Imagens de OVOODOCORVO
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Se os oceanos ficarem mais quentes e ácidos, o bacalhau irá
tornar-se um refugiado climático
Cientistas da Alemanha e Noruega criaram três cenários para
saber como o bacalhau reagirá às alterações climáticas. Para que não mude a sua
casa mais para norte, temos de reduzir as emissões de gases com efeito de
estufa – problema que começou no domingo a ser discutido na conferência da ONU
sobre alterações, este ano na Polónia.
TERESA SOFIA SERAFIM 3 de Dezembro de 2018, 7:33
Cozinhado de infinitas formas, o bacalhau é um hábito em
muitas mesas portuguesas. Mas, devido à pesca excessiva, poluição e ao
aquecimento global, tem vindo a ficar cada vez mais vulnerável. Preocupados
(sobretudo) com as consequências das alterações climáticas no
bacalhau-do-atlântico – o que se consome mais em Portugal – e no
bacalhau-do-árctico, cientistas da Alemanha e Noruega criaram cenários sobre o
que lhes acontecerá caso as emissões de gases com efeito de estufa continuem a subir.
Os resultados não deixam dúvidas: caso essas emissões continuem a aumentar, as
populações de bacalhau poderão diminuir e mudar o seu habitat mais para norte.
Ou seja, podem tornar-se refugiados climáticos, como ilustra esta equipa de
cientistas.
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Metade desta ilha foi engolida pelo oceano em apenas 20 anos
Viajemos até às águas do Atlântico Norte e do Árctico. Nelas
encontramos o bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua) e o bacalhau-do-árctico
(Boreogadus saida). Ambos gostam de águas bem frias durante a sua reprodução: o
bacalhau-do-árctico reproduz-se em águas entre os zero e os 1,5 graus Celsius,
já o bacalhau-do-atlântico prefere águas um pouco mais quentes (mesmo assim
muito frias para nós) entre os três e os sete graus Celsius.
Como gostam de águas tão geladas, estas espécies ficam
vulneráveis às alterações climáticas, que podem tornar as águas do Atlântico
Norte e do Árctico mais quentes como resultado da emissão de gases com efeito
de estufa. Há ainda o problema da acidificação dos oceanos: quanto mais dióxido
de carbono (CO2) houver na atmosfera, mais dióxido de carbono se dissolve nos
oceanos. Simplificando: o CO2 e a água ligam-se e formam ácido carbónico, o que
acidifica os oceanos.
“Isto significa que o bacalhau-do-atlântico e o
bacalhau-do-árctico poderão ter um stress duplo no futuro: o seu habitat ficará
simultaneamente mais quente e mais ácido”, aponta Flemming Dahlke, ecólogo
marinho do Instituto Alfred Wegener (Alemanha) e autor do trabalho publicado na
revista científica Science Advances, num comunicado da sua instituição.
Ovos mais vulneráveis
Foi com estas preocupações que Flemming Dahlke e a sua
equipa iniciaram uma investigação para saber quais as consequências das
alterações climáticas nessas duas espécies. Para isso, fizeram experiências com
ovos do bacalhau-do-atlântico e do bacalhau-do-árctico. Primeiro, apanharam
peixes já adultos no mar de Barents e transportaram-nos para instalações no
Norte da Noruega. Através deles, tentarem perceber como o bacalhau reage à
acidificação e ao aumento da temperatura dos oceanos.
E porquê fazer esta experiência durante o desenvolvimento
embrionário? Porque nesta fase o bacalhau está particularmente sensível à
mudança das condições ambientais. Por exemplo, o bacalhau-do-atlântico adulto
aguenta temperaturas dentro dos 20 graus Celsius, enquanto os seus ovos só
suportam temperaturas por volta dos três graus Celsius. Já o
bacalhau-do-árctico adulto tolera três graus Celsius, mas os seus ovos ficam-se
pelos zero e os 1,5 graus.
Voltemos à experiência. Os cientistas observaram como os
ovos de bacalhau são sensíveis: um pequeno aumento na temperatura pode provocar
a morte de ovos ou causar deformações nas larvas. A situação ainda é mais
preocupante quando a água é ácida. Se a água tiver um nível de pH de 7,7 (mesmo
quando as temperaturas são mais baixas), o número de embriões que não sobrevive
aumenta entre 20% e 30%.
Mas a experiência não terminou aqui. A equipa criou três
cenários climáticos para prever como é que os ovos de bacalhau sobreviverão nos
oceanos em 2100. No cenário mais gravoso (RCP8.5) não haverá uma redução de
gases com efeito de estufa até ao final do século. Por sua vez, no cenário
intermédio (RCP4.5) existirá uma ligeira redução desses gases. Já num cenário
menos gravoso (RCP2.6) os gases com efeito de estufa serão fortemente
reduzidos.
“No cenário mais gravoso, ambas as espécies serão muito
afectadas porque o aquecimento e acidificação dos oceanos excederão os limites
de tolerância dos ovos. As espécies não se poderão reproduzir mais nos sítios
onde agora habitualmente o fazem”, diz ao PÚBLICO Flemming Dahlke. “Estas
espécies serão forçadas a movimentarem-se para regiões mais frias, o que será
difícil para o bacalhau-do-árctico porque prefere temperaturas à volta dos zero
graus Celsius.”
Relativamente ao cenário intermédio, os impactos no
bacalhau-do-atlântico poderão ser minimizados, mas o bacalhau-do-árctico
continuará em perigo. As duas espécies só ficarão a salvo no cenário menos
gravoso, ou seja, se a temperatura média global não ultrapassar os 1,5 graus
Celsius em relação ao período pré-industrial e até ao final do século (tal como
apontado no relatório divulgado em Outubro do Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas) e ficar bem abaixo dos dois graus Celsius (como sugerido
no Acordo de Paris de 2015, durante a 21ª Conferência das Partes, COP21, da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas).
A propósito, começou no último domingo e termina a 14 de
Dezembro a COP24 em Katovice, na Polónia. As novas tecnologias favoráveis ao
clima, a população humana como factor de mudança, o papel da floresta e a
adopção de uma decisão que garanta a plena execução do Acordo de Paris são
alguns dos assuntos em cima da mesa. “O pacote de implementação dará ao Acordo
de Paris uma forma realista, definindo um caminho que cada país decidirá seguir
para intensificar os esforços para proteger o clima. Para simplificar, não há
Acordo de Paris sem Katovice”, diz a organização da conferência citada pela
agência Lusa.
Na parte final da conferência, Portugal estará representado
pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos
Fernandes. Ao longo da iniciativa também participarão especialistas e
ambientalistas portugueses. A indústria, os transportes, os oceanos, as zonas
costeiras energia, uso da terra, finanças, consumo responsável, inovação,
desporto ao turismo são alguns dos temas que estes especialistas discutirão.
Temas que – por estarem relacionados com as alterações climáticas – terão
influência na situação do habitat e reprodução do bacalhau.
“A tolerância
reduzida dos ovos representa um problema crítico para a reprodução do
bacalhau-do-atlântico e do bacalhau-do-árctico quando estão sob influência das
alterações climáticas”, alerta Flemming Dahlke. “Se as alterações climáticas
não forem combatidas, a probabilidade de sobrevivência dos ovos destas espécies
poderá reduzir-se em mais de 50%, levando possivelmente a mudanças na
distribuição e abundância [das suas populações]. Mas uma ambiciosa redução dos
efeitos das alterações climáticas poderá evitar impactos perigosos nestas
importantes espécies.”
Portanto, o bacalhau tem um desafio fulcral: encontrar águas
com uma temperatura que lhe permita desenvolver os seus ovos. Actualmente, o
bacalhau-do-atlântico reproduz-se perto do arquipélago de Lofoten, no Noroeste
da Noruega. Depois, as correntes dão uma ajudinha e levam os ovos e as larvas
mais para norte, onde há condições de vida ideais para o seu desenvolvimento.
“Se as populações de
bacalhau-do-atlântico e as suas zonas de reprodução mudarem no futuro mais para
nordeste, este peixe irá reproduzir-se, muito provavelmente, num sistema de
correntes completamente diferente”, prevê o ecólogo marinho. “Isso pode
acontecer, mas ainda não podemos avaliar esses efeitos.”
Ao longo dos tempos, o bacalhau tem tido uma importância
determinante. O bacalhau-do-árctico é o peixe mais abundante no Árctico e é um
recurso alimentar essencial para aves, focas e baleias. Já o
bacalhau-do-atlântico tem um elevado valor comercial e, em cada ano, são
capturadas um milhão de toneladas.
Aliás, uma descrição da pesca (e importância para os
portugueses) deste peixe foi feita por Alan Villiers, especialista em assuntos
náuticos, no livro A Campanha do Argus. “Já só temos isco para mais um dia –
disse o capitão Adolfo, fixando o Creoula, ancorado perto de nós. Finalmente,
fazia bom tempo e havia bacalhau com fartura”, lê-se numa edição de 2014 da
Cavalo de Ferro.
Para que o bacalhau não se torne um refugiado climático –
além de reduzirmos as emissões de gases com efeito de estufa –, Flemming Dahlke
aponta que se deve fazer uma gestão sustentável das pescas para se evitar assim
uma pesca excessiva. “Devemos ainda proteger potenciais habitats de refúgio no
Árctico da exploração de petróleo e de outras formas de intervenção humana”,
avisa o ecólogo antes que seja demasiado tarde.
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