Redacção da RTP
diz que Flor Pedroso violou
“deveres deontológicos e de lealdade”
Polémicas com
reportagens sobre lítio e o Iscem do programa Sexta às 9 levam a pedido de
demissão já aceite. Redacção lamenta violação dos deveres deontológicos e de
lealdade por parte da directora.
Maria Lopes
Maria Lopes 16 de
Dezembro de 2019, 22:39
Depois do pedido
de demissão de Maria Flor Pedroso do cargo de directora de Informação da RTP,
anunciado ao fim da manhã, o comunicado do plenário de jornalistas realizado na
tarde desta segunda-feira pretende colocar um ponto final nas polémicas que
abalaram a credibilidade da informação do serviço público de televisão. Mas não
o faz sem antes considerar que a intervenção de Maria Flor Pedroso no processo
de investigação do caso Iscem configura uma “violação dos deveres deontológicos
dos jornalistas e de lealdade para com a redacção” da televisão a RTP, lê-se no
comunicado a que o PÚBLICO teve acesso.
O comunicado foi
votado por 63 jornalistas, o que representa um quinto da redacção. No plenário
estiveram muitos mais jornalistas mas, como durou várias horas, com o passar do
tempo a plateia foi diminuindo. A reunião estava a ser transmitida para as
delegações nacionais e internacionais mas na altura da votação as ligações
caíram e o texto foi depois enviado por email para que os jornalistas votassem
num prazo de meia hora.
Na passada
semana, Maria Flor Pedroso admitiu ao conselho de redacção ter sido abordada
pela directora do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (Iscem), que
foi encerrado compulsivamente em Setembro, numa altura em que a equipa do
programa de reportagem Sexta às 9 estava a investigar “suspeitas de corrupção”
naquela instituição que incluíam transacções em dinheiro vivo e dívidas de dois
milhões de euros a um arquitecto. A responsável pela informação da RTP, que
também foi docente daquela instituição de ensino, admitiu que recomendou à
directora do instituto, Regina Moreira, que respondesse às questões colocadas
por escrito. Segundo a directora, tratou-se apenas de uma tentativa de “ajudar”
a investigação.
Depois da
conversa com a directora de Informação, Regina Moreira entrou em contacto com a
jornalista do Sexta às 9 por email a dizer que, por recomendação de Flor
Pedroso, “só iria responder às perguntas do programa por escrito”. Já o
arquitecto autor da segunda acusação acabaria por informar o programa que não
consentia a transmissão de uma entrevista com a RTP que já tinha gravada, uma
vez que a dívida em causa fora entretanto paga. A reportagem acabou por não ser
emitida.
Mas não é só Flor
Pedroso a visada pelas críticas dos jornalistas da redacção de televisão do
operador público: estes lamentam também a “falta de explicações por parte da
directora-adjunta Cândida Pinto”, que não foi ao plenário, “a quem é imputada
conivência com a directora de informação no decorrer da investigação do caso
Iscem”. Cândida Pinto, a quem Maria Flor Pedroso havia dito que o instituto não
dispunha de terminais multibanco e por isso exigia pagamentos em dinheiro aos
estudantes, terá desvalorizado o teor da investigação da equipa do programa e
recomendou que não se prosseguisse com o trabalho.
O caso Iscem foi
conhecido depois de a directora de informação e a coordenadora do programa
Sexta às 9, a jornalista Sandra Felgueiras, se terem contradito em audições no
Parlamento sobre o adiamento do regresso do programa depois das férias e de uma
reportagem que estava agendada desde Julho. O regresso do Sexta às 9 estava
marcado para 11 de Setembro, com uma reportagem sobre o envolvimento duvidoso
de membros do Governo na concessão da exploração do lítio em Montalegre, e só
voltou a 13 de Outubro, com o mesmo tema. A directora justificou o adiamento
com a campanha eleitoral e com o facto de a reportagem não estar pronta em
Setembro; a jornalista alegou que nunca o programa fora suspenso noutro período
eleitoral e que a reportagem podia ter sido emitida em Setembro.
No comunicado, os
jornalistas rejeitam “qualquer tentativa de ingerência externa nas decisões que
[lhes] competem exclusivamente” e reafirmam a “independência e a liberdade como
pedras basilares do jornalismo”, manifestando a “unidade da redacção da RTP-TV
no compromisso de prosseguir” esse caminho. A convocatória para o plenário
destinava-se a todos os jornalistas da televisão, onde se incluem os elementos
da direcção mas, pelo que o PÚBLICO apurou, apenas dois subdirectores estiveram
presentes - nem a directora nem qualquer dos quatro adjuntos compareceu.
Maria Flor
Pedroso pediu a sua demissão à administração de Gonçalo Reis alegando que,
“face à reiterada exposição pública de insinuações, mentiras e calúnias” a que
a sua equipa “é alheia”, e “face aos danos reputacionais causados à RTP”, não
tinha “condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo”.
O conselho de administração considerou não ter “outra alternativa que não seja
aceitar essa decisão” e prometeu encontrar uma nova direcção de informação em
breve.
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