quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Mais de 10% dos bebés nascidos em Portugal em 2018 são de mãe estrangeira



Mais de 10% dos bebés nascidos em Portugal em 2018 são de mãe estrangeira

Portugal é na UE o oitavo país com menor proporção de residentes estrangeiros (4,1%). Mas desde 2017 que entram mais pessoas do que as que saem, e a percentagem de filhos de mãe estrangeira está a subir desde 2015. Dados destacados pela Pordata no Dia Internacional das Migrações.

Fernanda Câncio
18 Dezembro 2019 — 00:01

Portugal perdeu quase 300 mil pessoas entre 2010 e 2018, mas parece estar há dois anos a reverter essa sangria. A reversão deve-se sobretudo à imigração, já que o saldo natural - a diferença entre óbitos e nascimentos - se agravou apesar de um ligeiro (1%) aumento na natalidade.

O saldo migratório passou a positivo desde 2017, e o número de bebés nascidos de mães estrangeiras voltou em 2018 a subir acima dos 10%, o que não sucedia desde 2011, quando foi de 10,6%.

Foram 9389 no total de 87 020 bebés nascidos em 2018 filhos de mães residentes em território nacional. Trata-se de uma percentagem ligeiramente superior a 10,7% e que confirma a subida observada a partir 2015, quando atingiu o seu valor mais baixo - 8,4% - desde 2008.

Já o saldo migratório positivo deve-se ao facto de terem entrado 43 170 mil pessoas com intenção de residir um ano ou mais no país; as que saíram com a mesma perspetiva foram 31 884 mil.

"Continuamos a perder população mas estamos a perder menos. E a única solução viável para reverter esta perda a curto prazo é a migratória. Se mantivermos esta tendência nos próximos dois, três anos o saldo global passará a ser positivo."

De notar que cerca de um terço dos imigrantes referidos (14 570) têm naturalidade portuguesa, ou seja, trata-se de portugueses que emigraram durante um ano ou mais, e, em termos técnicos, são considerados imigrantes no seu regresso a Portugal. Desde 2010 (16 079) que não havia tantos imigrantes de naturalidade portuguesa. Quanto ao número de estrangeiros, 28 600, é o maior dos últimos dez anos.

Estas são algumas das principais conclusões que se retiram dos números apresentados nesta quarta-feira, Dia Internacional das Migrações, pela Pordata.

"Estamos sempre muito preocupados com o défice orçamental mas o défice de população é muito importante para o futuro", comenta Gonçalo Saraiva Matias, especialista em direito das migrações e membro do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos (a que pertence a Pordata). "E é muito interessante esta atenuação do défice demográfico. Continuamos a perder população mas estamos a perder menos. E a única solução viável para reverter esta perda a curto prazo é a migratória. As políticas de natalidade são importantes mas levam muito tempo a fazer efeito. Se mantivermos esta tendência nos próximos dois, três anos, o saldo global passará a ser positivo."

Mais 400% de franceses e 21 vezes mais nepaleses
Um estudo de 2017 estima que, apenas para manter a população de 10,4 milhões em 2060, Portugal precisará de receber, por ano, mais 47 mil pessoas do que as que saem; já para manter a atual percentagem de população em idade ativa, precisaria de quase duplicar esse número, recebendo 75 mil imigrantes anualmente.

Em contrapartida, se fechasse as fronteiras, o país chegaria aos 7,8 milhões daqui a 40 anos, com uma população muito envelhecida.

São os cálculos feitos em Migrações de Substituição e Sustentabilidade Demográfica: Perspetivas de Evolução da Sociedade e Economia Portuguesas por uma equipa de investigadores da Universidade de Lisboa, do ISCTE, da Universidade de Aveiro e do Instituto Politécnico de Castelo Branco, também financiado pela FFMS.

Atendendo a que o país é na UE dos oito com mais baixa proporção de população estrangeira residente - 4,1% -, logo acima da Hungria (1,7%), conhecida pela sua política anti-imigração, nem parece que, como sublinha Gonçalo Saraiva Matias, "se encontra em segundo lugar no ranking europeu de qualidade de integração legislativa, o MIPEX 4, logo a seguir à Suécia".

Portugal é o oitavo país da UE com menos estrangeiros em percentagem da população, com apenas 4,1%, logo acima da Hungria, que tem uma política ferozmente anti-imigração.

Frisando que a qualidade legislativa não é o mesmo que a prática (em relação à qual não há aferição), o jurista, que dirigiu o Observatório das Migrações, integrou a Casa Civil de Cavaco Silva de 2008 a 2014 e foi nomeado secretário de Estado adjunto e para a Modernização Administrativa no segundo governo de Passos Coelho, aponta outra explicação para os baixos números da imigração em Portugal: "A imigração é muito racional, responde muito à situação económica."

O que não significa que responda apenas a isso; a Hungria, que com Portugal faz parte dos 20 países do mundo nos quais a população está a diminuir mais rapidamente (sendo que Portugal está em 17.º, com uma previsão de perda de 10,9% até 2050, enquanto a Hungria, com uma estimativa de menos 12,3%, está em 14.º), apresenta bons indicadores económicos e nem por isso é atrativa. "Claro que os países podem e devem desenvolver políticas de atração de imigrantes - seja pela via fiscal seja pela concessão de vistos. Por exemplo, cá uma das principais nacionalidades a crescer foi a francesa, graças aos incentivos fiscais."

Dos 477 472 estrangeiros contabilizados em 2018 com estatuto legal de residente em Portugal, 19 771 são franceses, mais 400% do que em 2008; trata-se da segunda comunidade estrangeira que mais cresceu nos últimos dez anos. A primeira é a nepalesa, que aumentou de 560 indivíduos para 11487, ou seja, 21 vezes (ou 1950%). Este crescimento exponencial deve-se, explica Gonçalo Saraiva Martins, ao facto de os nepaleses estarem a concentrar-se na zona de Odemira, para trabalho agrícola. A percentagem de estrangeiros nesse município é de 24,8% da população total - um quarto, portanto.


Mas a maior comunidade estrangeira em Portugal é de longe a brasileira: são um quarto dos residentes legais (104 504). Seguem-se os cabo-verdianos (34 444), os romenos (30 908) e os ucranianos (29 197). Foram também os brasileiros que levaram o maior quinhão de concessões de nacionalidade em 2018 (6928), com um terço do total de 21 333. Seguiram-se os cabo-verdianos (3640) e os ucranianos (1752).

A média de "novos portugueses" por atribuição de nacionalidade tem andado nos 22 mil por ano desde 2008, com 2016 no top (25 104).

Imigrantes são bons para a economia e até pagam mais impostos
Como se distribui a nacionalidade das mães estrangeiras não é adiantado pela Pordata, mas é curioso assinalar que as zonas do país com maior índice de fecundidade em 2018, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, foram a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve, respetivamente com 1,72 nados-vivos e 1,71 nados-vivos por mulher em idade fértil (a média nacional foi de 1,41), que são também aquelas onde residem mais imigrantes.

Assim, cerca de dois terços dos estrangeiros com estatuto de residente vivem na Área Metropolitana de Lisboa (50%) e no Algarve (16%). Nesta zona, há municípios onde a percentagem de estrangeiros ultrapassa a 30% da população. É o caso de Vila do Bispo e Albufeira. Já o município de Lisboa concentra 16% do total de estrangeiros residentes no país, que correspondem a 15,5% da população na autarquia.

Os destaques da Pordata não cruzam estes números com os do emprego, apenas nos dizem que 2,5% do total da população com emprego em Portugal é estrangeira, e que a taxa de desemprego dos estrangeiros em 2018 foi de 11,6%, superior em mais de quatro pontos percentuais à dos residentes nacionais (7%) - o que coloca o país, na EU, em nono lugar na percentagem de estrangeiros desempregados.

Em todo o caso, trata-se de uma percentagem e de uma diferença insignificantes se tivermos em conta as contabilizadas na Suécia (4,8% de desemprego para nacionais e 22% para estrangeiros) ou na Grécia (18,8%/27%). Curiosamente, o país com maior percentagem de estrangeiros residentes (47,8%), o Luxemburgo, tem das diferenças mais pequenas (4,4%/6,6%), e o Reino Unido do Brexit também (3,9%/4,6%).

Uma análise de investigadores britânicos concluiu que os imigrantes de países da UE que entraram no Reino Unido entre 2000 e 2011 pagaram mais 34% de impostos que aquilo que receberam em benefícios e apoios - contrastando com os próprios britânicos, que em média receberam mais 11% em benefícios que aquilo que pagaram.

Como interpretar estes números? Os imigrantes "roubam" empregos e "sugam" apoios, como pretendem alguns, a começar pela extrema-direita? Pelo contrário, certifica um texto publicado em 2017 no site da FFMS, invocando vários estudos internacionais.

Cita por exemplo o economista Michael Clemens, do Centro para o Desenvolvimento Global, que em 2011, num estudo publicado no Jornal of Economics Perspectives, afiançava ser o aumento da emigração dos países em vias de desenvolvimento "a maior oportunidade de prosperidade à escala global". De acordo com as suas previsões, se 5% da população destes países se deslocasse para outros mais desenvolvidos, o PIB mundial cresceria em vários biliões de dólares por ano. Ou seja, concluía, essa migração seria mais benéfica para a economia mundial do que a eliminação de todas as barreiras ao comércio e aos fluxos de capitais.

Uma estimativa em que o Banco Mundial concorre: "Se os imigrantes aumentassem a força de trabalho dos países desenvolvidos em 3%, o PIB mundial cresceria 356 mil milhões de dólares (0,6%) em 2025."

Já Christian Dustmann e Tommaso Frattini, do University College London, investigaram o peso dos imigrantes nas contas do Reino Unido, para concluir que estes pagaram mais impostos que os britânicos. A investigação analisou as contas de deve e haver relativas aos imigrantes dos outros países da UE que entraram no país entre 2000 e 2011 e descobriu que estes pagaram mais 34% de impostos que aquilo que receberam em benefícios e apoios - contrastando com os próprios britânicos, que em média receberam mais 11% em benefícios do que aquilo que pagaram (o que, claro, também se explicará com o sistema de reformas).

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