João Miguel
Tavares
OPINIÃO
Eduardo Cabrita,
o ministro inflamável
Não tenho grandes
dúvidas de que Eduardo Cabrita apareceu de cabeça perdida à frente dos
jornalistas porque tinha a voz de António Costa a ribombar na sua caixa
craniana “nada pode correr mal nesta época de fogos!”.
29 de Julho de
2019, 14:03
O caso das golas
inflamáveis é muito grave não por causa da probabilidade de um velhinho vir a
falecer numa ignição de poliéster em frente às suas fossas nasais (até porque
os populares que tenho visto a combater fogos têm ignorado olimpicamente o
magnífico kit da Protecção Civil), mas porque o caso faz a tripla da
bandalheira nacional.
Um: a
incompetência de distribuir pela população uma gola para usar em caso de
incêndio mas que convém não usar perto de incêndios.
Xis: a negociata
manhosa, que à medida que a informação vai pingando cheira a favorecimento
político por todo o lado, e muito possivelmente a mais um atentado ao erário
público.
Dois: a arrogância
do ministro da Administração Interna, que teve uma enorme dificuldade em
controlar os nervos diante de jornalistas que estavam a fazer o seu trabalho, e
que se realmente lhes chamou “cobras”, ainda que em off, é porque a sua
resistência ao fogo é idêntica à das golas de poliéster – e, portanto, está na
profissão errada.
Este um-xis-dois
é um embaraço para o Governo, e só mesmo Rui Rio – alegado líder da oposição –
é que se lembraria de escrever na primeira reacção ao caso: “Comprar material
inflamável para usar durante um incêndio? Nem sei bem o que dizer.” Se ele não
sabe o que dizer, eu posso tentar explicar.
Em primeiro
lugar, sempre que há dinheiro para distribuir, há um boy de dente afiado atrás
da moita, que abocanha o que há para abocanhar, seja pouco ou muito. Este tem
sido o padrão, seja através das autarquias, seja através da administração
central. Numa altura em que o combate à corrupção aperta, e ninguém já arrisca
receber sacos de dinheiro para favorecer A ou B, os favores vão sendo pagos através
do peculato, do tráfico de influências ou da participação económica em negócio,
formas mais subtis de atingir fins semelhantes. Basta ver a quantidade absurda
de empresas ridículas e sem currículo a receber ajustes directos, sempre com
ligações partidárias pelo meio.
Em segundo lugar,
mesmo quando há um esforço para fazer as coisas bem, há estruturas de
incompetência que dinamitam o trabalho, pela simples razão de que falta uma
cultura de exigência e de excelência no funcionalismo público português (isto
não significa que não existam funcionários exigentes e excelentes; significa
que a ausência dessa cultura não valoriza como deveria os melhores, nem afasta
como deveria os piores). Não tenho grandes dúvidas de que Eduardo Cabrita
apareceu de cabeça perdida à frente dos jornalistas porque tinha a voz de
António Costa a ribombar na sua caixa craniana “nada pode correr mal nesta
época de fogos!”. E, como seu viu, já está a correr, e o ministro sentiu de
imediato um frio na espinha e a lâmina no pescoço, por saber que este é o tipo
de coisas que pode pôr em causa uma maioria absoluta, que está ao alcance da
mão (se não houver demasiadas asneiras como esta).
Em terceiro
lugar, o PS teve um papel fundamental na consolidação da democracia portuguesa,
mas a cultura democrática tarda a consolidar-se no PS. Entre a cultura
democrática e a socrática, é esta que está entranhada no Partido Socialista.
António Costa, que não é virgem em matéria de irritações, fez um esforço de
moderação durante a legislatura, mas à medida que o poder se entranha a
vigilância diminui e os tiques trauliteiros voltam a emergir. Veremos se a
comunicação social resiste ao engrossar de voz socialista, ou se volta a fazer
as figuras tristes dos tempos do outro senhor.
Filho do
secretário de Estado da Protecção Civil fez contratos com o Estado
Empresa de filho
de José Artur Neves fez contratos quando o pai já era governante, avança
Observador. Secretário de Estado desconhecia – os contratos e a
incompatibilidade. A lei prevê a demissão.
PÚBLICO 30 de
Julho de 2019, 0:47
O filho do
secretário de Estado da Protecção Civil celebrou pelo menos três contratos com
o Estado, depois de o pai, José Artur Neves, ter ido para o Governo. A notícia
foi avançada esta segunda-feira pelo Observador.
A lei das
incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos
cargos públicos determina que a família directa de um titular de cargo político
não pode prestar bens ou serviços ao Estado. Nesses casos, diz a legislação, a
sanção é a demissão. A fiscalização do cumprimento da lei compete ao Tribunal
Constitucional.
“Desconheço a
existência de qualquer incompatibilidade neste domínio, como desconheço também
a celebração de tais contratos”, respondeu ao Observador o secretário de Estado
da Protecção Civil.
Nuno Neves, de 28
anos, filho do secretário de Estado, é dono de 20% (o dobro do permitido por
lei) da Zerca Lda, criada em 2015 sob o nome de Portzerc, quando o actual
secretário de Estado (cargo que ocupa desde Outubro de 2017) ainda era
presidente da Câmara de Arouca.
No último ano,
segundo o Base, o portal dos contratos públicos, a Zerca fez três contratos
públicos com o Estado: dois com a Universidade do Porto, um de 14,6 mil euros
(por concurso público) e um segundo de 722 mil euros (por ajuste directo); e um
terceiro contrato, também por concurso público, com a Câmara de Vila Franca de
Xira, no valor de 1,4 milhões, para uma urbanização na Póvoa de Santa Iria.
Segundo a lei,
“as empresas cujo capital seja detido numa percentagem superior a 10% por um
titular de órgão de soberania ou titular de cargo político, ou por alto cargo
público, ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou
serviços, no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com
o Estado e demais pessoas colectivas públicas”.
Ficam sujeitas ao
mesmo regime “as empresas de cujo capital, em igual percentagem, seja titular o
seu cônjuge, não separado de pessoas e bens, os seus ascendentes e descendentes
em qualquer grau e os colaterais até ao 2.º grau, bem como aquele que com ele
viva nas condições do artigo 2020.º do Código Civil”; e também “as empresas em
cujo capital o titular do órgão ou cargo detenha, directa ou indirectamente,
por si ou conjuntamente com os familiares referidos na alínea anterior, uma
participação não inferior a 10%”.
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