quinta-feira, 25 de julho de 2019

Eles vigiam-nos e têm de ser vigiados / “É tempo de dividir o Facebook”, diz co-fundador da rede social



EDITORIAL
Eles vigiam-nos e têm de ser vigiados

A assunção de culpa do Facebook, as consequências nefastas deste escândalo que não cessam de ter impacto ainda hoje, devem-nos fazer repensar seriamente o papel que estas empresas têm nas nossas vidas.

David Pontes
26 de Julho de 2019, 5:28

São 4,5 mil milhões de euros. É um número esmagador, bastante difícil de processar na escala humana em que a maioria de nós vive. Talvez ajude a perceber a dimensão se soubermos que este valor é nove vezes o orçamento do Ministério da Cultura português para 2019 ou que, durante o ano de 2018, a UNICEF gastou “só” três mil milhões de euros no apoio às crianças de 150 países.

Porque “nunca passamos tempo suficiente com os nossos avós”
Mas foi esse valor recorde de 4,5 mil milhões que o Facebook aceitou pagar à Comissão Federal do Comércio dos EUA para cessar as investigações abertas nos últimos dois anos por violação da privacidade dos utilizadores desta rede social. A este número vale a pena ainda acrescentar o meio milhão de euros em que foi multado no ano passado pela agência britânica de protecção, porque o escândalo tem um nome comum dos dois lados do Atlântico: Cambridge Analytica.

Esta foi a empresa que, através de dados recolhidos no Facebook, primeiro ajudou os defensores do “Brexit” a vencer no referendo e depois Donald Trump a conquistar a presidência dos Estados Unidos. Não por acaso, teve como seu vice-presidente Steve Bannon e como financiador o milionário conservador Robert Mercer, que em nada se importam que o caminho para essas vitórias se alicerce na polarização das comunidades onde actuaram.

A assunção de culpa do Facebook, as consequências nefastas deste escândalo que não cessam de ter impacto ainda hoje, devem-nos fazer repensar seriamente o papel que estas empresas têm nas nossas vidas e a forma como utilizam aquilo que se transformou num dos recursos mais valiosos do mundo, os nossos dados pessoais.

Necessitamos de vigilantes mais atentos, de regulamentos aplicados com inflexibilidade e da força de autoridades transnacionais como a União Europeia que, não por acaso, é vista do outro lado do Atlântico como a única entidade capaz de enfrentar estes poderosos gigantes norte-americanos. E esta é também uma corrida contra o tempo, contra a normalização da utilização indevida dos nossos dados, pois a geração que nasceu já com a Internet parece cada menos sensível ao destino que lhes é dado.

É preciso muita força, se calhar até partir o Facebook em bocados, para contrariar a lógica dos números. Porque cinco mil milhões de euros de multa podem parecer-nos muito dinheiro mas, afinal, o que é isso para uma empresa que no primeiro trimestre de 2018 facturava 565 mil euros a cada cinco minutos e meio?


“É tempo de dividir o Facebook”, diz co-fundador da rede social
Chris Hughes, co-fundador do Facebook, assina um artigo de opinião no New York Times em que alerta para a necessidade de fragmentar o Facebook e de a companhia ser sujeita ao controlo de reguladores.

Sebastião Almeida 10 de Maio de 2019, 11:12

Depois de ter ajudado Mark Zuckerberg a tornar o Facebook numa das empresas mais poderosas do mundo, Chris Hughes, co-fundador da rede social, defende que a companhia deve ser dividida e regulada pelo Governo norte-americano. Num longo artigo de opinião publicado quinta-feira no New York Times, Hughes diz que Zuckerberg tem um poder sem precedentes e uma “influência muito maior do que alguém no sector privado ou no Governo”. É por isso, afirma, altura de os reguladores dividirem a rede social.

 “O Mark é boa pessoa. Mas estou zangado que a sua ambição de crescer o tenha levado a sacrificar a segurança e civilidade por cliques”, escreveu Hughes. “Estou desapontado comigo e com a equipa inicial do Facebook por não termos previsto de que forma o algoritmo do feed de notícias poderia mudar a nossa cultura, influenciar eleições e dar poder a líderes nacionalistas”, acrescentou. “Estou preocupado que o Mark se tenha rodeado de uma equipa que apenas reforça as suas crenças em vez de as questionar.”

Hughes é apenas uma das muitas personalidades ligadas à área da tecnologia que, nos últimos tempos, têm alertado para a necessidade de a rede social e outras plataformas online serem sujeitas a regulamentação mais apertada. O criador do Facebook, por sua vez, deu a entender, num artigo de opinião publicado no Washington Post, em Março, que estaria aberto à possibilidade de reguladores exercerem algum controlo sobre a sua empresa em determinados sectores.

O co-fundador, que deixou a empresa há mais de uma década, acredita que a ambição e competitividade de Mark Zuckerberg foram os factores determinantes que levaram o Facebook a controlar cerca de 80% da receita gerada através das redes sociais. O empresário considera ainda que a companhia é agora “um poderoso monopólio” que deveria ser obrigado a largar o controlo do Instagram e do WhatsApp. Hughes argumenta também que o Governo norte-americano deveria criar uma agência de notícias para regular as companhias tecnológicas.

“Zuckerberg criou um gigante que consome o empreendedorismo e restringe a escolha do consumidor. É dever do nosso Governo assegurar que nunca perdermos a magia da mão invisível”, escreveu o empresário.

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