Haverá sobre o Acordo Ortográfico uma clara posição
parlamentar? Ou para lamentar?
Um acordo é um acordo: faz-se, se é útil; desfaz-se, se é
inútil. O que sair sexta-feira do Parlamento deve, pois, ser claro. Só que isso
implica coragem. Haverá?
Nuno Pacheco
18 de Julho de 2019, 7:30
No sábado, o Expresso noticiou, e outros jornais disso
fizeram eco, que o relatório final do Grupo de Trabalho para a Avaliação do
Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico (só o nome, pela sua extensão,
espelha bem o pesadelo que rodeia a coisa) aponta para “novas negociações”. E
alinhava, de forma sintética, o que estaria na base da tal recomendação. Ora a
notícia baseou-se no documento que, elaborado (naturalmente) pelo coordenador e
relator desse grupo, o deputado José Carlos Barros (PSD), circulava já pelos
partidos e, portanto, começava a ser público. Problema? O do costume. Apesar de
este grupo de trabalho já existir desde 20 de Janeiro de 2017, cessando funções
nesta legislatura, parece muito difícil chegar a consenso sobre tão magno tema.
O relatório, nas suas dezenas de páginas, enumera os muitos contactos e
depoimentos prestados, a favor e contra o AO. Aí, mostra-se descritivo, como
deveria ser. Porém, no final, ousa: tem conclusões e recomendações. E isso é
sinal de que trabalhou bem; ouviu, analisou e sugeriu. Não é para isso que
serve um grupo de trabalho?
Nem todos pensarão o mesmo. O PS, na reunião da Comissão de
Cultura desta quarta-feira, exerceu o seu direito potestativo para adiar a
discussão. Que vai realizar-se esta sexta-feira, de manhã cedo, talvez para que
os deputados meditem bem durante o sono da véspera. Ao fim de quase dois anos
de trabalhos e consultas, foi preciso ainda empurrar o assunto para um quase
“abismo”. Porque dia 19 é o último dia de trabalho no Parlamento. Depois,
férias e eleições.
O que concluía, então, o relatório, que tanta ponderação
exige? Primeiro, que “a aplicação do Acordo Ortográfico, bem como a
concretização dos objectivos que se propunha atingir, continuam longe de ser
uma realidade do ponto de vista político e social.” Alguém duvida? Depois, que
“o tom da discussão entre opositores e defensores do Acordo continua aceso, com
posições, em regra, extremadas e argumentos, de um e outro lado,
inconciliáveis.” Óbvio e incontestável. Depois, alinhando pacientemente os
argumentos pró e contra o AO (retirados dos depoimentos, que cita), a vários
níveis, jurídico e diplomático, educativo e, político, bem como “a comprovada existência
de opções discutíveis, incongruências e ambiguidades do Acordo Ortográfico do
ponto de vista técnico” (e isso até os defensores do AO admitem), recomenda, em
traços gerais, o seguinte: 1) “Que o Governo dê início a uma negociação
político-diplomática” na CPLP “com vista à discussão da situação actual ao
nível da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 e a ponderação das decisões
mais adequadas neste domínio, incluindo a possibilidade e o interesse de se dar
início a um processo de alteração ou aperfeiçoamento do actual Acordo ou à
negociação de um novo Acordo Ortográfico.” 2) “A constituição de uma Comissão
Científica Independente para a Ortografia” que acompanhe tal processo; 3) “A
realização de estudos, envolvendo os serviços do Estado e as comunidades
académica, científica, literária e profissionais, com vista à avaliação das
implicações da aplicação do Acordo Ortográfico no sistema educativo, no mercado
editorial e na imprensa, bem como ao nível da estabilidade ortográfica nos
serviços públicos e nas publicações oficiais.” Seria bonito, pelo que se
conhece, ler o resultado de tal estudo…
Mas o que está aqui em causa é uma coisa bastante simples:
ou o Grupo de Trabalho cumpre a sua missão, honrando o Parlamento (goste-se ou
não das conclusões e recomendações – mas isso, com eleições à vista, há-de
ficar para outro governo), ou arrumarão todo o trabalho que teve, e não foi
pouco, na gaveta das decisões para lamentar. Deixemo-nos de rodeios: de todos
os temas submetidos ao Parlamento, o único a que se pede “xiu”, o único tratado
como tabu, é o deste Acordo Ortográfico. Tem-se discutido abertamente (e bem!),
esgrimindo argumentos opostos, o aborto, a eutanásia, o casamento entre pessoas
do mesmo sexo, a adopção, mas quando se chega ao Acordo Ortográfico, logo surge
uma barreira, um temor, um incómodo. E, no entanto, a palavra escrita é algo
diário, quotidiano, corrente, a que nunca deixamos de estar ligados, seja em
que área for. E quem diz a escrita, diz a forma como ela se vai desfigurando, a
ponto de doutos senhores afirmarem publicamente que já não sabem bem como se
escreve.
Foi para isto que um punhado de seres se bateu acerrimamente
por um Acordo Ortográfico? Não, não foi. Mas é para isso que o temos. Para
escrever a calar. Razões, que as leve o vento! O tema da Língua Portuguesa, da
sua ortografia (e das necessárias variantes nos países onde ela é falada e
escrita) e do seu futuro, apesar das declarações enfáticas de vários
governantes, há-de ser tratado como um não-tema ou coisa não discutível, e seria
até colocado a seguir à definição da composição da alpista para canários se tal
tema fosse agendado no Parlamento.
Pois bem: contrariemos o tabu. É urgente discutir,
questionar, pôr em causa o que alguns têm por intocável e imutável. Um acordo é
um acordo: faz-se, se é útil; desfaz-se, se é inútil. O que sair sexta-feira do
Parlamento deve, pois, ser claro. Só que isso implica coragem. Haverá?
Parlamento não se consegue entender sobre o que fazer ao
acordo ortográfico
Coordenador do grupo de trabalho fez um relatório em que
recomendava ao Governo que fizesse uma “negociação politico-diplomática” com os
países da CPLP para aferir do interesse de alterar o acordo. Partidos recusaram
porque nunca discutiram fazer recomendações.
Maria Lopes
Maria Lopes 17 de Julho de 2019
Passaram quase dois anos e meio, foram ouvidas 16 entidades
e recebidos vinte contributos escritos, houve uma petição, um projecto de
resolução chumbado e uma iniciativa legislativa de cidadãos que foi entregue em
Abril e segue para a próxima legislatura. E a Assembleia da República continua
no mesmo ponto em que estava há quatro anos: os deputados não se entendem sobre
o que fazer ao acordo ortográfico.
A prova está no relatório do grupo de trabalho para a
avaliação do impacto da aplicação do acordo ortográfico de 1990, que desde
Março de 2017 voltou a ouvir quem está contra e a favor. Os deputados do grupo
de trabalho (GT) criticaram duramente o facto de o documento, elaborado pelo
coordenador, o deputado do PSD José Carlos Barros, incluir um capítulo com
recomendações quando estas nunca foram discutidas no grupo. À esquerda, PS, BE
e PCP não se reviam nas conclusões e recomendações, à direita PSD e CDS
reviam-se mas entendiam que o coordenador não teria o poder de fazer
recomendações que o grupo de trabalho não discutiu.
Numa primeira versão, o relatório recomendava que “o Governo
dê início a uma negociação político-diplomática entre as autoridades dos
diversos Estados-membros da CPLP, com vista à discussão da situação actual da
aplicação do acordo ortográfico de 1990 e a ponderação das decisões mais
adequadas neste domínio, incluindo a possibilidade e o interesse de se dar início
a um processo de alteração ou aperfeiçoamento do actual acordo ou à negociação
de um novo acordo ortográfico”. José Carlos Barros propôs depois que se
recomendasse, de uma forma mais geral, a “criação de condições” para essa
discussão, sem que fosse uma incumbência ao Governo.
A segunda recomendação apontava para a “constituição de uma
Comissão Científica para a Ortografia, formada por personalidades
representativas das comunidades académica, científica, literária e
profissionais, para efeitos de acompanhamento” daquelas negociações
político-diplimáticas que se estabelecessem. E a terceira propunha a realização
de estudos envolvendo os serviços do Estado e aquelas comunidades “com vista à
avaliação das implicações na aplicação do acordo no sistema educativo, no
mercado editorial e na imprensa, bem como ao nível da estabilidade ortográfica
nos serviços públicos e nas publicações oficiais”.
O relatório tinha de ser votado nesta quarta-feira no GT
para poder ser analisado e ratificado na comissão de Cultura - tudo tem que
estar pronto antes do último plenário de sexta-feira. Apesar das várias
alternativas discutidas pelos deputados para tentar ultrapassar as dificuldades
de se estar a chegar ao fim do prazo dos trabalhos, o PS pediu o adiamento
potestativo da votação, pondo em risco até a existência de um relatório.
José Carlos Barros disponibilizou-se, primeiro, para retirar
o conteúdo mais directo das recomendações ao Governo, mas perante a recusa dos
deputado, propôs transformar essas recomendações apenas na opinião do relator,
não vinculando, assim, os restantes deputados e grupos parlamentares. Mas o PS
manteve-se irredutível no adiamento. “Não haver relatório dos trabalhos
deixa-nos mal a todos”, avisaram o CDS, o Bloco e o PCP.
Ao PÚBLICO, o deputado do PSD lamentou que “não haja
condições no grupo de trabalho para fazer recomendações como um todo” e que a
questão do acordo ortográfico continue a ser um “tabu na sociedade e na
política” portuguesas. Na passada legislatura também houve um grupo de trabalho
no Parlamento mas que não fez quaisquer recomendações depois de todas as
audições e contributos que recebeu - limitou-se a fazer um relatório descritivo.
“Não podemos ter esta atitude de não abordar o assunto.
Temos de analisar o que se passa no ensino; saber por que, 30 anos depois de
assinado, ainda há quatro países que se opõem à sua aplicação, como é o caso de
Angola, que não o vai ratificar”, defende José Carlos Barros, acrescentando que
o PSD “deve, no mínimo, considerar uma avaliação séria no seu programa
eleitoral”.
O assunto do relatório poderá ser resolvido numa reunião da
comissão de Cultura na sexta-feira, às oito da manhã - porque o último plenário
da legislatura começa às nove e promete ter um extenso guião de votações.
tp.ocilbup@sepol.airam
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