segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Carros têm de baixar CO2 e marcas ameaçam subir preços / Eléctricos e híbridos vão inundar mercado automóvel em 2020



Carros têm de baixar CO2 e marcas ameaçam subir preços

Corte no CO2 entra em vigor a 1 de Janeiro. Bruxelas deu margem aos fabricantes, mas estes ameaçam subir preços, retirar modelos e, no limite, despedir.

Victor Ferreira
Victor Ferreira 30 de Dezembro de 2019, 7:25

O primeiro dia de 2020 marca o início de um novo ciclo para a indústria automóvel. A partir de 1 de Janeiro os novos carros à venda na União Europeia (UE) terão de respeitar um limite de emissões de dióxido de carbono (CO2) mais baixo, de 95 gramas (g) de CO2 por km para ligeiros de passageiros e 147 g CO2 por km para comerciais ligeiros. Há marcas, como a Mercedes, que poderão cortar gamas quase inteiras para cumprir o limite. Outras, como a Mazda, poderão acabar com certas motorizações. E há fabricantes que ponderam suspender modelos, impor quotas aos concessionários ou subir preços, ao que o PÚBLICO apurou, junto de fontes do mercado nacional.

No passado, a indústria cumpriu bem o corte de emissões. O objectivo para 2015 era de 130 g/km. Foi conseguido dois anos antes, em 2013. Agora, a indústria encara limites mais baixos. E multas que apelida de “monstruosas”. Dadas as regras que vão entrar em vigor, há um efeito que poderá provar-se positivo, pelo menos para quem acredita que a solução está em motores alternativos aos diesel e gasolina: em 2020, o mercado será “inundado” de carros eléctricos e híbridos, de acordo com a estratégia já anunciada pela generalidade das marcas.

A descarbonização pode parecer um tema na mão dos fabricantes. Mas as consequências serão sentidas muito para lá do perímetro deste sector, que emprega 13,8 milhões de europeus e vale 7% do PIB da UE, onde o transporte rodoviário representa 12% das emissões de CO2. Baixar esse valor exige sacrifícios a todos. E eles chegarão a todos. Com metas ainda mais apertadas em 2025 e 2030. Ou até mais cedo, se o Pacto Ecológico Europeu da nova líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, exigir maiores reduções.

Por agora, cada fabricante enfrentará limites próprios, devido ao factor peso do carro. Quanto mais pesado um modelo, mais pode emitir. Os limites poderão variar entre 91 g/km e 100 g/km. Em teoria, quem faz citadinos ou utilitários, terá vida mais difícil.

Nesse sentido, modelos como o VW Up poderão sobreviver apenas na versão eléctrica. Ou o Opel Karl teria os dias contados, se não tivesse sido já “descontinuado” pela PSA (que adquiriu a Opel) por ser comercialmente inviável. O futuro dos Smart, que já estava em dúvida, será uma incógnita, pelo menos com energia fóssil.

Carros mais limpos, pede Bruxelas, cortando no CO2. Antes disso, já a indústria vivia na angústia de uma tempestade perfeita. ​Em meados de Dezembro, a agência de notação Moody's dizia que 2020 oferece perspectivas “negativas" para fabricantes e fornecedores de componentes.

O quadro presente parece complicado: leis mais restritivas; aceleração tecnológica; quebras nas vendas; despedimentos. Olhando para o futuro, parece que há menos margem num sector que, até ao escândalo dieselgate, conduziu os negócios como queria, sem grande travão. “Neste momento, somos [a indústria] considerados vigaristas”, diz Carlos Tavares, o gestor português que lidera a PSA e vai gerir a fusão desta com a Fiat. “Não há aqui uma escolha. [Cumprir] é uma pré-condição para poder estar no mercado”, acrescenta, citado pelo Financial Times.

Ainda assim, numa era de novas fusões (PSA-Fiat) e novas alianças (VW-Ford), encerramentos e reestruturações, a indústria sabe que valeu a pena queixar-se. Porque os políticos da UE deixaram algum espaço de manobra, já que também eles têm linhas vermelhas. Quem está no poder não quer desemprego. Só na Europa, a Ford despediu 7000, a Daimler anunciou um corte de 10.000 e a Audi outros tantos. Também por isso, Bruxelas levantou o pé do acelerador.

Fez isso com nuances importantes no regulamento 2019/631, aprovado a 17 de Abril de 2019 pelo Parlamento Europeu. O texto refere que “deverá ser assegurada uma transição socialmente aceitável e justa”. E que isso implica “ponderar” as “implicações para o emprego”. Ainda que aluda depois a “programas específicos” para ajudar à reconversão, houve cedências aos construtores. É pelo menos isso que dizem ambientalistas.

As pressões da Alemanha e do leste da Europa, onde o sector emprega muita gente e a mobilidade eléctrica é incipiente, “aliviaram” algumas preocupações. Cinco por cento das vendas ficam fora das contas em 2020. Não interessa se poluem muito ou pouco. Não entram no mapa. Além disso, são dados “super-créditos”, que ajudarão as marcas com eléctricos e híbridos.  Com esta regra, em 2020 cada carro com emissões específicas de CO2 inferiores a 50 g/km CO2 valerá por dois, o que baixará a média, mesmo que o resto da frota continue a poluir igual. Em 2021, o crédito baixa para 1,67 carros e em 2022, será de 1,33 carros. Depois acaba.

As marcas podem ainda fazer o “agrupamento”. Quem não tem carros de baixas emissões, como a Fiat-Chrysler, pode juntar-se a quem polui quase nada, como a Tesla. Ambas deram esse exemplo, com o acordo anunciado em Abril. A FCA vai pagar 1800 milhões de euros à Tesla pelos créditos de CO2. A Mazda, que antevê até 20% de perdas nas vendas, fez o mesmo com a Toyota. Sempre sai mais barato do que as multas prometidas por Bruxelas.

Por outro lado, Bruxelas fará contas com a tabela de emissões antiga, NEDC. Ou seja, a indústria usará valores mais baixos do que os reais. Já o contribuinte tem de pagar impostos sobre carros com base nas emissões reais apuradas pelo ciclo WLTP. Os Estados têm uma medida para fabricantes – que sabiam destes limites desde 2008 – e outra para os cidadãos.

Finalmente, os fabricantes podem aumentar até 7 g/km o limite de emissões com base em “ecoinovações”. E os produtores pequenos e independentes podem requerer uma derrogação ao objectivo, se cumprirem certos requisitos.

Seja como for, o que se avizinha é uma pequena revolução que provocará mudanças no produto, no preço ou na estrutura do mercado. Resumimos o essencial neste formato de Perguntas e Respostas.

O que muda a 1 de Janeiro de 2020?
Há algum período de transição?
Posso circular num carro que emite mais do que 95 g/km de CO2?
De que forma é que os novos limites afectam as marcas?
​Também há um desconto pelo “peso” nos comerciais ligeiros?
Quero comprar um carro novo. Muda alguma coisa?
Sou vendedor. Muda alguma coisa?
Trabalho na indústria. Corro algum risco?
​Qual é o castigo para os infractores?
1. O que muda a 1 de Janeiro de 2020?

Entra em vigor o regulamento europeu 2019/631 que fixa um objectivo para a frota da União Europeia de 95 gramas de dióxido de carbono (CO2) por quilómetro de emissões médias para os automóveis novos de passageiros e um objectivo para a frota da UE de 147 gramas de CO2 por km de emissões médias de CO2 para os veículos comerciais ligeiros novos matriculados na UE, medidas até 31 de Dezembro de 2020.

2. Há algum período de transição?

Sim, todo o ano de 2020 é considerado de transição, o que significa que só 95% dos carros vendidos terão de cumprir aquele objectivo. Em 2021, terão de ser 100% dos carros vendidos. O que significa que nos ligeiros de passageiros, o limite de 95 g/km se aplica efectivamente a partir de 2021.

3. Posso circular num carro que emite mais do que 95 g/km de CO2?

Sim. Para muitos condutores, a vida parece que continuará igual. O novo limite aplica-se apenas aos carros novos e não aos que já circulam. Mais importante do que isso, os limites de 95 g/km e 147 g/km não se aplicam a um carro concreto. São "objectivos para a frota da UE”, ou seja, são as emissões médias de CO2 de todos os ligeiros (passageiros e comerciais) a alcançar num determinado período. Por outras palavras: a UE quer que todos os carros novos vendidos este ano perfaçam uma média de emissões de até 95 g CO2 por km nos carros novos de passageiros e de 147 g CO2 por km nos comerciais ligeiros.

4. De que forma é que os novos limites afectam as marcas?

A UE definiu emissões médias específicas de CO2 para os fabricantes. Mas os limites poderão mudar de marca para marca, sendo até mais elevados. Isto porque a UE reconhece que o peso dos carros influencia as emissões e cada construtor tem o seu produto. Quanto mais pesado, maior a emissão, pelo que se adopta um factor de ponderação, de 0,0333. O que significa que por cada 100 kg acima de 1379,88 kg (a média da massa em ordem de marcha dos ligeiros de passageiros novos, em kg), cada modelo pode emitir mais 3,33g/km de CO2. Isto significa que uma marca como a Fiat (que na Europa vende carros que poderíamos considerar leves), estará obrigada ao limite de 95 g/km ou pelo menos ficará mais perto disso do que, por exemplo, uma marca como a Land Rover, que tem carros mais pesados. O Financial Times diz que a Mercedes já fez as contas e, por exemplo, terá de cortar três quartos da gama AMG já em 2020.

5. Também há um desconto pelo “peso” nos comerciais ligeiros?

Tal como nos ligeiros de passageiros, a UE aplicará para já um factor de ponderação nos comerciais ligeiros, para ter em conta a influência do peso nas emissões de CO2. Neste segmento, o factor é mais alto: 0,096. Significa que por cada 100 kg de peso adicional, um comercial ligeiro pode emitir mais 9,6 g/km de CO2. O peso “base” dos comerciais é 1766,4o kg.

6. Quero comprar um carro novo. Muda alguma coisa?

Pode mudar nada, para já, como pode mudar tudo. Só daqui a algum tempo se vai perceber como é que indústria, retalho e consumidores vão reagir e adaptar-se a esta nova realidade. Certo é que as novas regras vão pôr os fabricantes a fazer contas a cada unidade vendida, para saber se continuam dentro dos limites de emissões. E isso pode conduzir a mudanças drásticas. Imagine que está de olho num SUV, que emite 180 g/km de CO2. Se o tentar comprar em Setembro, pode arriscar-se a não consegui-lo, porque a marca decidiu não vender mais esse modelo porque contribui fortemente para a subida das emissões específicas do fabricante.

“A solução não é trocar um diesel por um eléctrico, a solução é menos carros”

7. Sou vendedor. Muda alguma coisa?

As emissões médias da frota e as emissões específicas do fabricante são avaliadas com base nos carros novos vendidos. O que significa que é no ponto de venda que se fará sentir desde logo alguma alteração. Por um lado, há marcas que admitem, segundo contactos feitos pelo PÚBLICO, que poderão vir a aumentar o preço de venda de certos modelos, porque caso contrário, não compensa, face às multas que castigarão os infractores. Há quem já fale em aumentos de preço de três mil e quatro mil euros em alguns modelos. Por outro lado, algumas marcas ou fabricantes poderão vir a impor quotas de vendas a concessionários, por exemplo. O que significa que pode haver restrições ao negócio.

8. Trabalho na indústria. Corro algum risco?

Imagine que o fabricante para o qual trabalha decide não vender o modelo X, para ficar dentro do limite de emissões específicas. Se trabalha na linha de produção desse modelo, pode ver-se sem trabalho, por lay off ou, no pior dos casos, por despedimento.

A UE aplicará multas. Cada fabricante pagará 95 euros por cada grama por km de CO2 em excesso nas emissões médias específicas, multiplicado esse valor pelo número de carros vendidos nesse ano. Cálculos feitos por Max Warburton, da consultora Bernestein, indicam que a indústria pagaria 25 mil milhões de euros de multas à UE se vendesse em 2021 o mesmo mix de viaturas que vendeu em 2018 – uma multa que equivale a um terço dos lucros que a indústria teve nesse ano.



Eléctricos e híbridos vão inundar mercado automóvel em 2020

Mais de três dezenas de modelos de baixas emissões serão lançados nos próximos 12 meses. Há carros para quase todos os gostos. O desafio da indústria é o da rentabilidade

Victor Ferreira
Victor Ferreira 30 de Dezembro de 2019, 7:25


Empurradas na Europa para emissões de CO2 ainda mais baixos, as principais marcas de carros vão inundar o mercado com modelos eléctricos e híbridos plug-in. Há um “exército” de três dezenas de modelos à espera de sair das fábricas. Tudo para ajudar os fabricantes a cumprir os novos limites de CO2.

Poder-se-ia pensar que a batalha europeia pela descarbonização do transporte rodoviário entra numa nova fase a 1 de Janeiro de 2020. Mas talvez ainda seja cedo para decretar o início de algo novo. É verdade que a partir desse dia, a Europa impõe emissões de CO2 mais baixas. Nos ligeiros de passageiros passam para 95 g/km. Nos comerciais ligeiros, o limite será 147 g/km. Mas há tantas incógnitas nesta equação que qualquer prognóstico será um exercício temerário.

A indústria teve dez anos para se preparar. Mesmo assim, chegou à véspera ainda aflita. Continuou a explorar um modelo que se provou rentável, assente em carros poluentes, sabendo que estariam condenados num quadro político que aposta na descarbonização. A venda de eléctricos na Europa segue padrões desiguais. Na Letónia, venderam-se 93 em 2018 (0,6% de quota). Na Alemanha, foram 67.504 (2%). Em Portugal, a quota foi das mais altas, 3,4% para 8241 eléctricos vendidos, mais 95% do que em 2017.

Ainda assim, não se pode dizer que tenham sido anos perdidos. A indústria ajudou a reduzir emissões de CO2 na Europa, com a meta de 2015 a ser atingida em 2013. Mas sem a força da lei, teríamos ido tão longe? E com mais ambição, poderíamos ter ido mais além?

Em 2018, UE e Islândia tiveram uma média de emissão de 120.4 g/km. Desde 2010, é uma descida de 14,2%, ou 20 g/km. Mas a troca europeia do diesel para a gasolina, que começou em 2017, conduziu a ligeiros aumentos nas emissões europeias. Portugal fechou esse ano bastante abaixo da média europeia: 106,3 g/km. Apesar de um parque automóvel envelhecido, há uma grande predominância do diesel, que emite menos CO2. Tudo isso ajuda.

Mas chegados a 2020, a média europeia de 120,4 g/km tem de baixar para 95 g/km. Um grande salto, para os gestores da indústria que sabem que podem “mascarar” por agora as contas vendendo carros com 50 g/km de CO2 ou menos porque estes contam a dobrar, o que fará descer a média de emissões da frota. Isto se houver procura.

Estarão os consumidores interessados em abandonar os combustíveis fósseis, sabendo que a Europa tem 144 mil postos de carregamento (e 76% desses estão em apenas quatro países)? Bruxelas promete espalhar um milhão de novos postos pela continente, mas até agora, com preços de mercado nada convidativos, e apoios estatais que mais não são do que subsídios à indústria (sem grande expressão, diga-se), a quota europeia de eléctricos não descolou. É de 2%. No terceiro trimestre deste ano, as vendas de eléctricos cresceram 51,8% na Europa, segundo a associação dos fabricantes na Europa, ACEA. Nesse período, a quota subiu para 3,1%. Com 30 novos modelos, será possível crescer mais rapidamente?

Para os gestores da indústria, uma resposta afirmativa à última pergunta não é razão para sossegar. Porque há uma dúvida maior que os atormenta. E o português Carlos Tavares, que comanda o quarto maior construtor do mundo (PSA-FCA), resumiu-a numa frase ao Financial Times: “De cada vez que vendo um eléctrico, faço menos dinheiro do que faria a vender outra coisa qualquer.”

Thomas Schmid, que está de saída da Hyundai Europa, sintetiza o desafio: “Todos os fabricantes tem a mesma tarefa: melhorar a rentabilidade devido aos tremendos custos da electrificação.”

É portanto uma luta pela própria sobrevivência, por uma reinvenção. Este gestor vê uma vantagem na enxurrada de eléctricos que vai inundar o mercado este ano. Caso as vendas cresçam, os preços poderão baixar gradualmente. Mesmo assim, Schmid duvida que a quota cresça por aí além. Chegar a 30 ou 40% “demorará uns dez anos”, afirma. Até porque as marcas podem controlar a tecnologia, mas não o comportamento do consumidor. E segundo Robert Forrester, CEO do grupo Vertu, que tem mais de 100 lojas no Reino Unido, “há um desequilíbrio entre o que o consumidor procura e o que a indústria lhe quer vender”.

Porém, fazer marcha-atrás não parece solução e, por isso, vão surgir muitos modelos à procura de comprador. Sem ser exaustiva, a lista das novidades é extensa. Nos eléctricos: DS3 Crossback E-Tense; Ford Mustang Mach-E (ainda sem data); Honda e; Mazda MX-30 (fim do ano); Mercedes-Benz EQV; Mini Cooper SE; Fiat 500 Electric; Opel Corsa e; Peugeot e-208; Peugeot 2008; SEAT Mii Electric; Skoda Citigo-e; Volkswagen e-Up; Volkswagen ID3; Tesla Model Y. Nos híbridos plug-in: Audi Q7; BMW X6; Citroën C5 Aircross; DS7 Crossback; Ford Explorer; Ford Kuga; Jeep Compass; Kia Ceed; Kia XCeed; Opel Grandland X; Peugeot 3008; Peugeot 508; Seat Tarraco; Skoda Superb. E nos chamados microhíbridos (mild hybrid): Audi Q7; Audi A6 Allroad; Land Rover Defender. Com Carla B. Ribeiro


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