As reformas
douradas dos políticos
A ideia de um
regime à parte para políticos é inaceitável e inconcebível. Ainda bem que
acabou.
Luís Filipe
Soares
26 de Julho de
2019, 6:05
“Debate-se hoje
uma questão de todo pertinente nas sociedades democráticas: será que servir a
coisa pública, só por si, já não constitui estímulo suficiente para os
cidadãos? A resposta a esta pergunta parece, dadas as mordomias, benesses e
regimes de excepção previstos no nosso ordenamento jurídico para os que servem
a coisa pública, um rotundo e cristalino não!” Este preâmbulo dava o mote ao
Projeto de Lei do Bloco de Esquerda apresentado em outubro de 2004, que marcou
o início do fim das subvenções vitalícias.
Não são direitos,
são privilégios de uma casta. Não é minimamente compreensível que um detentor
de um cargo político por 12 anos conquistasse o direito a uma pensão para toda
a vida como acontecia a governantes, deputados ou autarcas. A ideia de um regime
à parte para políticos é inaceitável e inconcebível. Ainda bem que acabou.
O toque de
finados do regime de privilégio aconteceu finalmente em 2005. Mudada a
composição da Assembleia da República e com um novo Governo, apenas o CDS
faltou com o seu voto para acabar com as regalias. No entanto, fechada a porta,
PS e PSD abriram a janela às benesses, introduzindo um regime transitório que
manteve as subvenções vitalícias que já estavam em pagamento e a possibilidade
de novos requerimentos pelos deputados, governantes ou autarcas, que cumprissem
os requisitos à data do fim de regime.
Em 2013
conseguimos acabar com este regime regime transitório, apesar de muitas vozes
revoltadas pelo centrão. Dessas vozes, um conjunto de deputados de PS e PSD
fizeram um pedido de fiscalização da constitucionalidade desta medida. O
Tribunal Constitucional deu-lhes razão e um último sopro de vida às subvenções
vitalícias.
Contudo, se o
enredo político mostra como existiu muita má vontade para acabar com as
reformas “douradas”, o processo recente mostra como há muita má consciência nas
pontas soltas que subsistem. A lista dos beneficiários das subvenções
vitalícias foi divulgada em 2016, após um longo braço de ferro jurídico com o
Ministério do Trabalho. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos
(CADA) deu razão à transparência e a lista veio à praça pública: permanecem 320
beneficiários de subvenções vitalícias. Mas foi sol de pouca dura, já que pouco
tempo depois o Ministério do Trabalho suspendeu a divulgação da lista alegando
restrições do novo regulamento da Proteção de Dados.
Questionado o
ministério sobre a decisão, logo a responsabilidade foi atirada para a Caixa
Geral de Aposentações (CGA). A transparência foi mandada para a casa de
partida, reinando novamente a opacidade. Como o apagão da lista não passou no
escrutínio público, o PS veio tentar salvar a face desta trapalhada a prometeu
alterar a lei de proteção de dados para tornar possível a divulgação dos nomes.
Só que o tempo
passou e a proposta não chegou. Afinal, virados os holofotes mediáticos para um
outro tema qualquer, o PS meteu a intenção junto com a lista: na gaveta. Foi no
início da semana, quando o tema entrou novamente no radar, que o PS foi forçado
a mais uma cambalhota e o Governo correu a legislar. Em contra-relógio fizeram
o que antes era impossível.
Poderíamos
recorrer a Noam Chomsky e dizer que se tratou de uma estratégia bem
orquestrada, a tal do problema-reacção-solução onde maquiavelicamente se cria a
perceção de um problema para potenciar uma reação e apresentar depois uma
solução salvífica. É certo que nunca houve nenhum problema legal, dado que em
todo este tempo a CGA continua a divulgar outras listas de nomes como é o caso
dos funcionários públicos que se reformam e do valor das suas pensões
individuais. Mas, também, nunca houve nenhuma vontade de divulgar a lista dos
beneficiários das subvenções vitalícias. Na verdade, tratou-se de falhar
deliberadamente num dos pilares de uma democracia: a transparência. É que a
elite gosta das suas benesses e privilégios, mas tem vergonha quando lhe
apontam o dedo.
A posição
indefensável do PS mostra o ridículo da ocultação das listas de privilegiados e
a defesa da casta. O sapo que o PS engoliu é a vitória da democracia. A
democracia vive de escrutínio e tem de respirar transparência, não aceita
poderes absolutos que se julgam acima da sociedade.
O autor escreve
segundo o novo Acordo Ortográfico
Lista completa:
Quem são os ex-políticos que recebem reformas douradas
PORTUGAL
12.08.2016 às 18h01
A Caixa Geral de Aposentações publica, pela
primeira vez, a lista dos ex-polítcos que recebem a Subvenção Vitalícia. A
VISÃO conta-lhe em primeira mão quem são e quanto recebem. Marques Mendes é o
único na lista que pediu para suspender por iniciativa própria.
MÁRCIA GALRÃO
Jornalista
Durante anos, um
pacto de silêncio entre partidos e políticos manteve em segredo a lista de quem
recebe as chamadas pensões "douradas" ou subvenções mensais
vitalícias.
Hoje, a Caixa
Geral de Aposentações publica pela primeira vez a lista dos beneficiários,
depois de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos nesse
sentido. Todos os beneficiários foram notificados da divulgação, tal como a
VISÃO já lhe tinha dado contado aqui.
Carlos Melancia e
Rocha Vieira, os últimos governadores de Macau, são aqueles que têm as pensões
mais milionárias. Melancia recebe desde o ano de 1998 uma pensão vitalícia de
9727 euros e Rocha Vieira tem direito a mais de 13 mil euros desde 2000 (um
valor que por imposição legal tem uma redução parcial).
Mas há muitos
outros nomes de figuras de topo da política portuguesa nesta lista. Deputados,
ex-deputados, presidentes de câmara, ex-primeiros ministros e líderes
partidários históricos. Quem renunciou já não aparece. Quem ocupa cargos
públicos não está a receber nada enquanto os exercer. E quem declare outras
atividades remuneradas em mais de 1257 euros pode ter o montante reduzido ou
nem sequer estar a receber. Mas têm direito a elas e a lista mantém todos
discriminados.
António Guterres,
Pedro Santana Lopes e José Sócrates são os ex-primeiros-ministros que estão na
lista. O candidato à ONU tem uma pensão de 4138 euros e segundo a CGA está a
receber parte desse valor. Sócrates aufere 2635 euros desde junho, um valor um
pouco abaixo daquele que tinha comunicado publicamente há algumas semanas. E o
atual provedor da Santa Casa da Misericórdia não está neste momento a receber
nada dos 2199 euros a que tem direito desde 2005.
Nomes sonantes
não faltam. Carlos Carvalhas, António Arnaut, António Capucho, Maldonado
Gonelha, Anacoreta Correia, Deus Pinheiro, Ângelo Correia, Manuel Alegre ou
Zita Seabra são alguns dos que recebem esta pensão dourada.
Ex-presidentes da
Assembleia da República estão em destaque. Barbosa Melo é o que tem a reforma
vitalícia mais alta: 4296 euros desde o ano 2000. Mas Assunção Esteves também
está na lista, com 3432 euros, tal como Mota Amaral, com 3115 euros.
Depois temos
ainda os empresários de sucesso que um dia já foram políticos. É o caso de
Faria de Oliveira, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, que não
estando a receber a subvenção por imposição legal, tem direito a 3228 euros dos
tempos em que foi secretário de Estado e ministros dos governos de Cavaco
Silva. Também Ferreira do Amaral tem direito a 3048, não os estando a receber.
Há ainda um grupo
caraterístico de ex-políticos que apesar de terem tido problemas com a Justiça
são parte desta lista de pensionistas dourados. Armando Vara, com 2014 euros
(reduzida parcialmente), Duarte Lima, com 2289 euros e Dias Loureiro, com 1571
(reduzidos totalmente por imposição legal).
No Conselho de
Estado de Marcelo Rebelo de Sousa sentam-se alguns destes pensionistas.
Domingos Abrantes, do PCP, recebe desde 1994, 2685 euros. Adriano Moreira, com
2685 euros (reduzidos parcialmente) ou Leonor Beleza, que por presidir à
Fundação Champalimaud não está atualmente a receber os 2566 euros que lhe foram
atribuídos a partir de 2006. Marques Mendes, que também se senta na mesa de
conselheiros da Presidência, é o único nome na lista que suspendeu por
iniciativa própria a reforma de 3311 euros, a que tem direito desde 2007.
São mais de 330
nomes que fazem parte desta lista até aqui confidencial.
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