O ministro, as
cheias do Mondego e o aeroporto do Montijo
Se o ministro se
preocupa, e bem, com a sustentabilidade das aldeias do Mondego instaladas no
leito de cheia, por que razão não assume a mesma previdência em relação ao
Montijo?
MANUEL CARVALHO
27 de Dezembro de
2019, 6:48
Não se espere que
o ministro do Ambiente passe a ser o que ele não é e deixe de dizer o que pensa
sobre temas quentes sob a sua tutela. João Pedro Matos Fernandes achou
“avisado” dizer que no futuro próximo os valores de compra em segunda mão dos
carros a diesel iriam baixar e não se coibiu de o dizer; quando se levantou um
coro de protestos contra a demolição do Prédio Coutinho, em Viana do Castelo, e
em defesa dos seus resistentes moradores, o ministro não teve medo das palavras
e afirmou que, nesse caso, “os abusados somos todos nós, os poderes públicos”;
e, mais recentemente, disse a propósito das cheias no Baixo Mondego que os
habitantes das aldeias inundadas tinham de começar a pensar em “mudar de sítio”.
O que, como era de esperar num espaço público em que os políticos são
irresponsáveis até prova em contrário, lhe mereceu fortíssimas críticas.
Que os ministros
devem ter o dom da moderação disso ninguém duvida. Que a moderação tem de ser
exponenciada quando em causa estão pessoas ou populações a braços com
particulares dificuldades, como as que desesperam por salvar os seus bens das
cheias, todos estão de acordo. Mas se a oportunidade para comunicar ideias
fortes e polémicas merece censura, convém não esquecer a sua substância. E aí
teremos de reconhecer que, sim, os automóveis a diesel têm o futuro contado,
que os moradores do Prédio Coutinho estão a desobedecer a legítimas decisões do
poder judicial e que as previsões decorrentes das alterações climáticas vão
tornar a viabilidade da vida humana junto de leitos de cheia muito mais difícil
de garantir. Por muito que se façam obras de mitigação de efeitos, por
verdadeira que seja a tese de que o Estado tem sido relapso em bacias como a do
Mondego, esta é uma verdade inconveniente com a qual temos de nos confrontar.
Mas sendo verdade
que vamos ter de nos afastar das zonas costeiras ou das margens de rios mais
sensíveis à crise climática, também é verdade que não faz sentido algum
projectar um aeroporto numa área sujeita aos mesmos riscos e vulnerabilidades.
Mesmo que a pista do Montijo fique a uma cota cinco metros superior à actual,
as previsões apontam para o risco de inundações e de efeitos de tsunami a
partir de 2050 ou 2070. O que nos leva à questão essencial: se o ministro se
preocupa, e bem, com a sustentabilidade das aldeias do Mondego instaladas no
leito de cheia, por que razão não assume a mesma previdência em relação ao
Montijo?
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam
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