quarta-feira, 3 de julho de 2019

Reviravolta em Bruxelas permite acordo. Mas a que custo? /



Especial por:
Nuno André Martins
Reviravolta em Bruxelas permite acordo. Mas a que custo?
7:00




Uma Europa partida ao meio, futuros alargamentos em risco, famílias políticas europeias divididas e a morte do spitzenkandidaten. Houve acordo, mas a que custo?

Numa autêntica reviravolta em Bruxelas, o Conselho Europeu chegou a acordo sobre quem serão os futuros líderes das instituições europeias, deixando de fora aqueles que foram os candidatos à Comissão Europeia pelas principais famílias políticas europeias. A alemã nascida na Bélgica Ursula van der Leyen é a candidata a nova presidente da Comissão Europeia; Christine Lagarde a nova presidente do Banco Central Europeu; o belga Charles Michel está escolhido para presidente do Conselho Europeu. Mas as negociações expuseram uma Europa cada vez mais fragmentada, com divisões entre Europa ocidental e o bloco de leste, entre as diferentes famílias políticas e entre o principal motor das decisões na Europa, o eixo franco-alemão. A maior vitória é a do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchéz.

Chegar a um acordo em Bruxelas nunca é fácil, muito menos rápido. Desta vez não foi diferente e os líderes conseguiram quebrar mais um recorde, o da mais longa cimeira do Conselho Europeu de sempre, mais longa até do que a que ocorreu em julho de 2015 e quase culminou com a saída da Grécia do euro.

O acordo agora alcançado permite uma saída (mais ou menos) airosa para os dois principais países da União Europeia e tentam agradar às principais famílias políticas. Ursula van der Leyen será a sucessora de Jean-Claude Juncker. A médica alemã é atualmente ministra da Defesa da Alemanha, a primeira mulher neste cargo, defensora de um exército comum europeu e uma das vozes que insurgiu contra a equiparação dos refugidos a terroristas.

Ursula van der Leyen nasceu na Bélgica, fala fluentemente francês, algo que agrada a Emmanuel Macron, e foi um nome que surgiu como forma de compromisso, que daria à Alemanha e ao Partido Popular Europeu a presidência da Comissão Europeia, afastando Manfred Weber, que tinha uma grande oposição desde França, aos socialistas e liberais, passando ainda por alguns membros dos países de centro e leste da Europa, entre eles o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban.

A morte anunciada do processo do spitzenkandidaten
O sistema criado em que as principais famílias políticas europeias escolhem um cabeça-de-lista para ser candidato à Comissão Europeia — os chamados spitzenkandidaten — só resultou uma vez, em 2014, quando Jean-Claude Juncker foi eleito, e pode ter sofrido o seu golpe mortal esta terça-feira.

O primeiro derrotado, logo no final da noite eleitoral, foi o alemão Manfred Weber, cabeça-de-lista pelo Partido Popular Europeu (PPE), a família política europeia que voltou a ser a que mais eurodeputados irá ter no Parlamento Europeu, embora perdendo força. A oposição firme do presidente francês, Emmanuel Macron, à nomeação de Manfred Weber, foi da falta de experiência governativa do alemão à necessidade de dar aos liberais mais destaque nos cargos de topo da Europa, até ao facto do alemão não falar francês fluentemente.

A morte de Weber estava mais que anunciada, mas foi reforçada com a oposição dos socialistas, dos liberais e até de alguns países a leste, acabando por não ser uma real opção.

O segundo derrotado é o cabeça-de-lista dos socialistas, o holandês Frans Timmermans. O diplomata poliglota (fala sete línguas fluentemente, incluindo russo, e ainda ‘arranha’ espanhol) tentou juntamente com António Costa e Pedro Sanchéz criar uma espécie de geringonça à escala europeia e até esteve perto de conseguir, com os principais líderes da União Europeia a acertarem um acordo à margem da reunião do G20 em Osaka, no Japão, que o colocaria como presidente da Comissão Europeia, e Manfred Weber na presidência do Parlamento Europeu.

Frans Timmermans esteve quase, quase, de acordo com alguns líderes, mas não conseguiu a Comissão Europeia por oposição dos países mais a leste, de alguns membros do PPE e da Itália.
Se a Manfred Weber lhe faltava experiência executiva, a FransTimmermans foi a sua experiência que o prejudicou. O até agora primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, número dois de Jean-Claude Juncker, acabou por ser bloqueado por pelo menos dez países (apesar de não ter havido uma votação), com a maior oposição a surgir do grupo de Visegrado — Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia. Em causa as disputas criadas devido à aplicação da lei europeia e dos princípios da União Europeia, em especial na Polónia e na Hungria (mas também na Roménia). Timmermans chegou a acusar o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, de operar um serviço de táxis diplomático para criminosos, devido ao asilo político dado ao presidente da Macedónia.

Também a Itália, um dos maiores países da União Europeia e cujo Governo está atualmente desalinhado das principais famílias políticas europeias, demonstrou a sua forte oposição à solução Timmermans. O primeiro-ministro Giuseppe Conte disse que o problema era o pacote, mas o ministro do Interior (um dos líderes da coligação), Matteo Salvini, disse que não aceitaria um socialista na presidência da Comissão Europeia.

Já a liberal dinamarquesa Margrethe Vestager, que antes e após as eleições era apontada como a solução de compromisso e que até era vista com bons olhos por Angela Merkel, mal chegou a ser hipótese. De acordo com o primeiro-ministro da República Checa, a solução Vestager foi logo afastada pelos líderes por não ter votos suficientes no Parlamento Europeu que permitissem a sua nomeação (o presidente da Comissão tem de ser aprovado por maioria absoluta em Estrasburgo).

Timmermans e Vestager ainda terão direito às vice-presidências mais importantes da União Europeia. Manfred Weber nem isso.

Uma Europa partida ao meio
Há muito que os países do centro e leste da Europa têm vindo a exigir maior representatividade na estrutura superior da União Europeia, mas desta vez estiveram mais alinhados que os restantes e, beneficiando da divisão dentro do PPE e do apoio de Itália, conseguiram bloquear quase todas as escolhas.

O mais visível foi o grupo de Visegrado, que integra Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia. Apesar de cada um destes pertencer a uma família política europeia diferente, o grupo esteve alinhado e bloqueou de forma implacável a nomeação de Frans Timmermans. Para estes primeiros-ministros, o socialista não era o líder ideal porque a Comissão precisava de alguém que não tenha uma visão negativa dos países mais a leste.


O grupo de Visegrado: Peter Pellegrini, primeiro-ministro da Eslováquia, Andrej Babis, primeiro-ministro da República Checa, Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polónia, e Viktor Órban, primeiro-ministro da Hungria.
Mas o grupo de Visegrado não foi o único a impedir a nomeação de Timmermans. O primeiro-ministro da Lituânia pediu caras novas e defendeu que o sistema do spitzenkandidaten estava morto. O primeiro-ministro da Bulgária até sugeriu o seu homólogo croata para a liderança da Comissão Europeia, que por sua vez também estava contra a nomeação de Timmermans.

A força de bloqueio que veio do leste não só impediu a nomeação de Frans Timmermans como deixou alguns líderes mais a oeste irritados. Emmanuel Macron foi um dos mais frustrados, e disse mesmo que este caso demonstrava que o processo de adesão à União Europeia de países mais a leste deve ser repensado. O primeiro-ministro holandês disse o mesmo. Pedro Sanchéz e António Costa queixaram-se do bloqueio por parte destes países à solução que tinham cozinhado. O primeiro-ministro português juntou a Itália a este grupo, que disse mesmo ser a líder da força de bloqueio.

Angela Merkel. O fim de uma era?
Desde as eleições legislativas alemãs do final de 2017 que a chanceler alemã tem vindo a perder força, internamente e na Europa. O fraco resultado eleitoral da CDU/CSU levou Angela Merkel a prometer que não se irá recandidatar em 2021, altura em que termina o atual mandato. Quando tomou a decisão de abrir as fronteiras sem limite aos refugiados da Síria e do Iraque, aquela que foi apelidada de ‘Rainha da Europa’, ganhou muitos fãs dentro da União, mas também uma grande oposição interna.

A chanceler tem feito dançar ao seu ritmo o grupo dos líderes de governo do PPE no Conselho Europeu e ainda mais alguns liberais, tendo desenvolvido as maiores decisões europeias em conjunto com os vários presidentes de França desde que chegou ao poder, em 2005, acabando por garantir que os restantes líderes estão alinhados e seguem as suas orientações.


A chanceler alemã, Angela Merkel, consegue que seja escolhida para a presidência da Comissão Europeia um membro do PPE e alemão, a sua ministra da Defesa Ursula von der Leyen.
Mas desta vez a história foi diferente. Começou por defender que deveria se um dos membros do PPE, como partido vencedor das europeias e com mais líderes no Conselho Europeu, a suceder a Jean-Claude Juncker na Comissão Europeia. Mas o volte-face acontecido em Osaka, em que alinhou com Emmanuel Macron, Mark Rutte e Pedro Sanchéz, para dar a presidência ao socialista Frans Timmermans, não caiu bem entre os chefes de Estado e de Governo do PPE. Irlanda, Bulgária, Lituânia, Croácia e Chipre não alinharam com Angela Merkel e foram suficientes para bloquear as intenções de Angela Merkel.

Se é verdade que o compromisso final está longe dos (muitos) planos iniciais, também é que as cedências de Angela Merkel caem quase todas a seu favor. A chanceler alemã consegue que seja escolhida para a presidência da Comissão Europeia um membro do PPE e alemão, a sua ministra da Defesa Ursula von der Leyen, em tempos apontada como sua sucessora. Para a presidência do Banco Central Europeu, Angela Merkel também escolhe uma velha conhecida sua — e uma hipótese que lhe agrada –, a francesa Christine Largarde, atualmente diretora-geral do FMI.

Pode ser a última grande decisão de Angela Merkel na União Europeia e o seu poder pode parecer diminuído, especialmente entre os seus pares do PPE, mas a solução está longe de ser negativa para a ‘Rainha da Europa’.

Espanha “está de volta”, capitaliza Brexit e isolamento de Itália… mas esquece-se de António Costa
Durante muitos anos, a quarta maior economia da Zona Euro reclamou para si mais destaque, cargos de topo na União Europeia e relevância política. Durante muitos anos foi ignorada pelos líderes europeus, como aconteceu quando, por duas vezes, o PP espanhol tentou colocar Luis de Guindos na presidência da Eurogrupo. Mas o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchéz, não deixou passar a oportunidade de colocar Espanha no mapa das decisões europeias como não acontecia até aqui.

Espanha está de volta e creio que está de volta em força.

Pedro Sanchéz, primeiro-ministro de Espanha
Foi o líder efetivo das negociações pelos socialistas europeus — acompanhado de António Costa –, foi um dos líderes que fechou o acordo de Osaka e tem sido constantemente a terceira perna do eixo franco-alemão. Na maior parte das negociações que envolveram Angela Merkel e Emmanuel Macron, juntamente com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, Pedro Sanchéz aparece na fotografia.

A saída do Reino Unido da União Europeia e o isolamento escolhido pelo novo Governo italiano deu a Pedro Sanchéz o protagonismo que Espanha vinha a exigir há muitos anos e ainda lhe valeu a nomeação de Josep Borrell, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, para a cargo de Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, que era a sua preferência desde o início, com um cargo reforçado duplamente: não só acumula os Assuntos Humanitários, como a pasta relativa à politica de recursos e ajuda ao desenvolvimento de África.

“Espanha está de volta e creio que está de volta em força”, disse o primeiro-ministro espanhol na conferência de imprensa após a reunião do Conselho Europeu, onde ainda se congratulou por ser o principal negociador pelos socialistas europeus neste processo… esquecendo-se do primeiro-ministro português António Costa, o outro negociador da equipa.

Já Itália, depois de um período em que deteve a presidência do Banco Central Europeu (termina em outubro), do Parlamento Europeu e Alta Representante para a Política Externa da União Europeia, vai ficar sem um único cargo de topo na Europa. Em Itália, o Governo tem exigido uma pasta forte, como a dos Assuntos Económicos, mas dificilmente terá sorte, mais ainda considerando que foi apontada por vários líderes como uma das principais forças de bloqueio. Será também a primeira vez que Itália não terá um representante na comissão executiva do BCE, desde que a criação do euro. Resta saber se ainda tem hipótese de reter o Parlamento Europeu…

O enfraquecimento do Partido Popular Europeu e o passo em falso dos liberais
As eleições europeias resultaram num Parlamento Europeu mais fragmentado, com o centro-direita (PPE) e o centro-esquerda (S&D) a perderem força, enquanto os liberais (ALDE) e os Verdes ganharam mais eurodeputados. O PPE continua a ser ainda assim a família política com mais eurodeputados. Os liberais ganharam força também por via da junção do novo partido de Emmanuel Macron.

O Parlamento Europeu só iniciou a próxima legislatura esta terça-feira, mas esta nova configuração já está a trazer os seus desafios. O PPE tenta agarrar-se ao resultado eleitoral para garantir que ainda é quem manda mais na Europa — tem ocupado quase todos os cargos de topo na União Europeia — e feito finca-pé por Manfred Weber, um candidato que desde o primeiro momento se percebeu que tinha quase zero hipótese de chegar à liderança do Executivo europeu.

Mas não é só no Parlamento Europeu que o PPE tem tido esta posição. No Conselho Europeu, os líderes europeus não quiseram ceder ao acordo de Merkel com Macron, Rutte e Sanchéz, e têm dificultado o acordo ao ponto de o primeiro-ministro do Luxemburgo, Xavier Bettel, ter dito na manhã desta terça-feira que esperava que os líderes do PPE tivessem “reiniciado o sistema”.

Do lado dos liberais, o terceiro partido com mais votos — mas que será quem perde mais eurodeputados com a saída do Reino Unido da União Europeia — e o segundo mais representado no Conselho Europeu, a expectativa é que pudesse ter chegado finalmente a altura de controlar um dos principais cargos da União Europeia. Com Macron na frente desta tentativa de afastar o PPE do poder, criando uma ‘eurogeringonça’ com os socialistas, chegaram a aspirar a isso mesmo, mas sem sucesso. Ainda assim, terminam este processo com uma (pequena) vitória: Charles Michel, primeiro-ministro interino da Bélgica, será o próximo líder do Conselho Europeu.

Nuno André Martins
Jornalista




Parlamento Europeu ameaça travar nomeação de Ursula von der Leyen
Líderes europeus atiram para o lixo sistema dos cabeças de lista e arriscam confronto com os eurodeputados ao nomear a ministra alemã para a presidência da Comissão.

 Rita Siza
Rita Siza Bruxelas 2 de Julho de 2019, 21:33

Jean-Claude Juncker já dizia adeus esta terça-feira, escolhida que está a sua sucessora. Isto se o PE não chumbar o acordo GEOFFROY VAN DER HASSELT/EPA

A ministra da Defesa da Alemanha, Ursula Von der Leyen, é a aposta dos líderes europeus para suceder a Jean-Claude Juncker na chefia do executivo comunitário. Numa reviravolta surpreendente engendrada pela chanceler alemã, Angela Merkel, para desbloquear o processo negocial para a distribuição dos cargos de topo das instituições comunitárias, os 28 chefes de Estado e de governo da União Europeia aceitaram fazer tábua rasa das posições defendidas até aqui e numa penada deitaram fora todos os cabeças de lista que se apresentaram nas eleições europeias.

Foi uma jogada arriscada e que não oferece totais garantias de vir a ser bem-sucedida. Do Parlamento Europeu (PE), que terá agora de votar a nomeação de Von der Leyen, vieram imediatamente críticas à solução. “Espero que o Conselho não tenha subavaliado a importância do PE e a sua capacidade de decisão”, afirmou o primeiro-ministro, António Costa, que votou a favor do compromisso.

 “Não sou profeta e não me compete a mim avaliar as reais hipóteses de sucesso [deste acordo] no Parlamento. Penso que os primeiros-ministros farão tudo para convencer os colegas no PE a aprovar a solução”, declarou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, cuja condução das negociações foi muito criticada pelos líderes.

Muitos eurodeputados, com os socialistas do alemão SPD à cabeça, insurgiram-se contra o acordo, por este desrespeitar o sistema de escolha de um dos Spitzenkandidaten. Esta oposição levou, aliás, a que a Alemanha tivesse sido o único país a se abster na votação do Conselho: Angela Merkel não podia endossar uma proposta que não tem o apoio do outro partido da coligação.

“Foi muito claro no Conselho que o sistema dos Spitzenkandidaten não era uma obrigação legal que tivesse de ser cumprida. Mesmo assim, penso que o resultado final é uma demonstração que os lideres quiseram respeitar tanto os cabeças de lista como o próprio mecanismo”, justificou Tusk.

O impasse que se prolongou por três dias de cimeira extraordinária em Bruxelas foi vencido com base na proposta desenhada pela líder alemã para vencer a minoria de bloqueio constituída pelos países do grupo de Visegrado e alguns líderes conservadores do PPE (Croácia, Irlanda, Letónia e Roménia), que se juntaram numa frente comum de bloqueio ao chamado “acordo de Osaca” que esteve em cima da mesa e acabou por ser retirado da discussão pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, ao fim de 18 horas de negociação inconclusiva.

A chanceler prescindiu da nomeação de um dos Spitzenkandidaten para a presidência da Comissão e assim conseguiu manter o executivo comunitário nas mãos do PPE. Depois de muito se ter dito sobre uma eventual transferência de poder do centro-direita para o centro-esquerda, Merkel ultrapassou a concorrência socialista e assegurou que a sua família política continuará a dominar o xadrez comunitário.

O compromisso funcionou porque a moeda de troca nas negociações exigida pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, lhe foi garantida: a francesa Christine Lagarde, actual directora do Fundo Monetário Internacional, será a próxima presidente do Banco Central Europeu e responsável pela política monetária da União. Os líderes tinham dito que a indicação do sucessor de Mario Draghi não faria parte deste pacote global de nomeações, uma vez que a selecção do presidente do banco central assenta em critérios mais técnicos do que políticos. Mas, para garantir o apoio da França, e também para que os líderes pudessem cumprir a sua promessa de promoção da igualdade de género, o nome de Lagarde foi incluído na solução de compromisso: pela primeira vez na história, haverá duas mulheres à frente de instituições comunitárias.

Os liberais, que ao lado dos socialistas viram no resultado das eleições europeias uma oportunidade de ouro para quebrar o domínio do PPE e se projectarem para os lugares cimeiros das instituições europeias, podem festejar a indicação de Charles Michel para a presidência do Conselho Europeu. O primeiro-ministro belga, que se encontra em funções desde Dezembro quando o partido nacionalista flamengo NVA fez colapsar a coligação de Governo, comprometeu-se a “respeitar a diversidade nacional” e a fazer valer os princípios de solidariedade, liberdade e respeito mútuo” em que assenta a União Europeia,

Já os socialistas tiveram de se resignar com a manutenção dos mesmos cargos que lhes foram atribuídos em 2014: a presidência do PE e o Alto Representante da União Europeia para a Segurança e Política Externa. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha, Josep Borrell, foi o homem escolhido para o cargo. Quanto ao nome para o PE, terá agora de ser indicado pelo grupo dos Socialistas & Democratas, no pressuposto de que obterá os votos necessários das outras bancadas para alcançar a maioria necessária para ser eleito.

Depois de quase terem conseguido concretizar a sua ambição de regressar à liderança do executivo comunitário, com a nomeação do holandês Frans Timmermans, o desfecho não pode ser apresentado como uma vitória para os socialistas. António Costa, que foi um dos negociadores da sua família política, reconheceu que este “não foi o melhor resultado”. Mas destacou a atitude construtiva e responsável dos socialistas, que confrontados com o bloqueio dos “países do PPE que são perigosamente permeáveis às pressões e ao canto de sereia do senhor Salvini e da sua base territorial nos países de Visegrado”, privilegiaram o compromisso que evita a paralisia institucional e “permite à Europa seguir em frente”. “Imitar minorias de bloqueio é a pior forma de as combater”, afirmou.

O compromisso inclui um prémio de consolação para Timmermans, que cumprirá um segundo mandato como primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, e também para a cabeça de lista dos liberais, a dinamarquesa Margrethe Vestager, que deixará a pasta da Concorrência e será promovida a vice-presidente. Os dois pertencem a partidos que não estão no governo nos respectivos países, mas os líderes nacionais confirmaram que os vão indicar para o executivo comunitário.

Já o cabeça de lista do PPE, Manfred Weber, terá a possibilidade de ser eleito presidente do PE na segunda metade da legislatura. O eurodeputado alemão, que foi reeleito líder da bancada dos democratas-cristãos no Parlamento Europeu, anunciou o fim da sua jornada como Spitzenkandidat.

Os países do grupo de Visegrado e os membros do PPE que ensaiaram uma revolta contra Merkel para travar a nomeação de Timmermans para a Comissão saíram vencedores no braço de ferro que mantiveram com a chanceler alemã e o Presidente francêsde França, Emmanuel Macron. Conseguiram arrasar com o chamado “acordo de Osaca”, que punha fim ao domínio do centro-direita no executivo comunitário, e ainda recolheram louros por fazer aprovar o plano B que elevou Von der Leyen à presidência da Comissão.

Aliás, através do seu porta-voz, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, reclamou a autoria dessa solução. “Na sua unidade, o grupo de Visegrado demonstrou mais uma vez a sua crescente força e influência sobre a direcção da UE. Depois de derrotarem Weber, os quatro países eliminaram Timmermans e puseram em cima da mesa um pacote para a eleição de Ursula Von der Leyen que pode ser aceite por todos”, escreveu Zoltan Kovacs no Twitter.

“Manifestamente não é verdade”, desmentiu António Costa.

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