OPINIÃO
O que está em
causa nas dragagens do Sado?
Para um porto
marítimo que contribui para um volume de negócios de 7,9 mil milhões de euros,
era essencial ter realizado uma consulta pública que permitisse uma decisão
informada do que está em causa nas dragagens no rio Sado. Pela forma como o
processo tem sido conduzido, ainda não foi possível perceber.
Nuno Carvalho
19 de Dezembro de
2019, 5:17
As dragagens
começaram no dia 13 de Dezembro
As “dragagens no
rio Sado”, que têm ocupado justo espaço mediático, resumem-se a um projeto para
aprofundamento dos canais de navegação do rio, de modo a permitir a entrada de
navios de maiores dimensões.
A fonte da
polémica em torno deste projeto está numa consulta pública defeituosa que
desaproveitou o estudo de impacte ambiental (EIA) e ignorou o papel de muitos
agentes da economia regional e da sociedade civil. Sendo o EIA um dos melhores
instrumentos de informação sobre decisões políticas que temos ao nosso dispor,
não se compreende a indiferença dos decisores face ao seu conteúdo. O estudo de
impacte ambiental congrega informações ambientais, mas também económicas e
sociais e a sua ampla discussão permite colmatar falhas de informação que possa
conter e que poderão revelar-se fundamentais para uma decisão final.
No caso das
dragagens que se irão realizar no rio Sado, o principal problema reside na
fraca divulgação da consulta pública que, a ter-se realizado corretamente,
permitiria à população e tecido empresarial da região pronunciar-se sobre esta
obra e corrigir nessa fase os muitos erros que são agora apontados. Mas a
consulta pública teve uma parca divulgação através do site da Agência
Portuguesa do Ambiente, do site participa.pt e de um edital afixado na CM de
Setúbal. Ao contrário de outros projetos na região, que mereceram ampla
divulgação e sessões de esclarecimento, motivando a participação na consulta
pública. Foi o caso do Terminal de Contentores do Barreiro ou o aeroporto do
Montijo, por exemplo.
O critério de
consulta direta a entidades revela ainda mais a debilidade deste processo. Não
existiu uma única associação ou cooperativa de pesca que tenha sido convidada a
manifestar-se na consulta pública, estando este sector em risco de perder centenas
de postos de trabalho em resultado desta obra. Por outro lado, entidades como o
Clube Montanhismo da Arrábida e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
mereceram esse convite. É difícil encontrar um critério que justifique a opção
de convidar estas entidades em detrimento de qualquer outra do sector da pesca.
Também não foi convidado um único empresário do sector turístico,
significativamente afetado e com inúmeras preocupações com a perda de valor em
investimentos realizados.
As margens do rio
Sado situam-se em dois concelhos: de um lado Setúbal e do outro Grândola. Só a
Câmara Municipal de Setúbal foi convidada a participar na consulta pública,
quando um dos aterros em resultado desta obra está colado à margem do rio Sado
pertencente a Grândola.
Parece ter sido
mais uma consulta discreta do que uma consulta pública e por essa razão falhou
a transparência e a confiança que este processo devia transmitir. Transparência
nos danos ambientais que esta obra provoca e confiança de que não destrói valor
em outros sectores económicos, especialmente na pesca e turismo. Um projeto com
estas características só está devidamente avaliado após a consulta pública e,
por isso, é fundamental corrigir as falhas da consulta pública, permitindo uma
avaliação que revele tudo o que se ganha e tudo o que se perde com as dragagens
no rio Sado.
É fundamental
perceber se estamos a optar por um Porto de Setúbal com mais movimento e, para
isso, com perdas irreversíveis no ambiente, na pesca e turismo da região. Ou se
é possível conciliar o crescimento do Porto de Setúbal, respeitando o ambiente
e sem danos para a pesca e turismo.
Cabe ao Governo
explicar porque é que não corrigiu as falhas de informação às populações e
tecido empresarial da região quando teve um ano para o fazer desde que se
iniciou o foco mediático e os justos protestos pela falta de informação. Para
um porto marítimo que contribui para um volume de negócios de 7,9 mil milhões
de euros, era essencial ter realizado uma consulta pública que permitisse uma
decisão informada do que está em causa nas dragagens no rio Sado. Pela forma
como o processo tem sido conduzido, ainda não foi possível perceber.
Bióloga Raquel
Gaspar pede aos portugueses que não deixem destruir o estuário do Sado
“Não podemos
permitir que este estuário seja destruído. É uma das zonas mais belas e mais
simbólicas da vida selvagem no nosso país”, apelou especialista. PAN realizou
iniciativa para apurar consequências imediatas das dragagens iniciadas na
quinta-feira.
Lusa 13 de
Dezembro de 2019, 22:44
A bióloga Raquel
Gaspar, fundadora da Ocean Alive, fez esta sexta-feira um apelo emocionado a
todo o país para que não permita a destruição do ecossistema e da comunidade de
golfinhos residentes no estuário do Sado.
“Nós não podemos
permitir que este estuário seja destruído. Este estuário é uma das zonas mais
belas e mais simbólicas da vida selvagem no nosso país”, defendeu a bióloga
marinha, que acompanhou uma iniciativa realizada esta sexta-feira pelo PAN para
se inteirar das consequências imediatas das dragagens iniciadas na
quinta-feira.
“Estes golfinhos estão aqui neste momento por
alguma razão, porque eles precisam da nossa voz, da minha voz e da voz de todos
os portugueses. No dia 19 de Dezembro vai ser votada na Assembleia da República
a proposta de resolução que vai recomendar ao Governo português que pare com as
dragagens no estuário do Sado. Eu peço a todas as pessoas do país que não virem
as costas e a este problema”, acrescentou Raquel Gaspar.
A bióloga marinha
falava aos jornalistas no preciso momento em que um grupo de golfinhos se
aproximou, de forma inesperada, da embarcação marítimo-turística que
acompanhava de longe as primeiras dragagens no rio Sado, que os ambientalistas
dizem ser consequências graves para o futuro.
O projecto de
melhoria das acessibilidades marítimas ao porto de Setúbal, que já tem a
Declaração de Impacte Ambiental da Agência Portuguesa do Ambiente, prevê a
retirada de cerca de 6,5 milhões de metros cúbicos de areias em duas fases, mas
a administração portuária de Setúbal garante que só adjudicou a primeira fase
do projecto (retirada de 3,5 milhões de metros cúbicos de areia e sedimentos) e
que a segunda fase foi abandonada em 2017.
Em qualquer dos
casos, as dragagens que agora se iniciaram tem uma dimensão muito superior ao
que eram as antigas dragagens de manutenção, que, entre 2010 e 2015, de
traduziram na remoção de 680 mil metros cúbicos de areias.
Sem comentários:
Enviar um comentário