ENTREVISTA PEDRO GADANHO
“António Mexia disse-me que o meio artístico não estava a
apreciar o meu trabalho”
Na sua primeira entrevista desde que deixou, no último dia
de Junho, o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, o seu primeiro director
faz um balanço positivo da passagem pelo MAAT ao qual diz ter trazido
“reconhecimento internacional”. Considera o meio artístico português fechado e
acredita que a sua saída foi provocada por um “mexerico”.
Isabel Salema 5 de
Julho de 2019, 7:30
Uma semana depois de ter saído da direcção do Museu de Arte,
Arquitectura e Tecnologia (MAAT), onde chegou em 2015 com a sua experiência de
curador de arquitectura do Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque, Pedro
Gadanho diz nesta entrevista que esperava ter visto o seu contrato renovado por
mais três anos, uma vez que era renegociável. Não foi essa a vontade de António
Mexia, líder executivo da EDP e também presidente da fundação cultural do
grupo, que irá substituir o arquitecto por um novo director que deverá ser
anunciado antes do final deste mês.
No final de Agosto, o arquitecto Pedro Gadanho regressa aos
Estados Unidos com uma bolsa de um ano atribuída pela Graduate School of Design
da Universidade de Harvard, a prestigiada Loeb fellowship, para se focar na
investigação: “Apercebi-me de que os museus não são a melhor plataforma para
comunicar sobre questões graves que estão a acontecer, como a crise climática.
Se calhar, estar a actuar mais directamente na cidade, seja com artistas,
arquitectos ou outros actores, é mais importante neste momento.”
Quais são as razões da sua saída da direcção do MAAT? Por
que é que não ficou mais três anos, como era expectável?
A administração da Fundação EDP não quis renovar o contrato.
Uma coisa perfeitamente legítima, que não pude se não aceitar. Na altura,
fiquei abalado, porque se soubesse garantidamente que só vinha trabalhar três
anos no lançamento do museu era provável que não largasse a posição que tinha
no MoMA, um museu de prestígio internacional. Mas, como eram essas as regras do
jogo, entrámos numa negociação que foi francamente positiva. Pela minha
experiência, sugeri que poderia não ser assim tão rápido encontrar um novo
director, disponibilizando-me para fazer a transição durante nove meses e
garantindo também a conclusão de uma programação aprovada dois meses antes.
Por que é que não houve a renovação do contrato?
Não me foram dadas razões.
E que leitura faz?
Houve uma explicação que me foi dada por António Mexia muito
directamente. Que tinha “sondado” o meio artístico e que este não estava a
apreciar o trabalho que eu estava a fazer. Como não fui confrontado com factos
concretos, não tinha grandes razões para contrapor fosse o que fosse. Apesar de
tudo, claro que o meu balanço é um pouco mais positivo do que isso. A nível do
reconhecimento internacional, foi feito um trabalho difícil, que é afirmar um
novo museu a partir de uma condição periférica como a cidade de Lisboa, apesar
de esta estar a viver um bom momento de visibilidade, com uma programação que
pudesse ser respeitada pelos pares. A esse nível, pelo que fui circulando
exteriormente, sei que houve um reconhecimento internacional do museu, porque
só assim é que certos artistas acabavam por aceitar convites para trabalhar com
o MAAT.
Como é que vê esse meio que supostamente não gosta do seu
trabalho? Qual é a reflexão que faz sobre essa opinião, agora que passaram nove
meses sobre o anúncio da saída?
Terão de ser outras pessoas a fazer a avaliação. Só posso
dar a minha própria impressão que é, claro, parcial. Nunca senti que houvesse
um feedback público sobre o trabalho que estava a ser feito.
Além da visibilidade internacional, que balanço faz do
trabalho de um museu que tem uma missão, reflectida no nome, ligada à arte,
arquitectura e tecnologia?
Devo dizer que o balanço é muito positivo, porque sempre me
senti privilegiado por estar numa posição que era quase contracorrente em
relação a um museu de arte moderna e contemporânea em Portugal. Em que havia a
possibilidade, o budget — 1,5 milhões de
euros anuais —, de fazer um programa realmente ambicioso. Fizemos 18 exposições
por ano, um ritmo muito intenso, graças a uma equipa fantástica, que teve o
apoio da Fundação EDP. Fazer muito num curto período de tempo é o lado mais
positivo da experiência.
Lançar um museu é uma experiência única, podia ter corrido
mal mas quanto a mim correu muito bem, inclusive a nível da imagem da EDP. Foi
um contributo positivo para a imagem da EDP.
Não é difícil trabalhar um leque tão alargado de temas:
arte, arquitectura e tecnologia?
Curiosamente sempre vi isso ao contrário. O facto de
trabalhar arte contemporânea, a base da colecção da Fundação EDP, relacionada
com arquitectura, cidade e tecnologia, era estar a afunilar.
Se a programação for vista nesse sentido, é bastante coesa e
direccionada, porque trata dessas relações interdisciplinares entre a arte
contemporânea e as outras duas, explorando interligações entre aspectos da
realidade actualmente muito presentes. Nesse sentido, o programa pôde ser menos
autoral, menos uma escolha de uma rede pessoal de artistas.
Qual foi a exposição que melhor simbolizou essa leitura do
programa que delineou?
A mais importante e que continua a gerar frutos é, sem
dúvida, Ecovisionários: Arte e Arquitectura após o Antropoceno [2018], que está
agora no Matadero, em Madrid, e em Novembro vai para a Royal Academy, em
Londres. É uma exposição verdadeiramente internacional, porque foi uma parceria
entre quatro instituições, os museus Bildmuseet (Suécia), HeK (Suíça), o
Laboral (Espanha) e o MAAT, sobre um tema que se tem revelado cada vez mais
incontornável: a crise climática e as suas consequências no nosso quotidiano.
Cruza as visões de artistas e de arquitectos com reflexões sobre ambiente
construído, recursos, energia, extracção.
O facto de não ter havido nenhuma repercussão mediática
sobre a exposição em Portugal — zero de crítica e de reflexão —, talvez tenha
gerado em mim o choque de querer mudar de contexto. Fomentar o debate é a
função de uma exposição como esta.
O que é que isso diz sobre a capacidade de comunicar da
exposição?
Diz, obviamente, em primeiro lugar, algo sobre a capacidade
do museu de posicionar esse tema junto dos media, mas também diz muito sobre o
interesse dos media portugueses em reflectir sobre certas questões.
Para mim, representou um momento-chave em que percebi que
talvez o museu não seja a instituição que permite lançar debates públicos
importantes.
O que explica a minha escolha de ir para Harvard fazer um
curso quase de reciclagem e voltar à ideia de cidade, de forma mais abrangente.
Foi importante como reflexão pessoal para perceber onde queria colocar-me a
partir de um momento em que me envolvi com um assunto como as alterações
climáticas, que considero absolutamente urgente e que me convocou de forma
total.
Em relação ao meio artístico português como é que vê o seu
trabalho no MAAT?
Nós cumprimos de forma rigorosa aquilo que foi o propósito
inicial: manter uma programação equilibrada entre a presença de artistas
portugueses e estrangeiros. A estratégia era não só permitir novos diálogos
entre artistas, mas atrair um público que, não conhecendo os artistas
portugueses, viesse por causa de um nome internacional mais conhecido.
Queríamos um equilíbrio entre as mid career survey de artistas portugueses, os
project rooms de artistas portugueses, o Cinzeiro 8 dedicado a projectos mais
emergentes e depois exposições colectivas, que também tinham artistas
portugueses, sobre temas mais internacionais, que nos permitiam trazer nomes
internacionais para o museu.
Na Sala Oval, tratava-se de convidar artistas de renome
internacional que tivessem capacidade de trabalhar num espaço de mais de 1000
metros quadrados. Era um equilíbrio procurado, capaz de oferecer um balanço e
uma plataforma realmente internacional. Ser só um museu que mostra artistas
portugueses não é, necessariamente, ser capaz de revelar esses artistas
portugueses a uma audiência mais internacional.
E por que é que esse meio aparentemente não se reviu nesse
trabalho?
Não faço ideia. Isso para mim foi apenas um mexerico.
Acha que é injusto?
Não acho que é justo nem injusto. Acredito que haja pessoas
dentro do meio que se revêem noutro tipo de programação. Também por isso
considero positivo que agora venha alguém que possa oferecer essa outra versão
que agrade mais a esse suposto meio da arte portuguesa.
A verdade é que o meio da arte portuguesa é muito fechado, é
provinciano. Está a fazer esse esforço de internacionalização, mas ainda assim
está pouco habituado a consumir arte internacional. Talvez por isso, às vezes,
cause algum incómodo quando surgem alguns nomes internacionais em destaque.
Sentiu alguma dificuldade em fazer a transição de uma
curadoria mais ligada à arquitectura, que é a sua formação, para uma de arte
contemporânea?
Não, não.
Esse défice também não pode ser seu?
Pode ser. Num meio muito auto-protector, as pessoas que
olhassem de um modo superficial para aquilo que era o meu background, achando
que eu vinha de fora do campo da arte, podiam considerar que era, à partida, um
défice. Mas a verdade é que o meu mestrado foi em arte e arquitectura e a
partir daí estive sempre ligado ao campo da arte contemporânea. Já no MoMA as
minhas exposições foram muito baseadas na intercessão da arte e da
arquitectura, aproveitando o facto de estar em contacto com uma colecção absolutamente
incrível, como Endless House, Intersections of Art and Architecture, com obras
de Bruce Nauman e Louise Bourgeois, entre muitos outros.
Trabalhou no Departamento de Arquitectura do MoMA…
… as pessoas também podem estar a fazer uma confusão entre as
funções de curadoria e de direcção.
No MAAT, eu reservei para mim projectos muito específicos
que falavam claramente de relações entre arte e arquitectura e convidei muitos
curadores de arte contemporânea para fazerem exposições de arte contemporânea.
Aliás, houve abertura para convidar curadores portugueses que não vejo noutros
museus, porque nós demos visibilidade institucional a alguns curadores pela
primeira vez. Se calhar, como houve uma direcção mais aberta, ou menos imune a
interesse do campo artístico, tivemos uma abertura excepcional a outros
olhares.
A direcção teve a função de lançar o museu, deve fazer a sua
gestão, garantindo, por exemplo, que as exposições abrem na data em que estão
programadas. A partir da missão da Fundação EDP, deve garantir um apoio ao
meio, não só aos artistas mas também aos curadores, a todos os actores do
campo.
PÚBLICO -Foto A
estratégia era não só permitir novos diálogos entre artistas, mas atrair um
público que, não conhecendo os artistas portugueses, viesse por causa de um
nome internacional mais conhecido"
Fui curador de cerca de doze exposições em mais de 50.
Co-curador, porque sempre trabalhei em co-curadoria. Também achava que esse era
o diálogo interessante e produtivo.
Como é que olha para o edifício depois de um convívio de
quatro anos?
Ao contrário do que foi também a percepção do meio
arquitectónico, que resistiu obviamente a uma linguagem a que não estão
habituados, o edifício é extremamente convidativo. Conseguiu vencer a
resistência de um público mais geral à arquitectura contemporânea e activou
aquela área da cidade.
Sempre disse que seria um desafio a programação contornar
essa atractividade tão grande do edifício. Levámos agora o Xavier Veilham para
a cobertura para responder, ironicamente, a essa transformação do edifício
quase num bellevue, num novo ponto de vista da cidade.
Qual é o espaço que gosta mais de programar?
Procurei não ir contra os espaços, até pela minha
sensibilidade de arquitecto, mas adaptar-me à sua natureza. Daí ter definido,
desde muito cedo, tipologias de exposições para espaços diferentes. A Sala Oval
tem a vantagem de não ser o white cube tradicional, de seguir a linha de
projectos site-specific.
O diálogo que se constrói entre artista e curadoria para
dominar aquele espaço é muito interessante.
Por isso, o edifício de Amanda Levete foi fácil de
trabalhar?
Para mim foi fácil porque defini uma estratégia, mas
lembro-me de ter tido logo no início reacções de curadores do mundo da arte
contemporânea a dizer que era um espaço difícil.
O que é que não fez e gostava de ter feito?
Depois da afirmação da programação, gostaria de ter começado
a conversar mais com os vizinhos em Belém. Usar a dimensão catalisadora do
edifício para melhorar urbanisticamente aquela zona da cidade.
Apesar da nova ponte do MAAT, continua a haver problemas
infra-estruturais de acesso, não há transportes públicos para chegar ao museu e
a cidade continua separada. A via rápida de acesso ao museu pode ser
redesenhada para haver mais passeio. Como é que a presença do museu pode ajudar
a cidade a desenvolver-se.
Tive visitantes estrangeiros, que não conheciam a cidade,
que não conseguiam chegar ao MAAT porque não encontravam a passagem e tinham
que apanhar um Uber. Apesar de aparentemente o museu ser um atractivo
turístico, pelos números que me foram sendo dados, a percentagem de visitantes
estrangeiros continuava a ser muito reduzida. Tínhamos cerca de 15% de
visitantes estrangeiros quando o potencial seria 60%. Os visitantes
estrangeiros não conseguem chegar ao MAAT.
Por que é que as dificuldades que encontrou no MAAT o fazem
desconfiar do museu como uma plataforma indicada para abordar certos problemas?
Apercebi-me de que os museus não eram a melhor plataforma
para comunicar sobre questões graves que estão a acontecer como a crise
climática. Percebi que se calhar estar a actuar mais directamente na cidade,
seja com artistas, seja com arquitectos ou outros actores, é mais importante.
As cidades são, se calhar, as unidades territoriais onde vão acontecer mais
transformações face à crise climática.
Isso quer dizer que vai voltar à arquitectura?
À arquitectura e à cidade. Aliás, o meu início de carreira
está ligado à cidade com o Centro de Cultura Urbana Contemporânea (CUC), uma
associação que formei e que foi, antes da Porto 2001, uma plataforma para ler a
cidade, estudá-la e fazer propostas curatoriais. Harvard é uma oportunidade de
ouro, fantástica, não patrocinada pela EDP, é bom que se sublinhe.
A fellowship permite-me ter um ano merecido de investigação
a absorver tudo o que são os recursos de Harvard e que pretendo direccionar
exactamente para o conhecimento actual do tema. A crise climática, a crise
ambiental e como é que a arquitectura vai ter que mudar e adaptar-se, alterar
um paradigma de dois mil anos. Esse é o meu projecto para o futuro, implica
fazer consultadoria a nível de cidades, de think tanks internacionais, voltar
ao registo freelance mas oferecendo um contributo para um tema absolutamente
urgente.
Sem comentários:
Enviar um comentário