EDITORIAL
Eles vigiam-nos e
têm de ser vigiados
A assunção de
culpa do Facebook, as consequências nefastas deste escândalo que não cessam de
ter impacto ainda hoje, devem-nos fazer repensar seriamente o papel que estas
empresas têm nas nossas vidas.
David Pontes
26 de Julho de
2019, 5:28
São 4,5 mil
milhões de euros. É um número esmagador, bastante difícil de processar na
escala humana em que a maioria de nós vive. Talvez ajude a perceber a dimensão
se soubermos que este valor é nove vezes o orçamento do Ministério da Cultura
português para 2019 ou que, durante o ano de 2018, a UNICEF gastou “só” três
mil milhões de euros no apoio às crianças de 150 países.
Porque “nunca
passamos tempo suficiente com os nossos avós”
Mas foi esse
valor recorde de 4,5 mil milhões que o Facebook aceitou pagar à Comissão
Federal do Comércio dos EUA para cessar as investigações abertas nos últimos
dois anos por violação da privacidade dos utilizadores desta rede social. A
este número vale a pena ainda acrescentar o meio milhão de euros em que foi
multado no ano passado pela agência britânica de protecção, porque o escândalo
tem um nome comum dos dois lados do Atlântico: Cambridge Analytica.
Esta foi a
empresa que, através de dados recolhidos no Facebook, primeiro ajudou os
defensores do “Brexit” a vencer no referendo e depois Donald Trump a conquistar
a presidência dos Estados Unidos. Não por acaso, teve como seu vice-presidente
Steve Bannon e como financiador o milionário conservador Robert Mercer, que em
nada se importam que o caminho para essas vitórias se alicerce na polarização
das comunidades onde actuaram.
A assunção de
culpa do Facebook, as consequências nefastas deste escândalo que não cessam de
ter impacto ainda hoje, devem-nos fazer repensar seriamente o papel que estas
empresas têm nas nossas vidas e a forma como utilizam aquilo que se transformou
num dos recursos mais valiosos do mundo, os nossos dados pessoais.
Necessitamos de
vigilantes mais atentos, de regulamentos aplicados com inflexibilidade e da
força de autoridades transnacionais como a União Europeia que, não por acaso, é
vista do outro lado do Atlântico como a única entidade capaz de enfrentar estes
poderosos gigantes norte-americanos. E esta é também uma corrida contra o
tempo, contra a normalização da utilização indevida dos nossos dados, pois a
geração que nasceu já com a Internet parece cada menos sensível ao destino que
lhes é dado.
É preciso muita
força, se calhar até partir o Facebook em bocados, para contrariar a lógica dos
números. Porque cinco mil milhões de euros de multa podem parecer-nos muito
dinheiro mas, afinal, o que é isso para uma empresa que no primeiro trimestre
de 2018 facturava 565 mil euros a cada cinco minutos e meio?
“É tempo de
dividir o Facebook”, diz co-fundador da rede social
Chris Hughes,
co-fundador do Facebook, assina um artigo de opinião no New York Times em que
alerta para a necessidade de fragmentar o Facebook e de a companhia ser sujeita
ao controlo de reguladores.
Sebastião Almeida
10 de Maio de 2019, 11:12
Depois de ter
ajudado Mark Zuckerberg a tornar o Facebook numa das empresas mais poderosas do
mundo, Chris Hughes, co-fundador da rede social, defende que a companhia deve
ser dividida e regulada pelo Governo norte-americano. Num longo artigo de
opinião publicado quinta-feira no New York Times, Hughes diz que Zuckerberg tem
um poder sem precedentes e uma “influência muito maior do que alguém no sector
privado ou no Governo”. É por isso, afirma, altura de os reguladores dividirem
a rede social.
“O Mark é boa pessoa. Mas estou zangado que a
sua ambição de crescer o tenha levado a sacrificar a segurança e civilidade por
cliques”, escreveu Hughes. “Estou desapontado comigo e com a equipa inicial do
Facebook por não termos previsto de que forma o algoritmo do feed de notícias
poderia mudar a nossa cultura, influenciar eleições e dar poder a líderes
nacionalistas”, acrescentou. “Estou preocupado que o Mark se tenha rodeado de
uma equipa que apenas reforça as suas crenças em vez de as questionar.”
Hughes é apenas
uma das muitas personalidades ligadas à área da tecnologia que, nos últimos
tempos, têm alertado para a necessidade de a rede social e outras plataformas
online serem sujeitas a regulamentação mais apertada. O criador do Facebook,
por sua vez, deu a entender, num artigo de opinião publicado no Washington
Post, em Março, que estaria aberto à possibilidade de reguladores exercerem
algum controlo sobre a sua empresa em determinados sectores.
O co-fundador,
que deixou a empresa há mais de uma década, acredita que a ambição e
competitividade de Mark Zuckerberg foram os factores determinantes que levaram
o Facebook a controlar cerca de 80% da receita gerada através das redes
sociais. O empresário considera ainda que a companhia é agora “um poderoso
monopólio” que deveria ser obrigado a largar o controlo do Instagram e do
WhatsApp. Hughes argumenta também que o Governo norte-americano deveria criar
uma agência de notícias para regular as companhias tecnológicas.
“Zuckerberg criou
um gigante que consome o empreendedorismo e restringe a escolha do consumidor.
É dever do nosso Governo assegurar que nunca perdermos a magia da mão
invisível”, escreveu o empresário.
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