OPINIÃO
Ação afirmativa
num mundo académico pós-modernista/neomarxista
Vicente Teles
Baltazar, Estudante do ensino secundário 30
Julho 2019, 00:10
Hoje em dia, os chamados
“progressistas” estão a tentar voltar a categorizar os indivíduos e a
sociedade. Defendem a política de identidade, de maneira a alcançar o seu
objetivo supremo, a justiça social.
Os factos são
coisas teimosas, e quaisquer que sejam os nossos desejos ou inclinações, ou os
ditames das nossas paixões, estes não podem alterar o estado dos factos e das
provas.
-John Adams, 2º
Presidente dos Estados Unidos da América
Neste ensaio, defenderei a tese de que a ação
afirmativa (referida, muitas vezes, através da expressão “quotas para entrada
nas universidades”) é moralmente errada, injusta e discriminatória e, portanto,
não deve ser implementada em Portugal.
Ação afirmativa,
termo cunhado em 1961 pelo então presidente dos EUA, John Kennedy, é entendida
pelos seus apoiantes como discriminação positiva a favor de minorias
historicamente oprimidas e deve ser usada como arma para alcançar a equidade. A
ação afirmativa, posta em prática atualmente nos EUA, consiste, em sentido
lato, no estabelecimento de quotas de admissão nas universidades para minorias
historicamente desfavorecidas.
No entanto, esta
noção é baseada numa miríade de falácias, perpetuada pelos académicos
pós-modernistas/neomarxistas[1] que, atualmente, dominam as universidades
norte-americanas.
Muitos dos que
estão a ler este ensaio pensarão que as ideias marxistas são coisa do passado,
exaltadas apenas, por volta da dupla 25 de abril/1º de maio. Este equívoco é
compreensível, contudo, não fosse os novos apologistas de Marx se terem
camuflado sob o vulto do pós-modernismo, movimento político-cultural apregoado,
entre outros, por uma grande parte dos millennials. Mas como e porque aconteceu
o aparente cisma?
Na década de
1960, em França, progressivamente se tomava conhecimento dos horrores levados a
cabo pela implementação da ideologia marxista (China, 65 milhões de mortos;
URSS, 20 milhões de mortos; Coreia do Norte, dois milhões de mortos; Camboja,
dois milhões de mortos; etc.).[2] Esta situação levou a que os filósofos
marxistas franceses da época, porventura o mais conhecido Jean-Paul Sartre,
tivessem de camuflar a sua perspetiva. Para tal, efetuaram uma troca simples: a
clássica classificação marxista de opressor/oprimido foi alterada. Deixava de
ser a burguesia contra o proletariado para passarem a ser os homens brancos
contra todos os outros. Estava criado o neomarxismo e, consigo, a política
identitária.[3]
Discriminação
positiva é outro dos termos imaginados pelos pensadores neomarxistas e que está
na base da implementação de programas como a ação afirmativa, mas não só;
veja-se o Estado-Providência no qual este termo se encontra mascarado através
da designação de princípio de Solidariedade Social. Porém, a maior falha
encontra-se no próprio termo: “discriminação” e “positiva” são incompatíveis:
Guerra é Paz
Liberdade é
Escravidão
Ignorância é
Força
É este o famoso
slogan do INGSOC (Socialismo Inglês), partido que controla a Oceânia na famosa
obra “1984” de George Orwell. À semelhança do Big Brother também os pensadores
pós-modernistas/neomarxistas tentam controlar a nossa linguagem com termos
completamente orwellianos, como “ação afirmativa” e “discriminação positiva”.
Esta tática devia ser particularmente preocupante para todos aqueles que apoiam
a liberdade, já que sabemos que o controlo da linguagem é o controlo do
pensamento ou como diria o INGSOC “quem controla o passado, controla o futuro;
quem controla o presente, controla o passado.”[4]
Poderia
argumentar que a ação afirmativa é pura e simplesmente inconstitucional:
Constituição da
República Portuguesa – Artigo 13.º
Princípio da
igualdade
1. Todos os
cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode
ser privilegiado*, beneficiado*, prejudicado, privado de qualquer direito ou
isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica, condição social ou orientação sexual.
No entanto, o
propósito deste ensaio não é abordar o tema de um ponto de vista jurídico.
Martin Luther
King Jr. proferiu no seu famoso discurso de 28 de agosto de 1963 que “[tinha]
um sonho que um dia os [indivíduos] pudessem ser julgados, não pela cor da
pele, mas pelo conteúdo do caráter”. As suas palavras são tão atuais como o
eram há 56 anos, num mundo hoje conduzido pela política de identidade. De
facto, estamos a assistir a um retorno da segregação racial, patrocinado pelo
neomarxismo: ou não são as políticas de ação afirmativa injustas para os
indivíduos prejudicados em detrimento de outros, simplesmente por terem nascido
com uma certa cor de pele, facto que não conseguem controlar.
Por que razão
terá um estudante branco de ter melhor nota de candidatura que um estudante
cigano? Os defensores de tais políticas afirmam que certas raças foram/têm sido
historicamente prejudicadas e que, por isso, os indivíduos que por mero acaso
nasceram com essa cor de pele precisam de ajuda para entrar na universidade.[5]
Em primeira
análise, este argumento parece-me ser racista, mais que não seja para com os
indivíduos “historicamente oprimidos”. Não me parece que uma pessoa, no século
XXI, seja menos capaz de ter um bom aproveitamento escolar devido à sua raça ou
etnia. Aliás, porque é que o PS não propôs quotas para indivíduos com
ascendência asiática, que são uma minoria étnica em Portugal? É bastante óbvio:
porque estes têm bom aproveitamento escolar. Torna-se claro que as quotas são
um instrumento para legitimar e prolongar o insucesso e o facilitismo.
A pergunta que
temos de fazer é “que características é que definem a nota que obtemos no
ensino secundário e, portanto, se entramos na universidade ou não?”. Eu
respondo que são o empenho, inteligência, autonomia, esforço, dedicação,
competência, entre outros. E não outro qualquer fator físico.
É realmente
estonteante as incoerências com que nos deparamos ao tomar conhecimento dos
argumentos dos nossos opositores. Um tema tão importante como este deveria, com
toda a certeza, contar com a influência de filósofos/pensadores quer de um lado
como do outro. Do lado da minha tese destacaria Jordan Peterson, Ben Shapiro e
Thomas Sowell, este último apresentando um argumento particularmente
distintivo.
No outro campo,
não tenho receio de dizer que não existem pessoas que se possam chamar de
filósofos. Em minha opinião, são ideólogos. Existirá outro nome para pessoas
que, apesar de contradições tão graves, consigam continuar a apregoar a sua
doutrina? De facto, indivíduos como deputados do PS e Bloco de Esquerda e membros
de “delegações” do BE, como a ILGA, SOS Racismo, OMAR e MDM não passam de
ativistas que pretendem passar a sua agenda interseccional[6].
Estes sujeitos
afirmam que devemos ter diversidade de pensamento nas universidades, de maneira
a cada “grupo social” ser representado justamente. No entanto, não são capazes
de apresentar um único estudo ou outro documento que prove que, digamos, um
homem cigano tenha um modo de pensar diferente de um homem branco ou que pense
sequer em assuntos distintos. De facto, a única diferença biológica a esse
nível dá-se entre sexo masculino e sexo feminino.[7]
O princípio da
equidade (igualdade de resultados) afirma que, por exemplo, as mulheres deviam
representar 50% dos canalizadores ou que metade dos educadores de infância
sejam homens. Desenganem-se aqueles que pensam que o sistema de quotas ainda
não chegou a Portugal: veja-se a Lei da Paridade, onde tem de haver um mínimo
de 40% de mulheres e 40% de homens nas listas apresentadas por partidos
políticos a eleições[8]. Na realidade, surpreende-me o facto do número não ser
50%. Estará 20% reservado para não-binários?
O argumento
essencial que contradiz as teorias da equidade, justiça social e demais
terminologias pós-modernistas afirma que o desejável é termos hierarquias
baseadas na competência. Estas hierarquias são, pois, o melhor sistema possível
para a sociedade se auto-organizar e que mais efetivamente asseguram o
progresso humano. Partilho totalmente desta opinião. Na realidade, foram estas
hierarquias que construíram a civilização ocidental e, portanto, as
universidades.
No entanto, os
ideólogos pós-modernistas pretendem destruir as bases da civilização que
proporcionou ao mais alto nível a liberdade, procura da felicidade,
prosperidade e que mais massas levantou da pobreza em países que adotaram o seu
sistema económico, o capitalismo, como por exemplo a Índia. O objetivo
neomarxista é transformar as universidades, instituições que deviam transmitir
todas as conquistas da civilização ocidental, em completos campos de
doutrinação.
Como tenho vindo
a demonstrar ao longo das últimas linhas, a ação afirmativa contribui para o
fortalecimento de estereótipos, através do pensamento de que todas as pessoas
de certa raça são “estúpidas” e destrói a ideia da meritocracia (as pessoas
mais aptas devem receber os melhores cargos ou posições) que, por sua vez, dá
origem às hierarquias.
Thomas Sowell,
renomado economista, apresentou um argumento que se concentra não na moralidade
da implementação da ação afirmativa, mas antes, nos seus efeitos, ou seja, um
argumento empírico. Sowell afirma que os estudantes que precisariam, em
condições naturais, de ter uma média igual ou superior ao último candidato
aceite em, digamos, Harvard, vão ser prejudicados se entrarem com notas inferiores.
Isto acontece porque esses estudantes não estarão preparados para enfrentar o
ambiente extremamente competitivo e a carga letiva de uma instituição de topo.
Ora, esta
situação originará descontentamento para o estudante porque este não se
identificará com os outros colegas e, por isso, provavelmente, desistirá do
curso. Conclui-se, portanto, que se esses estudantes tivessem sido tratados em
condições de igualdade teriam entrado noutra universidade com menos prestígio,
mas onde se sentiriam integrados e pudessem dar continuidade ao seu percurso
académico e, posteriormente, profissional.[9] Do mesmo modo, possíveis
empregadores não contratarão estudantes excecionais do mesmo grupo étnico para
o qual foram definidas quotas porque terá a dúvida se este entrou na
universidade por mérito próprio.[10]
Em suma, penso
que se deve voltar ao pensamento desenvolvido por John Locke de que todos os
Homens são iguais perante a lei[11] e têm capacidades inatas que lhes permitem
a aplicar razão.
Hoje em dia, os
chamados “progressistas” estão a tentar voltar a categorizar os indivíduos e a
sociedade. Defendem a política de identidade, de maneira a alcançar o seu
objetivo supremo, a justiça social.
No entanto, quem
preza a liberdade e a prosperidade que vivemos no Ocidente deve fazer frente a
esta ideologia. Além disso, devemos tratar cada ser humano como um indivíduo
único, que tem características próprias que definem o seu curso de vida. Um dos
aspetos do seu curso de vida é, então, a entrada na universidade que deve ser
independente de características físicas que o indivíduo não controla. Nem o
Estado nem a reitoria de uma universidade pública ou privada deve através de
critérios arbitrários que nada têm que ver com as capacidades de um indivíduo
definir se este entrará no ensino superior.
Este ensaio foi elaborado no âmbito de um
trabalho escolar e publicado à data de hoje, dia 30 de julho de 2019, no site
do Jornal Económico.
[1] Jordan
Peterson explica o fenómeno do pós-modernismo/neomarxismo
[2] Courtois,
Stéphane, O Livro Negro do Comunismo, Quetzal, 1998
[3] Ver discurso
inicial de Jordan Peterson, [4] George Orwell, 1984, Antígona, 2012
* Negritos são da
responsabilidade do autor
[5]Ver os
argumentos a favor da ação afirmativa
[6] Ben Shapiro
explica a teoria da interseccionalidade
[7] Jordan
Peterson nas diferenças entre homens e mulheres, que também explicam a
desigualdade salarial entre os dois sexos
[8] Lei da
Paridade
[9] Sowell,
Thomas, Affirmative Action Around the World-an Empirical Study, 2005, Yale
University Press
[10] Clarence
Thomas, juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, teve dificuldade em
arranjar trabalho depois de se graduar em Yale
[11] Locke, John,
Dois Tratados do Governo, 2006, Edições 70
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