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EDITORIAL
Vergonha…
Um político com a
experiência de Ferro Rodrigues devia saber que os populistas infiltrados no
coração da democracia se alimentam da provocação. Dar-lhes fio à estrela é
criar-lhes palco e promover o seu reconhecimento.
MANUEL CARVALHO
14 de Dezembro de
2019, 6:52
O Parlamento não
aprendeu a lidar com os populistas que lhe entraram portas adentro e o seu
presidente, o muito honorável e vetusto Eduardo Ferro Rodrigues, ainda acredita
que o hemiciclo é habitado em exclusivo por cavalheiros de bons modos e finas
falas. Foi por isso que caiu no disparate de criticar André Ventura pelo uso e
abuso da palavra “vergonha”. Disparate porque, que se saiba, dizer que uma
política é “vergonhosa” não ofende a cidadania habituada ao crescendo de
linguagem agressiva nos últimos anos ou às histórias de deputados que
falsificam as suas presenças ou os seus endereços para receber mais ajudas de
custo. Disparate ainda maior porque um político com a experiência de Ferro
Rodrigues devia saber que os populistas infiltrados no coração da democracia se
alimentam da provocação. Dar-lhes fio à estrela é criar-lhes palco e promover o
seu reconhecimento.
Nada do que se
passou no lamentável incidente entre o presidente da assembleia e o deputado
faz sentido. O discurso de André Ventura é uma vergonha pela demagogia, não
tanto pelas palavras que usou para a desenvolver. Até porque um parlamento é um
espaço de irrestrita liberdade onde só o bom senso, a moderação, a tolerância e
o respeito pelo pluralismo têm de ser definidos de forma ampla. Não compete ao
seu presidente determinar se o uso, mesmo reiterado, da palavra “vergonha” cabe
ou não cabe nessas regras. Até porque cabe. Porque a palavra não choca nem
surpreende no léxico parlamentar. E porque é normal que o deputado, à luz do seu
programa, sinta rubor na face, ou opróbrio, ou receio de desonra por ter de
discutir na casa da democracia. É bom que André Ventura se sinta envergonhado.
Os que não simpatizam com o seu discurso, ficam até satisfeitos por isso.
Ao censurar esse
direito banal ao deputado como forma de defender o “prestígio” do Parlamento,
Ferro Rodrigues excedeu-se. Mostrou preconceito, porque em variadíssimas vezes
os deputados do Bloco ou do CDS usaram palavras equivalentes ou mais graves sem
que isso o preocupasse. Mostrou que não sabe como moderar os instintos
extremistas e manipuladores de uma certa direita. E mostrou que não percebe o
processo de construção de projectos políticos como o do Chega. Juntando todas
estas falhas, André Ventura pode expor-se como vítima, transformou o arrufo
numa questão de Estado que reclama a intervenção do Presidente, e, mesmo até
para os que execram as suas ideias e as suas palavras, pôde surgir em público
como o paladino no combate contra uma certa classe política que se julga dona do
país. Uma vergonha.
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