quinta-feira, 11 de julho de 2019

Joalharia da Baixa tornou-se venda de souvenirs e deixou de ser Loja com História / A nau de bacalhau com velas de queijo e corvos de massapão por António Sérgio Rosa de Carvalho

Casa Pereira da Conceição 


E que dizer da antiga casa de chás e cafés Casa Pereira da Conceição na Rua Augusta agora vendida e totalmente ‘colonizada’ pelo “Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa,” e pela a “Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau” !!!???
OVOODOCORVO



Joalharia da Baixa tornou-se venda de souvenirs e deixou de ser Loja com História

A Barreto & Gonçalves fazia parte do primeiro lote de espaços comerciais reconhecidos pelo programa Lojas com História. A firma continua a existir, só deixou de ter loja aberta ao público. A mudança do ramo de negócio e as alterações interiores levaram a câmara a retirar a distinção.

 João Pedro Pincha
João Pedro Pincha 10 de Julho de 2019, 22:14

Nas montras do número 17 da Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa, já não moram jóias, castiçais e jarras. A loja da Ourivesaria e Joalharia Barreto & Gonçalves, que estava aberta naquele local desde 1920, fechou e deu lugar a uma loja de souvenirs. Galos de Barcelos, ímanes e outras recordações de Portugal povoam agora as vitrines ladeadas pela característica moldura de ferro vermelho.

A firma Barreto & Gonçalves não desapareceu, assegura a sua gerente, apenas deixou de ter loja aberta ao público. “Foi uma opção pessoal. Neste momento, sentimos que tinha chegado a altura”, diz Joana Barreto Leitão, neta de um dos fundadores da casa.

Como a loja mudou de ramo e o novo arrendatário fez alterações à decoração interior, o espaço deixou de ter a distinção Lojas com História, atribuída pela câmara de Lisboa em Julho de 2016. A Barreto & Gonçalves fazia parte do primeiro lote de espaços comerciais reconhecidos por aquele programa municipal, que actualmente tem cerca de 140 lojas distinguidas.

Apesar de a loja já vender souvenirs desde há vários meses, na semana passada ainda constava do site das Lojas com História. Contactada pelo PÚBLICO, a câmara acabou por retirar a Barreto & Gonçalves da lista uns dias depois. “De facto a loja já não é uma Loja com História, uma vez que houve prejuízo dos critérios de distinção, primeiro pela mudança de actividade e depois pelo desmantelamento da mesma”, esclareceu Sofia Pereira, coordenadora da iniciativa.

Segundo a responsável, “as alterações interiores são da responsabilidade dos proprietários do estabelecimento” e apenas “as alterações que carecem de autorização são as efectuadas no exterior”. Recentemente, a actual gerência mandou pintar o exterior de modo a retirar as palavras “Ouro”, “Prata” e “Jóias” que subsistiam na fachada.

Dessa primeira lista de 63 lojas distinguidas em 2016 já desapareceram alguns nomes. A Casa Frazão, que vendia tecidos na Rua Augusta, foi um dos casos mais recentes de encerramento, mas a este se podem juntar os da Camisaria Pitta, na mesma Rua Augusta, ou da Aníbal Gravador, na Rua Nova do Almada. A Tabacaria Martins, que também constava desse primeiro lote de reconhecimentos, esteve à beira de fechar em 2017, mas a intervenção da autarquia acabou por dar um final feliz à história.

Desde há dois anos que está em vigor um Regime de Reconhecimento e Protecção de Estabelecimentos e Entidades de Interesse Histórico, que garante às lojas classificadas o prolongamento automático dos contratos de arrendamento durante cinco ou dez anos.

tp.ocilbup@ahcnip.oaoj
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A nau de bacalhau com velas de queijo e corvos de massapão

A autenticidade e a sobrevivência da nossa identidade está ameaçada pelo triunfo efémero do Híbrido.

António Sérgio Rosa de Carvalho
9 de Janeiro de 2016, 1:25

Em Lisboa, os últimos dias de 2015 foram dominados na opinião pública, pelo polémico e imposto desaparecimento do Palmeira.

O Palmeira era um restaurante “atascado” de consideráveis dimensões em notável espaço térreo Pombalino, conjugando respectivas abóbodas e pilares com antiga e genuína decoração “Portugal/Português”.

Aqui, azulejos e ferragens junto a autênticos pastéis de bacalhau (sem queijo) permitiam associações mentais em “viagens por serras e vales” no tempo das estradas nacionais, com árvores ancestrais apresentando bandas brancas reveladas por redondos faróis pejados de mosquitos, feixes luminosos invasores de silhuetas campestres sobre um glorioso e estrelado céu nocturno, dominado pelas abóbodas do Firmamento.

Tudo isto terminou abruptamente. A C.M.L. decidiu vender o edifício, na parte superior uma ruína, sem acautelar a garantia de sobrevivência deste notável e autêntico estabelecimento. Isto, depois de apregoar aos quatro ventos a criação do Projecto “Lojas com História”., que garantiu a formulação de extensas e completas listas de estabelecimentos a preservar, definidas por notáveis seguidores de Ulisses.

Estas heróicas listas e intenções só apresentavam uma sombra. A C.M.L. não garantia a protecção perante a implacável e arbitrária Lei do Arrendamento. Assim, declarava-se impotente e também vítima, numa mítica, heróica e eterna luta entre as intenções, a defesa do valor único cultural de tais estabelecimentos, e a realidade dos valores e interesses dos investidores que se sobrepunham aos valores culturais.

Havia portanto uma essência pura de “Dr. Jeckill” no organismo da C.M.L., que sucumbia assim por impotência, ás maléficas intenções vindas do “exterior”.

Mas a perversidade reside precisamente no facto de que tal como na conhecida novela, “Dr. Jeckill” e “Mr. Hyde” são duas facetas da mesma pessoa. E não se trata aqui, apenas. de um conflicto entre duas essências no mesmo organismo, em luta interna e permanente.

Não, mais perversamente, aqui, a existência de “Dr. Jeckill” é um falso mito criado por “Mr. Hyde”.

Por outras palavras, a principal causa do desaparecimento dos Estabelecimentos é a política urbanística desenvolvida pela C.M.L. e respectivos licenciamentos concedidos.

Na avalanche de projectos de hóteis e residências turísticas permitida e licenciada pela C.M.L. está presente uma ausência total de estratégia ou visão futura. Cada projecto, no actual estado de coisas, implica inevitávelemente o desaparecimento de qualquer estabelecimento existente, independentemente da sua antiguidade ou do seu reconhecido e apregoado insubstituível valor cultural.

Embora todos reconheçam que a autenticidade e a diferença local e cultural, constituem a principal e determinante razão da visita turística, Lisboa está a ser destruída sistemáticamente na sua identidade e a ser transformada numa artificial plataforma onde a banalidade, o pastiche e o híbrido triunfam.

Numa grave crise económica, repentinamente o Turismo surgiu como balão de oxigénio salvador.

Como em Portugal nada se medita, reflecte ou se planeia, tudo simplesmente parece nos acontecer, aceitamoss estes processos como inevitáveis. No entanto estes processos conhecem responsáveis e são estimulados ou contrariados por alguém.

Numa Lisboa onde o “pastel de bacalhau com queijo” triunfa, a autenticidade e a sobrevivência da nossa identidade está ameaçada pelo triunfo efémero e irreversivelemente destruidor do Híbrido.

A nau heráldica e respectivos atributos iconográficos originalmente símbolo das características, virtudes e valores da nobre Urbe, está a ser lentamente mas irreversívelmente transformada numa “nau de bacalhau, com velas de queijo e corvos de massapão.”

Historiador de Arquitectura

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