Torre da Portugália tem menos 11 metros mas está longe de
reunir consensos
Na nova versão do projecto, a torre terá 49 metros e menos
dois mil metros quadrados de construção. Apesar da redução na sua altura, os
críticos do projecto continuam a discordar da actuação da autarquia e do
sistema de créditos de construção aplicado. Para o vereador do Urbanismo,
Manuel Salgado, este é “um bom projecto”.
Cristiana Faria
Moreira
Cristiana Faria Moreira 19 de Julho de 2019, 0:41
Depois de três debates públicos e de muita contestação, há
um novo projecto para o quarteirão da Portugália: a polémica “torre” de 60
metros foi reduzida em 11 metros, mas manterá os 16 pisos, ficando mais recuada
em relação à Avenida Almirante Reis, segundo a proposta que foi apresentada na
tarde desta quinta-feira na Assembleia Municipal de Lisboa.
Coube ao arquitecto José Mateus, do gabinete ARX,
responsável pelo projecto de arquitectura do empreendimento, a apresentação das
alterações feitas depois de um período de consulta pública, que decorreu entre
os meses de Maio e Junho, durante o qual poucas vozes se ouviram em defesa
desta proposta.
Assembleia Municipal de Lisboa também quer debater projecto
para a Portugália
Assembleia Municipal de Lisboa também quer debater projecto
para a Portugália
O futuro empreendimento, que ocupará os terrenos devolutos
da antiga fábrica de cervejas Portugália, será um projecto sobretudo
habitacional, estando prevista a construção de 85 apartamentos com tipologias
entre o T0 e o T4. Prevê também a criação de escritórios e espaços de coworking
e uma zona comercial no piso térreo que rodeará as duas praças interiores que
serão criadas e pelas quais será possível circular entre a Avenida Almirante
Reis e a Rua António Pedro. Estão previstos ainda cinco pisos subterrâneos que
vão incluir estacionamento público.
Durante as últimas semanas, os arquitectos trabalharam numa
proposta que reduz a altura do prédio mais alto da proposta — o objecto da
discórdia —, e a área de construção em 2000 metros quadrados. De forma a minorar
o seu impacto, a torre será agora recuada em seis metros em relação à Avenida
Almirante Reis, ficando apoiada numa construção que, de acordo com o projecto,
segue a altura dos prédios da avenida.
“Tem-se falado muito de incoerência em relação ao contexto.
A coerência da Almirante Reis é a variação, a contradição”, notou José Mateus,
que acredita que o empreendimento valorizará toda a zona.
O projecto tem sido muito contestado pela população que diz
ser desadequado à zona e teme perder as vistas de miradouros como o da Penha de
França ou do futuro Jardim do Caracol da Penha, assim como o impacto de
ensombramento que esta nova construção poderá causar nas suas casas.
Segundo disse José Mateus, com esta reformulação foi
aumentada a área de permeabilização dos terrenos e reforçada a arborização da
zona, com a construção de grandes canteiros ajardinados no centro com lúpulos
em alusão à produção de cerveja. “A equipa está a estudar formas, técnicas que
sejam impulsionadoras da infiltração da água nos solos, sendo que aquelas que
demorarem mais tempo a ser infiltradas serão armazenadas em reservatórios para
rega ou lavagem dos espaços públicos”, explicou o arquitecto.
A questão da impermeabilização de toda a área de construção
tem sido uma das grandes críticas apontadas ao projecto. “Tenho muita pena que
os arquitectos paisagistas sejam cada vez mais utilizados para efeitos de
makeup de processos e não em propostas estruturais que a arquitectura
paisagista tem para a cidade. Não entendo como é que não houve uma abordagem
sobre a permeabilidade. Estamos a falar de mais ou menos sete mil metros
quadrados que são 100% impermeabilizados”, notou João Ceregeiro,
vice-presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, deixando
ainda críticas à actuação da autarquia: “É um contraciclo com aquilo que esta
câmara tem aprovado, como o plano metropolitano de adaptação às alterações
climáticas”.
"Este é um bom projecto”, diz Salgado
Apesar de as alterações, o projecto continua a não agradar
aos munícipes que, sublinham, não é adequado à estética da zona. Em grande
parte do debate, as críticas foram dirigidas à Câmara de Lisboa, sobretudo pelo
sistema de créditos de construção, um instrumento previsto no PDM, que, na
prática, permite ao promotor construir em mais área se se comprometer a criar
mais oferta de estacionamento para os residentes, se integrar conceitos
bioclimáticos e de eficiência energética ou criar e infra-estruturas ou espaço
público, por exemplo.
versão inicial do
projecto previa que fossem concedidos ao promotor - o Fundo Sete Colinas,
gerido e representado por Silvip – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento
Imobiliário - 11 mil metros quadrados em créditos de construção. Com esta
reformulação, disse José Mateus, há uma redução dos créditos para os nove mil,
mas os promotores vão apenas utilizar sete mil: “Eliminamos todos os créditos
que tinham a ver com questões que se pudessem associar a benefício quase
exclusivo do promotor, como por exemplo, a classe energética e a ventilação natural.
Foram considerados usos de créditos com benefício para a população, como
estacionamento suplementar e melhoria de espaço público e iluminação LED”,
explicou o arquitecto.
Para os munícipes, este instrumento serve apenas para
beneficiar os promotores privados. “Permite-se a impermeabilização e, por isso,
dá-se créditos pela recolha de águas pluviais”, criticou Miguel Pinto, do
Movimento Stop Torre 60m Portugália, que fez chegar à assembleia municipal uma
petição, e motivou este debate.
“Na versão anterior do projecto tínhamos uma superfície de
pavimento base de 18 mil metros quadrados e créditos de construção de 11 mil.
Valorizando cada metro quadrado a cinco mil euros estamos a permitir um encaixe
financeiro adicional de 55 milhões de euros”, notou Miguel Pinto. “O que
estamos também aqui a discutir é uma política da câmara que permite a grandes
investidores imobiliários fazer mais-valias de dezenas de milhares de euros sem
qualquer contrapartida relevante para a cidade”, sublinhou.
Na resposta, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado,
concordou que o regulamento dos créditos deve ser revisto. “Mas não defendo a
sua abolição”, disse, rejeitando ainda as contas apresentadas pelos
peticionários. “Quando se diz que cada crédito de construção vale cinco mil
euros... O crédito de construção é um direito de edificabilidade. Não inclui
projectos, não inclui custos de construção, não inclui nada disso. Para que não
houvesse dúvidas, solicitamos à Direcção Municipal de Gestão do Património qual
era o valor de mercado de um metro quadrado atribuído através de um crédito de
construção e são 1700 euros por metro quadrado”, disse Salgado.
Cidadãos ponderam travar construção de prédio da Portugália
nos tribunais
Cidadãos ponderam travar construção de prédio da Portugália
nos tribunais
O vereador fez ainda questão de clarificar que este projecto
não está “perante uma folha em branco”, uma vez que o processo de
requalificação do quarteirão se iniciou em 2001, tendo havido projectos
aprovados em 2005 e em 2010 que acabaram por ser abandonados.
“Como dizia o presidente António Costa, a câmara de Lisboa
não se iniciou com a nossa eleição nem terminará com a eleição de um novo
executivo. A câmara tem séculos de existência e compromissos assumidos no
passado, que devem, salvo casos excepcionais, ser respeitados. Não seria
possível a modernização da cidade, tal como aliás não será possível a
construção de habitação acessível [como este projecto promete], exclusivamente
através da iniciativa pública”, considerou Manuel Salgado. “Não fora a crise e
hoje teríamos no local um grande supermercado, um conjunto residencial em
condomínio fechado, uma ocupação maciça do quarteirão, sem qualquer ganho do
espaço público”.
O projecto terá ainda de ser apreciado pelo executivo
municipal. “Pessoalmente farei essa proposta porque considero que este é um bom
projecto que gera espaços públicos de qualidade e vai valorizar a zona
envolvente. E que a proposta melhorou significativamente relativamente ao
projecto aprovado em 2005 e 2010. Na minha opinião integra-se no local”,
sublinhou o vereador, salientando contudo que o projecto deverá sofrer mais
correcções.
"Sem uma forte intervenção pública, regras claras e
procedimentos de participação pública, não se faz uma cidade para todos. Mas
sem promoção privada a cidade estagna”, concluiu.
Os grupos municipais do CDS, PEV, PPM, BE, PAN e PCP
posicionaram-se contra o projecto — pelo menos da forma que está projectado —,
defendendo também uma revisão dos sistema de créditos de construção.
Sem comentários:
Enviar um comentário