Políticos
ameaçados na Alemanha: “A situação é muito tensa”
Dos 1241 delitos
cometidos contra políticos alemães em 2019, ameaças de morte e ataques a propriedade
são a maioria. Sawsan Chebli, do SPD, foi mandada demitir-se do governo de
Berlim na véspera de Natal se não quisesse ser assassinada.
Maria João
Guimarães
Maria João
Guimarães 26 de Dezembro de 2019, 18:17
A maior parte das
ameaças a políticos alemães durante o ano de 2019 veio da extrema-direita
WOLFGANG RATTAY/REUTERS
Missivas que
acabam com “Heil Hitler”, garantias que “estamos a planear como te vamos
executar”, pedras atiradas contra portas. Ameaças e outros crimes contra
políticos e representantes públicos alemães não têm abrandado: este ano
registaram-se 1241 actos criminosos contra eles, informou o Ministério do
Interior em resposta a uma questão do grupo parlamentar do Partido Liberal
Democrata (FDP). A maioria dos delitos é de autoria da extrema-direita.
Uma das políticas
recentemente ameaçadas, Sawsan Chebli, do Partido Social Democrata (SPD),
publicou no Twitter um texto que lhe foi enviado que terminava com “Heil
Hitler” e era assinada por um grupo auto-intitulado “soldados da força do
Ciber-Reich”.
Chebli, de
ascendência palestiniana, seria, segundo a ameaça, “a terceira na lista” de
alvos de uma organização extremista, a seguir a Cem Özdemir (de ascendência
turca) e Claudia Roth do partido Os Verdes. Se não se demitisse até às 00h do
dia 24 de Dezembro do seu cargo no governo do estado federado de Berlim, dizia
o texto, seria assassinada. “Ninguém te pode proteger.”
As ameaças
ganharam ainda mais peso na Alemanha depois de, em Junho, Walter Lübcke,
presidente da Câmara de Kassel (no estado do Hesse), ter sido morto a tiro no
pátio de sua casa por um confesso simpatizante de extrema-direita.
Nesse mesmo mês
de Junho, a presidente da Câmara de Colónia, Henriette Reker, também foi
ameaçada de morte. Reker ficou ferida com gravidade em 2015, durante a campanha
eleitoral, depois de ser atacada com uma faca por um apoiante da
extrema-direita durante a campanha eleitoral – quando se soube que tinha sido
eleita, ainda estava em coma induzido. Tanto Lübcke como Reker foram atacados
pelas suas posições pró-refugiados. Aliás, o atacante de Reker diz que a
escolheu como alvo porque a chanceler Angela Merkel era impossível de atacar
por causa da segurança.
Em Novembro,
Martina Angermann demitiu-se da presidência da Câmara de Arnsdorf, no estado
federado da Saxónia (Leste), depois de meses a receber ameaças da
extrema-direita. As ameaças começaram em 2016, depois da autarca ter condenado
o ataque contra um refugiado iraquiano com problemas mentais levado a cabo por
quatro homens.
Os media alemães
relataram, há meses, a existência de uma lista de alvos feita por uma
organização de extrema-direita que estaria a fazer preparativos para atacar
alguns políticos. Os nomes dos políticos não foram divulgados. As autoridades
prometeram aumentar a luta contra a extrema-direita.
Chebli disse que
todas as semanas apresenta 20 a 30 queixas-crime por causa de emails com
ameaças ou palavras de ódio. “Já não há um dia em que não receba mensagens de
ódio ou insultos, ou comentários racistas ou sexistas”, disse. “O clima está
muito envenenado”, declarou.
Em Novembro, Cem
Özdemir, que foi co-líder dos Verdes durante uma década antes de se afastar em
2018, denunciou uma mensagem que estava formulada de um modo que o fez levá-la
mais a sério, segundo a emissora Deutsche Welle. “Neste momento estamos a planear
quando e como te vamos executar: no próximo comício? Ou vamos apanhar-te em
frente a tua casa?”
Özdemir está há
muito tempo sob protecção policial. As suas posições em defesa de imigrantes ou
refugiados valem-lhe ataques da extrema-direita e as críticas ao Presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan, suscitam ataques dos apoiantes do líder turco (que
são numerosos na Alemanha).
Já depois da
ameaça escrita, a casa do político foi atacada: Özdemir partilhou uma imagem da
porta de sua casa com o vidro partido – quebrada por um desconhecido que atirou
uma pedra.
Em 2017, houve
1527 delitos contra políticos ou detentores de cargos públicos como juízes, e
em 2018 houve 1256. Como a contagem de 2019 só foi feita até 11 de Dezembro e
ainda são incluídos os dados de Janeiro, “o número deverá sem dúvida subir”,
diz o diário Die Welt.
Protecção para
todos?
“Temos uma
situação muito tensa”, resumiu o responsável do segundo maior sindicato da
polícia do país (DPolG na sigla alemã), Rainer Wendt, à emissora Deutsche Welle.
Se medidas de
protecção permanente não são excepção em políticos a nível nacional, agora há
cada vez mais ameaças a nível local, “até contra pessoas com cargos honorários
[que trabalham sem ganhar salário]”, disse Wendt.
Na sequência da
morte de Lübcke, um responsável da polícia dizia sob anonimato à agência DPA
que não havia meios para proteger permanentemente todos os políticos ameaçados.
Os principais
crimes, diz ainda o ministério do Interior citado pelo jornal Die Welt são
ameaças, discurso de ódio e insultos a par com danos de propriedade. Os autores
dos ataques são, na maioria, de extrema-direita (440 casos) mas há também de
extrema-esquerda (240 casos) e 11 ligados a “ideologia estrangeira” (uma
categoria muito centrada na Turquia, incluindo ataques contra instituições
turcas na Alemanha, levados a cabo, por exemplo, por curdos) e em seis casos
por motivos “religiosos”. Em 538 casos, não foi possível perceber, ou atribuir,
o motivo.
Quanto aos
partidos, a CDU (União Democrata-Cristã) da chanceler, Angela Merkel, é a mais
afectada, com 161 delitos contra políticos do partido, seguida do partido de
direita radical AfD (Alternativa para a Alemanha) com 143, SPD com 118, Verdes
com 97, Die Linke (A Esquerda) com 45, a CSU (partido-gémeo da CDU na Baviera)
com 13 e FDP com 12.
Chebli deixa, no
entanto, uma nota positiva do seu caso. Desde que publicou a ameaça no Twitter,
o apoio que recebeu foi “esmagador”.
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