disputa a ideia de se a Contra-Reforma Católica surgiu como uma reacção de
defesa à Reforma, que conduziria ao aparecimento do protestantismo e de outras
correntes dissidentes, ou se ela resulta de uma renovação que já fazia o seu
caminho no interior da Igreja Romana e de que luteranismo foi, de certa forma,
um caminho diferente.
O mais provável é
que ambas as premissas estejam, com pesos diferentes, correctas, como é certo
que desde há muito existem vozes no interior da Igreja Católica que condenam
com veemência a gestão que a Cúria Romana tem feito da questão do abuso de
menores no seu seio, mas também é claro que o clamor público em torno do
amontoar de escândalos se tornou uma força que conduziu o Papa Francisco para a
mudança, nomeadamente a da última semana, com o levantamento do segredo
pontifício nos casos de abusos sexuais.
Mas será sempre
de sublinhar que a reforma de Francisco tem o mérito de afirmar os valores da
transparência e da abertura, enquanto mesmo com todos os melhoramentos que a
Contra-Reforma gerou ela também ampliou a acção da Inquisição e a criação do
Index. A atitude de Bergoglio ainda se torna mais relevante quando colocada em
contraste com a de alguns dos seus antecessores, nomeadamente João Paulo II, que
já possuía todo os dados para perceber a doença que corroía a Igreja e a sua
imagem pública.
O caso dos
Legionários de Cristo, que hoje conhecemos em toda a sua horrenda dimensão, é
nisso exemplar, pois durante décadas, até 2006, ou seja, durante todo o
pontificado do Papa João Paulo II, o Vaticano negou as acusações daqueles que
foram maltratados por Marcial Maciel e por outros padres da ordem que ele
fundou em 1941, no México. Só Maciel é responsável por cerca de um terço dos
abusos de 175 menores, entre eles os filhos que teve secretamente com duas
mulheres. E, porventura, não será coincidência que o cardeal Solano, que foi
figura chave do pontificado do Papa polaco e um dos defensores dos legionários,
tenha renunciado à função de Decano do Colégio dos Cardeais este sábado.
Numa altura em os
católicos de todo o mundo se preparam para celebrar o nascimento de uma
criança, é de sublinhar este gesto histórico do Papa Francisco que, como
sublinha Frei Bento Domingues, só terá verdadeiramente sentido se for
acompanhado por idêntica atitude das comunidades católicas de cada país. Em
Espanha, o segredo pontifício serviu para ocultar muitos crimes. Como
terá sido em Portugal?
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