quinta-feira, 18 de julho de 2019

Torre da Portugália tem menos 11 metros mas está longe de reunir consensos



Torre da Portugália tem menos 11 metros mas está longe de reunir consensos

Na nova versão do projecto, a torre terá 49 metros e menos dois mil metros quadrados de construção. Apesar da redução na sua altura, os críticos do projecto continuam a discordar da actuação da autarquia e do sistema de créditos de construção aplicado. Para o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, este é “um bom projecto”.

 Cristiana Faria Moreira
Cristiana Faria Moreira 19 de Julho de 2019, 0:41

Depois de três debates públicos e de muita contestação, há um novo projecto para o quarteirão da Portugália: a polémica “torre” de 60 metros foi reduzida em 11 metros, mas manterá os 16 pisos, ficando mais recuada em relação à Avenida Almirante Reis, segundo a proposta que foi apresentada na tarde desta quinta-feira na Assembleia Municipal de Lisboa.

Coube ao arquitecto José Mateus, do gabinete ARX, responsável pelo projecto de arquitectura do empreendimento, a apresentação das alterações feitas depois de um período de consulta pública, que decorreu entre os meses de Maio e Junho, durante o qual poucas vozes se ouviram em defesa desta proposta.

Assembleia Municipal de Lisboa também quer debater projecto para a Portugália
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O futuro empreendimento, que ocupará os terrenos devolutos da antiga fábrica de cervejas Portugália, será um projecto sobretudo habitacional, estando prevista a construção de 85 apartamentos com tipologias entre o T0 e o T4. Prevê também a criação de escritórios e espaços de coworking e uma zona comercial no piso térreo que rodeará as duas praças interiores que serão criadas e pelas quais será possível circular entre a Avenida Almirante Reis e a Rua António Pedro. Estão previstos ainda cinco pisos subterrâneos que vão incluir estacionamento público.

Durante as últimas semanas, os arquitectos trabalharam numa proposta que reduz a altura do prédio mais alto da proposta — o objecto da discórdia —, e a área de construção em 2000 metros quadrados. De forma a minorar o seu impacto, a torre será agora recuada em seis metros em relação à Avenida Almirante Reis, ficando apoiada numa construção que, de acordo com o projecto, segue a altura dos prédios da avenida.

“Tem-se falado muito de incoerência em relação ao contexto. A coerência da Almirante Reis é a variação, a contradição”, notou José Mateus, que acredita que o empreendimento valorizará toda a zona.

O projecto tem sido muito contestado pela população que diz ser desadequado à zona e teme perder as vistas de miradouros como o da Penha de França ou do futuro Jardim do Caracol da Penha, assim como o impacto de ensombramento que esta nova construção poderá causar nas suas casas.

Segundo disse José Mateus, com esta reformulação foi aumentada a área de permeabilização dos terrenos e reforçada a arborização da zona, com a construção de grandes canteiros ajardinados no centro com lúpulos em alusão à produção de cerveja. “A equipa está a estudar formas, técnicas que sejam impulsionadoras da infiltração da água nos solos, sendo que aquelas que demorarem mais tempo a ser infiltradas serão armazenadas em reservatórios para rega ou lavagem dos espaços públicos”, explicou o arquitecto.

A questão da impermeabilização de toda a área de construção tem sido uma das grandes críticas apontadas ao projecto. “Tenho muita pena que os arquitectos paisagistas sejam cada vez mais utilizados para efeitos de makeup de processos e não em propostas estruturais que a arquitectura paisagista tem para a cidade. Não entendo como é que não houve uma abordagem sobre a permeabilidade. Estamos a falar de mais ou menos sete mil metros quadrados que são 100% impermeabilizados”, notou João Ceregeiro, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, deixando ainda críticas à actuação da autarquia: “É um contraciclo com aquilo que esta câmara tem aprovado, como o plano metropolitano de adaptação às alterações climáticas”.

"Este é um bom projecto”, diz Salgado
Apesar de as alterações, o projecto continua a não agradar aos munícipes que, sublinham, não é adequado à estética da zona. Em grande parte do debate, as críticas foram dirigidas à Câmara de Lisboa, sobretudo pelo sistema de créditos de construção, um instrumento previsto no PDM, que, na prática, permite ao promotor construir em mais área se se comprometer a criar mais oferta de estacionamento para os residentes, se integrar conceitos bioclimáticos e de eficiência energética ou criar e infra-estruturas ou espaço público, por exemplo.

 versão inicial do projecto previa que fossem concedidos ao promotor - o Fundo Sete Colinas, gerido e representado por Silvip – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário - 11 mil metros quadrados em créditos de construção. Com esta reformulação, disse José Mateus, há uma redução dos créditos para os nove mil, mas os promotores vão apenas utilizar sete mil: “Eliminamos todos os créditos que tinham a ver com questões que se pudessem associar a benefício quase exclusivo do promotor, como por exemplo, a classe energética e a ventilação natural. Foram considerados usos de créditos com benefício para a população, como estacionamento suplementar e melhoria de espaço público e iluminação LED”, explicou o arquitecto.

Para os munícipes, este instrumento serve apenas para beneficiar os promotores privados. “Permite-se a impermeabilização e, por isso, dá-se créditos pela recolha de águas pluviais”, criticou Miguel Pinto, do Movimento Stop Torre 60m Portugália, que fez chegar à assembleia municipal uma petição, e motivou este debate.

“Na versão anterior do projecto tínhamos uma superfície de pavimento base de 18 mil metros quadrados e créditos de construção de 11 mil. Valorizando cada metro quadrado a cinco mil euros estamos a permitir um encaixe financeiro adicional de 55 milhões de euros”, notou Miguel Pinto. “O que estamos também aqui a discutir é uma política da câmara que permite a grandes investidores imobiliários fazer mais-valias de dezenas de milhares de euros sem qualquer contrapartida relevante para a cidade”, sublinhou.

Na resposta, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, concordou que o regulamento dos créditos deve ser revisto. “Mas não defendo a sua abolição”, disse, rejeitando ainda as contas apresentadas pelos peticionários. “Quando se diz que cada crédito de construção vale cinco mil euros... O crédito de construção é um direito de edificabilidade. Não inclui projectos, não inclui custos de construção, não inclui nada disso. Para que não houvesse dúvidas, solicitamos à Direcção Municipal de Gestão do Património qual era o valor de mercado de um metro quadrado atribuído através de um crédito de construção e são 1700 euros por metro quadrado”, disse Salgado.

Cidadãos ponderam travar construção de prédio da Portugália nos tribunais
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O vereador fez ainda questão de clarificar que este projecto não está “perante uma folha em branco”, uma vez que o processo de requalificação do quarteirão se iniciou em 2001, tendo havido projectos aprovados em 2005 e em 2010 que acabaram por ser abandonados.

“Como dizia o presidente António Costa, a câmara de Lisboa não se iniciou com a nossa eleição nem terminará com a eleição de um novo executivo. A câmara tem séculos de existência e compromissos assumidos no passado, que devem, salvo casos excepcionais, ser respeitados. Não seria possível a modernização da cidade, tal como aliás não será possível a construção de habitação acessível [como este projecto promete], exclusivamente através da iniciativa pública”, considerou Manuel Salgado. “Não fora a crise e hoje teríamos no local um grande supermercado, um conjunto residencial em condomínio fechado, uma ocupação maciça do quarteirão, sem qualquer ganho do espaço público”.

O projecto terá ainda de ser apreciado pelo executivo municipal. “Pessoalmente farei essa proposta porque considero que este é um bom projecto que gera espaços públicos de qualidade e vai valorizar a zona envolvente. E que a proposta melhorou significativamente relativamente ao projecto aprovado em 2005 e 2010. Na minha opinião integra-se no local”, sublinhou o vereador, salientando contudo que o projecto deverá sofrer mais correcções.

"Sem uma forte intervenção pública, regras claras e procedimentos de participação pública, não se faz uma cidade para todos. Mas sem promoção privada a cidade estagna”, concluiu.

Os grupos municipais do CDS, PEV, PPM, BE, PAN e PCP posicionaram-se contra o projecto — pelo menos da forma que está projectado —, defendendo também uma revisão dos sistema de créditos de construção.


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