Carlos da Torre
OPINIÃO
O prédio da discórdia!
Certo é que este prédio desfigurou completamente o centro
histórico da cidade. Afectando a vista sob todas as perspectivas principais e
tornando-se motivo de chacota grosseira desde que foi construído.
12 de Julho de 2019, 6:07
Falar sobre o “Prédio do Coutinho” nesta altura é mais
difícil do que nunca. É também mais necessário. E muito mais abrangente do que
as últimas narrativas construídas ao sabor das emoções do momento querem fazer
crer.
O que está em discussão é muito mais do que a reposição de
um equilíbrio visual gravemente afectado com base numa licença emitida ainda no
tempo da ditadura, em 1973, por decisão política contra o parecer do Director
de Obras da Câmara Municipal de Viana do Castelo. E cujo processo conseguiu
contornar também o facto de estar no âmbito da Zona Arqueológica de Viana do
Castelo. O diploma que criou essa zona obrigava a que todos os projectos fossem
aprovados pela Direcção-Geral dos Assuntos Culturais. Por essa razão, a mesma
Direcção-Geral questionou a autarquia sobre o licenciamento da construção do
edifício, de 13 andares, e chegou a exigir a suspensão das obras. Mas, pelos
vistos, não teve força para fazer cumprir essa suspensão. Isto aconteceu no
início de 74, antes do 25 de Abril.
Resumindo, foi, de facto, um licenciamento camarário
duvidoso o que deu sustentação legal à construção do “Prédio do Coutinho”,
proporcionando ao investidor ampliar para 13 andares a construção num terreno
que adquiriu em hasta pública para construir com um limite de 6 andares.
Certo é que este prédio desfigurou completamente o centro
histórico da cidade. Afectando a vista sob todas as perspectivas principais e
tornando-se motivo de chacota grosseira desde que foi construído. Inclusive
constituiu-se como um obstáculo à candidatura da cidade a património mundial.
Houve diversas tentativas para resolver o problema, vindas
de diversos quadrantes e em diferentes ocasiões. Desde logo, a Comissão
Administrativa, liderada por Alexandre Marta, que dirigiu o município até às
primeiras eleições democráticas, e que acabou por desistir desse objectivo por
falta de meios financeiros para indemnizar o dono da obra. Depois, um executivo
municipal de maioria PSD, sob a presidência de Branco de Morais, tentou uma
solução, mas também este acabou por não conseguir. Mais tarde, no final do
segundo mandato de Defensor Moura (PS), é apresentado um Plano Estratégico para
a cidade em que a demolição do edifício volta a ser colocada como uma
necessidade articulada com a revitalização do centro histórico e da marginal do
rio Lima.
Aquele foi o momento da politização exacerbada deste
assunto. O PSD e o CDS acharam que podiam fazer do “Prédio do Coutinho” mote
central das eleições autárquicas que ocorreriam nesse ano. E fizeram.
Coligaram-se e convidaram Teresa Almeida Garrett Lucas Pires para liderar uma
candidatura completamente focada neste tema. Defensor Moura teve a maior
votação de sempre.
O Polis permitiu, a Defensor Moura, condições que ninguém
antes tinha tido para resolver o problema. No âmbito do Polis foram construídos
edifícios (em zonas muito próximas) para os moradores do “Prédio do Coutinho”.
Seguiram-se as normais negociações em que, creio, havia sempre como alternativa
uma nova habitação ou um valor de indemnização adequado. A maioria dos
moradores chegou a acordo. Apenas um pequeno número, que aparece aos olhos da
cidade como indisponível para qualquer acordo, não aceitou. Pessoas, muitas
delas com motivações políticas, obviamente legítimas, e com capacidade para
recorrer aos tribunais até às últimas consequências. E foi o que fizeram. O
assunto, de instância em instância, chegou ao Tribunal Constitucional.
Perderam. Depois disso ainda utilizaram uma Providência Cautelar, que também
não resultou. Depois esperaram pelo momento do despejo anunciado para utilizar
nova Providência Cautelar. Que se irá protelar por mais alguns dias, meses, ou
anos, sabe-se lá... E, assim, continuam a usar expedientes legais para
contrariar uma decisão que não querem que se concretize, com o propósito de
adiar o inevitável com prejuízo para todos... até para os próprios.
Por tudo isto, falar sobre o caminho que colocou este
assunto sob os holofotes dos média e das redes sociais, é falar sobre
democracia, é falar sobre respeito pelas suas regras, é falar sobre o
privilégio de quem tem recursos financeiros para ter um acesso permanente à
Justiça, é falar sobre sobre enviesamento político, falta de informação,
jornalismo sensacionalista, jogo de influências e de poder... etc., etc.
Claro que nos tem de preocupar que alguns dos protagonistas
directos (porque há muitos outros indirectos pouco preocupados com isso), após
duas décadas a arrastar, intencionalmente, este processo, estejam em idades que
inspiram cuidados reais sobre a forma como a sua saúde resiste a este embate
(que eles escolheram, antes e agora, porque suponho que ninguém quer pôr em
causa a sua lucidez, diga-se).
Mas daí até não se perceber que foi feita uma chantagem
emocional perigosa para todos, explorada muito para além da realidade, vai a
distância do bom senso. É bom que fique claro que não estamos a falar de
pessoas a ser retiradas de uma casa para a rua, como parte do país parece ter
percebido. Isso acontece diariamente, noutras circunstâncias, com outros
protagonistas, pobres ou empobrecidos, que são escorraçados sem contemplações e
sem aparato mediático a fazer eco do seu drama.
Carlos de Torre
Sem comentários:
Enviar um comentário