quinta-feira, 4 de julho de 2019

Gente que prestigia Portugal na Europa / O vice-presidente Pedro Silva Pereira



Gente que prestigia Portugal na Europa


Peço desculpa ao Álvaro e ao Pedro. Está tudo bem. Está tudo óptimo. Tenham uma longa vida na Europa, prestigiem muito o nome de Portugal, que eu vou para dentro.

João Miguel Tavares
4 de Julho de 2019, 7:05

É oficial: Pedro Silva Pereira, sócio número um do clube de fãs de José Sócrates, marido de uma senhora avençada por Carlos Santos Silva (e compradora de exemplares de A Confiança no Mundo), pai de um convidado de luxo de Sócrates em Paris (cuja estada foi paga por Santos Silva), comentador num programa semanal de TV onde nunca comentou nada disto (nem nada lhe foi perguntado), que ascendeu a número três das últimas listas ao Parlamento Europeu apesar de ter andado escondido durante toda a campanha eleitoral, esse grande e inesquecível Silva Pereira foi agora eleito vice-presidente do Parlamento Europeu. Bravo!

Pergunta: alguém se chateou com isso? Houve gente incomodada? Vestes a rasgarem-se? Parece que não — e ainda bem que não. Pois se o homem nem sequer foi acusado pelo Ministério Público, com que direito é que se lhe pedem explicações? Alguém pode ser condenado só por ser amigo de outra pessoa? É aceitável que os jornais queiram substituir-se aos tribunais? É que nem pensar. Isso é po-pu-lis-mo. De-ma-go-gia.

Eu sei, eu sei, caro leitor. A culpa é minha. Estou outra vez armado em perseguidor dos inocentes, não é? Afinal, quando é que aprendo que em Portugal quem decide sobre a legitimidade política de um cidadão e quem avalia o seu comportamento ético é a Justiça e os tribunais? Só temos o direito de achar que o Pedro não se recomenda se um tribunal decretar primeiro — com sentença transitada em julgado — que o Pedro não é recomendável. Rosário Teixeira investigou, não investigou? Então está investigado. Não encontrou nada para o acusar, pois não? Então está não encontrado. Aqui o senhor colunista tem mais é que parar de chatear, encerrar as suas perseguições vergonhosas e deixar os inocentes em paz.

Coitadinho do Pedro Silva Pereira. Só porque esteve sempre ao lado de José Sócrates desde os anos 90; só porque foi o seu homem mais próximo durante uma década e meia; só porque eram almas gémeas e unha com carne; só por causa disso ele tinha de adivinhar qual era o comportamento do seu chefe? Claro que não tinha. É verdade que ao senhor João Perna — motorista de José Sócrates –— bastou um par de meses para tudo aquilo lhe começar a cheirar a esturro, mas toda a gente sabe que os motoristas são pessoas extremamente argutas quando comparadas com os políticos profissionais. Pobre Pedro Silva Pereira, cândido menino de coro, vou parar de persegui-lo, e é já.

Vou antes falar do eurodeputado do PSD Álvaro Amaro, que disse “jamais me refugiarei atrás de qualquer tipo de imunidade” ao mesmo tempo que tomava posse em Bruxelas e lhe era atribuído o estatuto de imunidade. Amaro teve de pagar 40 mil euros de caução no âmbito da Operação Rota Final (mais uma alegada rede de favores na atribuição de contratos públicos) para poder voar até ao Parlamento Europeu e ganhar a tal imunidade atrás da qual recusa refugiar-se. Abdicar do lugar enquanto a sua situação judicial não se clarifica? Ui, isso nem pensar, até porque seria uma traição ao voto dos portugueses. E Deus sabe quantos milhares de portugueses rumaram às urnas só para permitir a eleição de Álvaro Amaro.

Cá estou eu outra vez, não é? Não tenho emenda. Aprende, João Miguel, aprende: os tribunais é que mandam; os tribunais é que sabem. Álvaro Amaro tomou posse, não tomou? Então é porque pode. Peço desculpa ao Álvaro e ao Pedro. Está tudo bem. Está tudo óptimo. Tenham uma longa vida na Europa, prestigiem muito o nome de Portugal, que eu vou para dentro.

Jornalista


O vice-presidente Pedro Silva Pereira
Pedro Silva Pereira não foi acusado na Operação Marquês. Não há provas de que tenha cometido qualquer crime. Mas tudo indica que a sua família usufruiu de muito dinheiro de José Sócrates e Carlos Santos Silva. A sua carreira política devia ter terminado há muito.

João Miguel Tavares
25 de Junho de 2019, 5:40

Há coisas que me deixam boquiaberto. Se a escolha de Pedro Silva Pereira para n.º 3 da lista do PS ao Parlamento Europeu já foi uma gigantesca vergonha, o anúncio de que o seu nome vai ser sugerido para o cargo de vice-presidente do Parlamento Europeu demonstra que neste país uma carreira política nunca está acabada, por maiores que sejam os erros que se cometam, por piores que sejam as companhias, e ainda que a família mais próxima esteja envolvida no maior escândalo da democracia portuguesa.

Pedro Silva Pereira era o braço-direito de José Sócrates muito antes da sua chegada a primeiro-ministro. Na biografia oficial O Menino de Ouro do PS, publicada em 2008, Sócrates (é uma citação do livro) “orgulha-se em dizer que foi quem ‘descobriu’ Pedro Silva Pereira para a política”. Este é referido como o homem em quem “mais confia” e o seu “mais próximo conselheiro”. Quando Sócrates ascendeu a ministro do Ambiente, Silva Pereira foi para secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, coincidindo com os tempos do caso Freeport. Só esta proximidade política de décadas aconselharia o PS a remeter Silva Pereira para uma vida no sector privado. Mas há mais.

A acusação do processo Marquês afirma que a empresa XLM, “constituída com o objectivo de ser utilizada como plataforma de circulação de fundos com origem em sociedades do universo do Grupo Lena e do GES e que se destinavam aos arguidos Carlos Santos Silva e José Sócrates”, foi utilizada de duas formas diferentes para transferir dinheiro para o círculo mais próximo de Pedro Silva Pereira: para pagar despesas de alojamento ao seu filho aquando de um estágio de dois meses em Paris, entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2014; e para pagar uma avença de cinco mil euros mensais à sua mulher, Ana Bessa, entre Abril de 2013 e Março de 2014. (Em Abril deste ano, o jornal Sol noticiou que Ana Bessa foi entretanto constituída arguida pelo crime de falsificação de documentos.)

No caso da estada do filho de Silva Pereira em Paris, Sócrates terá disponibilizado a casa na Avenida Président Wilson, mas com o atraso nas obras resolveu pagar-lhe um apartamento em Citadines Les Halles. Preço médio: 2200 euros por semana. Em dois meses, as facturas totalizaram perto de 15 mil euros. Quanto à avença da mulher, ela é assim descrita na acusação: “No início do ano de 2013, Ana Bessa recebeu um pré-aviso de não renovação do seu contrato de trabalho com a sociedade espanhola Cartago Consulting, o que ocorreria em final de Abril desse mesmo ano. Em data não concretamente apurada dos primeiros meses do ano de 2013, o arguido José Sócrates Pinto de Sousa sugeriu ao arguido Carlos Santos Silva que, em nome da XLM, fosse celebrado um contrato de prestação de serviços com Ana Bessa.” Bessa comprometia-se a desenvolver “estudos nas áreas do ambiente e da agricultura”, e em troca recebia “uma avença mensal bruta de €5000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor”. No total terá recebido “a quantia líquida total de €98.000,00”, por serviços que o Ministério Público considera não terem sido prestados.

Pedro Silva Pereira não foi acusado na Operação Marquês. Não há provas de que tenha cometido qualquer crime. Mas tudo indica que a sua família usufruiu de muito dinheiro de José Sócrates e Carlos Santos Silva. Silva Pereira — note-se — nunca falou disto em detalhe, apesar de ter um programa semanal na televisão. A sua carreira política devia ter terminado há muito.

Jornalista

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