Sem dizer adeus aos carros, a Praça da Alegria será mais
pedonal
Projecto da câmara de Lisboa foi apresentado a uma pequena
plateia de moradores e comerciantes. Autarquia admite que, inicialmente, a
ambição de condicionar o trânsito era maior. Passeios serão sobretudo em
calçada portuguesa.
João Pedro Pincha
João Pedro Pincha 4 de Julho de 2019, 20:50
Fotomontagem do projecto, apresentada na quarta-feira DR
Estreitar a faixa de rodagem, alargar os passeios, reduzir o
número de lugares de estacionamento e plantar mais árvores no jardim são os
ingredientes com que se coze o projecto da câmara de Lisboa para a Praça da
Alegria, apresentado publicamente na quarta-feira.
A receita é semelhante à que se tem aplicado em quase todas
as obras do programa Uma Praça em Cada Bairro, em que esta intervenção também
se insere. “Esta proposta não quer abolir o automóvel, quer encontrar um
equilíbrio justo entre o automóvel e o peão”, disse Alexandre Dias, do atelier
de arquitectura Orange, a quem a autarquia encomendou o projecto.
O arquitecto explicou que um dos seus objectivos foi não
introduzir demasiadas mudanças neste espaço público, uma jóia no coração de
Lisboa, cujos contornos estão definidos e mais ou menos estabilizados desde o
século XVIII. “Talvez a melhor palavra que se encontre para este pedaço de
cidade seja ‘resiliência’”, disse Alexandre Dias. Enquanto Lisboa mudava à sua
volta, acrescentou o projectista, “este pequeno quadradinho ficou”
relativamente intacto.
Estão previstas, ainda assim, algumas mudanças. Com a
eliminação de 28 lugares de estacionamento automóvel (passam de 98 para 70) e a
criação de lugares paralelos (ao invés dos actuais, em espinha), os passeios
serão alargados em todo o troço desde o antigo Maxime até à esquina da Rua da
Alegria com a Rua da Mãe d’Água. Os lugares para carros que existem em redor do
jardim vão manter-se, mas também aí o passeio será alargado, o que fará
desaparecer o estacionamento do outro lado da rua e provocará o estreitamento
da via.
Outra fotomontagem do projecto, onde se vê a redução dos
lugares de estacionamento e o aumento dos passeios DR
São medidas destinadas a “controlar a velocidade” dos
carros, organizar o estacionamento e “dignificar o belíssimo muro” do jardim,
afirmou Alexandre Dias. Está ainda prevista a elevação de passadeiras, a
criação de dois locais para parqueamento de bicicletas, a transformação da
Travessa do Salitre numa “zona de coexistência” entre carros e peões e a
instalação de um ecoponto enterrado.
Há ainda duas pequenas pracetas, mais encostadas à Avenida
da Liberdade, que também vão ser pedonalizadas, embora a existência de garagens
impeça a proibição total de carros nesses locais. Todos os novos passeios serão
construídos em calçada portuguesa, à excepção de um, no topo norte do jardim,
que terá um material betuminoso (a câmara chama-lhe “piso confortável”).
Também para o jardim se prevêem trabalhos. Vítor Esteves, do
mesmo atelier de arquitectura, explicou que as árvores históricas, classificadas,
serão “reabilitadas com acções pontuais” e que vão ser plantadas novas
espécies, como lódãos. Para os canteiros está idealizada “uma flora luxuriante”
e a eliminação de barreiras “como os gradeamentos, para que as pessoas sejam
convidadas a usar o espaço”, disse o arquitecto.
Projecto menos ambicioso
Perante uma plateia a rondar as 30 pessoas (incluindo
técnicos da câmara), o arquitecto Pedro Diniz, que coordena o Uma Praça em Cada
Bairro, admitiu que o plano inicial da autarquia era mais ambicioso do que o
agora previsto. “Estava no projecto preliminar retirar o trânsito do topo norte
da praça. Era esse o nosso desejo, ligar o jardim ao edificado”, disse,
reconhecendo que tal não foi possível porque não se encontrou alternativa
viável para quem usa a praça para fazer inversão de marcha e regressar à Av. da
Liberdade.
Essa foi uma das críticas que fez Miguel Gonçalves Mendes, o
primeiro cidadão a intervir. “Entristece-me que o projecto seja isto, porque
isto não é nada. É um projecto bastante pífio, de cosmética”, disse, advogando
que o trânsito devia ser mais limitado e o estacionamento mais cortado. O
munícipe criticou ainda a falta de “um planeamento alargado” para toda a colina
entre a Praça da Alegria e o Príncipe Real.
“Aquilo a que o senhor chama pífio é fruto de um enorme
trabalho”, respondeu Pedro Diniz. “Se há algo de que não pode acusar-nos é de
fazermos intervenções casuísticas”, disse ainda, revelando que está em curso
“um trabalho de planeamento muito mais abrangente”, para várias zonas da
cidade, que envolve o condicionamento do trânsito.
Outra munícipe, Rita Silva Pereira, elogiou o projecto mas
mostrou-se preocupada com a perda de estacionamento pois, afirmou, “é muito
difícil, no final do dia, chegar a casa e ter lugar para estacionar”. Já Inês
Cunha, do Hot Clube de Portugal, também favorável à intervenção, pediu à câmara
que reabilite os prédios municipais devolutos existentes na praça. “A praça vai
ficar linda, tenho a certeza, e depois vai haver dois ou três edifícios em mau
estado”, alertou.
Em sentido oposto interveio a munícipe Sofia Vala Rocha.
“Acabam com o estacionamento, estreitam vias. Percebe-se perfeitamente que o
plano é acabar com os carros. Tornam tudo infrequentável e no fim somos nós que
vamos pagar isto tudo”, criticou.
“O espaço, como todos sabem, não estica”, disse Pedro Diniz
no fim. Segundo o responsável, 66% da área da Praça da Alegria e ruas
adjacentes “é dominada pelo automóvel” e a proposta visa diminuir essa
percentagem para 49%. “Este projecto”, afirmou Pedro Diniz várias vezes, “não
está fechado. Estamos abertos a novas sugestões.”
Ainda não há previsão de quando arrancam as obras.
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj
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