ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Apesar dos acordos, emissões de CO2 continuam a aumentar em
2018
Relatório constata que as emissões globais de dióxido de
carbono devem atingir a maior subida de todos os tempos em 2018 com um aumento
de mais de 2,7% face a 2017. Este é um dos principais alertas dirigidos aos
líderes mundiais reunidos na cimeira do clima das Nações Unidas, na Polónia.
ANDREA CUNHA FREITAS 6 de Dezembro de 2018, 7:32
A cimeira das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP
24), a decorrer em Katowice (na Polónia) até 14 de Dezembro, está a servir de
gatilho para inúmeros alertas sobre o mau estado em que colocámos o nosso
planeta. Apesar das previsões mais optimistas dos que acreditam que ainda vamos
a tempo de remediar o mal, a verdade é que os problemas que os representantes
de 190 nações têm de enfrentar (e tentar resolver) são assustadores. O
relatório do Orçamento do Carbono divulgado esta quarta-feira, é mais uma
enorme acha para a fogueira com o aviso sobre um esperado aumento de 2,7% nas
emissões de CO2 em 2018 em relação a 2017. Mas há mais.
A aposta nas energias renováveis será evidente, mas ainda
está longe de conseguir compensar o que o mundo vai buscar aos combustíveis
fósseis para obter a energia que precisa para funcionar. Os consumos de carvão,
petróleo e gás continuam muito acima do que seria necessário para manter o
planeta a salvo e o relatório do Orçamento do Carbono, divulgado simultaneamente
nas revistas Nature, Earth System Science Data e Environmental Research
Letters, é claro sobre as consequências: as emissões globais da queima de
combustíveis fósseis devem atingir 37.100 milhões de toneladas de CO2 em 2018.
Se entre 2014 a 2016 este indicador parecia estar a crescer muito pouco ou
quase nada, em 2017 o aumento já foi de 1,6%. As projecções para 2018,
apresentadas pelos investigadores da Universidade de East Anglia (no Reino
Unido) e do Projecto Carbono Global que elaboraram o relatório Orçamento do
Carbono, são desanimadoras. “As emissões precisam de atingir um pico e diminuir
rapidamente para lidar com as mudanças climáticas. Com o crescimento das
emissões este ano, parece que o pico ainda não está à vista”, confirma Corinne
Le Quéré, professora de política e ciência de alterações climáticas da
Universidade de East Anglia e uma das autoras do relatório que confirma e
quantifica uma informação já avançada há cerca de uma semana por um outro
estudo divulgado pelas Nações Unidas.
As emissões causadas pelo desmatamento e por outras
actividades humanas em terra representam mais 5000 milhões de toneladas de CO2
este ano, elevando o total, incluindo a queima de combustíveis de fósseis, para
41.500 milhões. Desta forma, as concentrações de CO2 na atmosfera deverão
aumentar em média cerca de 2,3 partes por milhão em 2018 para atingir cerca de
407 partes por milhão ao longo do ano. “Isso representa 45 % acima dos níveis
pré-industriais.”
Para limitar o aquecimento global à meta do Acordo de Paris
de 2015, que aponta para um máximo de 1,5 graus Celsius, as emissões de CO2
precisariam diminuir em 50% até 2030 e chegar a zero por volta de 2050. Por
este andar, avisa Corinne Le Quéré, “estamos a caminho de três graus Celsius de
aquecimento global”.
É fácil concluir que é preciso fazer mais e mais
rapidamente. E aqui (quase) todos estão de acordo, se colocarmos de lado os
célebres cépticos que ameaçam ficar de braços cruzados, como Donald Trump nos
EUA e Jair Bolsonaro no Brasil.
Feitas as excepções, os autores do relatório reconhecem que
o mundo se está a esforçar. “As tendências na energia estão a mudar e ainda há
tempo para enfrentar as alterações climáticas se todos os sectores da economia
fizerem o esforço para reduzir as emissões de carbono”, referem. Christiana
Figueres, mentora da acção internacional Mission 2020, escreve um comentário na
revista Nature e agenda uma data: “As emissões globais de CO2 têm de começar a
cair a partir de 2020 se quisermos atingir as metas de temperatura do Acordo de
Paris, e isso está ao nosso alcance. Já alcançamos coisas que pareciam
inimagináveis há apenas uma década.”
Mas, afinal, por que é que as emissões continuam a aumentar?
Os investigadores falam num “sólido crescimento no consumo de carvão” que, em
breve, poderá ultrapassar o pico registado em 2013. O consumo de petróleo
também continua “a crescer fortemente na maioria das regiões”, com aumento das
emissões libertadas pelo tráfego terrestre e aéreo, incluindo os EUA e a
Europa. Por fim, o consumo de gás “cresceu de forma quase inabalável nos
últimos anos”. “Por enquanto, a crescente demanda global por energia está a
superar a descarbonização. Precisamos de forte apoio político e económico para
a rápida implantação de tecnologias de baixo carbono para reduzir as emissões
nos sectores de energia e transporte, de edifícios e da indústria”, afirma
Corinne Le Quéré.
O tal “forte apoio político e económico” pode estar nesta
cimeira do clima das Nações Unidas? Talvez. A COP 24 tem como um dos principais
objectivos a elaboração de um “manual” com as regras comuns que devem ser
usadas nos vários países para registar, monitorizar e validar o esforço de
redução das emissões de CO2, bem como outro tipo de medidas que contribuam para
minimizar os efeitos das alterações climáticas. O financiamento – já se sabe,
por exemplo, que o Banco Mundial vai disponibilizar 200 mil milhões de dólares
(176 mil milhões de euros) para cinco anos – terá de ser dirigido para acções
de substituição da economia com vista à descarbonização, mas também para ajudar
os países mais pobres e responder aos estragos devastadores provocados por
fenómenos extremos (tempestades, incêndios florestais e inundações) cada vez
mais comuns.
Espera-se obviamente (mais) um compromisso à escala mundial
na Polónia. Mas, os anfitriões já deram um sinal contraditório com a
organização do encontro numa cidade construída à volta da actividade mineira do
carvão e que tem como principais patrocinadores duas companhias deste sector.
Resta esperar que seja um insólito sinal de vontade de mudança.
E as boas notícias?
Para já, a remar contra a maré, há 19 países que conseguiram
reduzir as emissões de CO2 na última década mantendo o crescimento da sua
economia. O relatório do Orçamento do Carbono não inclui dados sobre Portugal
que, em 2017 em relação ao ano anterior, segundo o Eurostat, registou o quinto
maior aumento de emissões de CO2 provenientes do consumo de energia com 7,3%,
sendo a média da União Europeia (UE) de 1,8%.
Entre outras possíveis escapatórias, a esperança está
depositada na aceleração das energias renováveis. “Os custos das tecnologias de
energia renovável caíram 80% em uma década e hoje mais da metade de toda a nova
capacidade de geração de energia é renovável”, constatam os autores do
relatório, que elogiam também os esforços de “descarbonização da economia”.
No próximo dia 12 de Dezembro (quarta-feira) o Acordo de
Paris, aprovado na COP 21, faz três anos e é difícil encontrar motivos para
celebrar. Em Janeiro deste ano ficámos a saber, por exemplo, que os últimos
três anos (2017, 2016 e 2015) foram os mais quentes desde que começaram os
registos de temperaturas, em 1880.
A edição desta semana da revista Nature é apenas um dos
muitos exemplos de “alertas vermelhos” que se acendem nestes dias, enquanto os
representantes de 190 nações se reúnem na Polónia para analisar o progresso do
Acordo de Paris e definir acções para o futuro. Além do relatório do Orçamento
do Carbono e de um estudo que revela que o gelo da Gronelândia está a derreter
a um ritmo acelerado, há dois comentários com duas diferentes perspectivas. Se
um se foca nos avanços conseguidos nas energias renováveis, o outro faz soar o
alarme sobre os modelos optimistas. Os dois têm, no entanto, algo em comum: as
mudanças causadas pelo aquecimento global estão aí (nas tempestades, incêndios
florestais e furacões cada vez mais frequentes e violentos) e a construção de
um mundo de carbono zero pode não acontecer suficientemente rápido.
David Attenborough foi um dos convidados a falar no início
dos trabalhos da cimeira das Nações Unidas, na segunda-feira, e a mensagem
espalhou-se. “Neste momento, estamos a enfrentar um desastre causado pelo homem
à escala global. É a nossa maior ameaça em milhares de anos. A mudança
climática” disse o famoso naturalista, concluindo: “As pessoas do mundo
falaram. A mensagem delas é clara. O tempo está a esgotar-se. Elas querem que
vocês, os decisores, ajam agora.”
Gronelândia está a derreter mais depressa
Análise a vários séculos revela a intensidade do
derretimento e do escoamento do manto de gelo da Gronelândia. O artigo publicado
na revista Nature mostra que tudo se está a passar a um ritmo mais rápido do
que no passado.
ANDREA CUNHA FREITAS 6 de Dezembro de 2018, 7:30
São mais de 350 anos que foram analisados para concluir que
temos más notícias para dar vindas directamente da Gronelândia. O manto de gelo
está a derreter-se agora mais rapidamente do que no passado e o ano de 2012 foi
particularmente danoso. O prejuízo, dizem os cientistas que assinam um artigo
na revista Nature, aumenta de forma não linear com o aumento de temperatura. O
que significa que um clima mais quente no futuro poderá ter consequências
graves.
O manto de gelo da Groenlândia é um dos principais factores
naturais que contribui para a elevação do nível do mar. No entanto, segundo os
cientistas, não se sabe se as actuais taxas de derretimento são invulgares, já
que os registos não chegam a anos distantes e as investigações que foram feitas
antes não permitem uma análise de toda a camada de gelo. Não é possível saber a
variabilidade, a intensidade e o escoamento do derretimento antes da era do
satélite.
Agora, Luke Trusel, da Universidade Rowan, em New Jersey
(nos EUA), coordenou uma equipa de investigadores que desenvolveu um registo
que recuou até 1650 e analisou camadas de derretimento em núcleos de gelo do
Oeste da Gronelândia. “Os autores ligaram essas camadas a processos de
derretimento mais amplos e actuais na Groenlândia”, refere um pequeno resumo do
estudo. Os resultados desta análise levam a concluir que o derretimento e o
escoamento do manto de gelo da Groenlândia aceleraram recentemente, fora do
intervalo da variabilidade passada.
O trabalho permitiu ainda confirmar que o derretimento da
camada de gelo da Gronelândia começou a aumentar logo após o início do
aquecimento do Árctico, em meados da década de 1800. Além disso, o derretimento
da superfície em 2012 foi mais extenso do que em qualquer outro período nos
últimos 350 anos, e na década mais recente contida nos núcleos de gelo
(2004-2013) observou-se um degelo mais sustentado e intenso do que qualquer
outro período de dez anos registado.
“Devido a uma resposta não linear do derretimento da
superfície ao aumento das temperaturas do ar no Verão, o aquecimento
atmosférico continuado levará a aumentos rápidos no escoamento do manto de gelo
da Gronelândia e nas contribuições no nível do mar”, avisam os autores no
artigo.
O manto de gelo da Gronelândia é um dos lugares do mundo que
serve como um importante marcador da evolução do nosso planeta e que atrai a
atenção dos cientistas. Ano após ano, o mundo aquece e a Gronelândia derrete.
Em Junho de 2017, um outro estudo já concluía que os glaciares e os cumes de
gelo distribuídos por pontos altos da costa da Gronelândia não vão conseguir
recuperar da actual situação. O estudo divulgado na Nature Communications referia que o
derretimento do gelo na costa da Gronelândia terá como consequência a subida do
nível do mar em cerca de 3,8 centímetros até 2100.
Desde 1980, a temperatura média da Terra subiu cerca de um
grau Celsius por causa do aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2)
na atmosfera, lançado na queima de combustíveis fósseis. Sabemos também que se
(ou quando) a temperatura subir mais dois graus, a Terra será um lugar muito
diferente. Uma estufa, com desertos e savanas, em vez de florestas, tempestades
e outros fenómenos meteorológicos extremos, e um nível médio do mar que faria
desaparecer muitas regiões costeiras.
Num outro estudo publicado em Agosto deste ano na revista
científica PNAS antecipava-se que é possível que já não se consiga impedir o
desaparecimento do gelo da Gronelândia, que, uma vez derretido por completo,
aumentará o nível médio do mar em sete metros de altura. No artigo, os autores
definiram quando um processo deixa de ser reversível de acordo com o aumento de
temperatura. Tal como o derretimento da Gronelândia, estima-se que o
branqueamento dos corais dos trópicos e o derretimento do gelo da região Oeste
da Antárctica sejam irreversíveis se a temperatura aumentar entre um e três
graus. O grande receio é que, mesmo que se consiga travar as emissões de C02,
alguns destes fenómenos já não sejam reversíveis e, por sua vez, façam aumentar
a temperatura, desencadeando um efeito dominó.
“Não estamos a corresponder ao esperado”
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista
Zero (Associação Sistema Terrestre Sustentável), acredita que a concretização
do roteiro de neutralidade carbónica para 2050 é essencial para colocar
Portugal em linha com os objectivos do Acordo de Paris.
ANDREA CUNHA FREITAS 6 de Dezembro de 2018, 7:31
Quais são as expectativas para esta cimeira?
Desta cimeira deverá sair um conjunto robusto, justo e coeso
de directrizes de implementação para solidificar o Acordo de Paris e um roteiro
para finalizar eventuais questões pendentes. Também se espera um compromisso
dos países para intensificar o cumprimento e melhorarem as suas contribuições
nacionalmente determinadas até 2020 (isto é, reduzirem as metas de emissão de
gases de efeito de estufa) em linha com a ciência climática e ainda a
reafirmação dos compromissos dos países desenvolvidos de garantir o financiamento
climático em 2020. Acredito que de diversos países virão compromissos fortes de
redução e de financiamento, mas provavelmente ainda aquém do desejável e
necessário.
Em 2018, Portugal voltou a sofrer as consequências das
alterações climáticas de forma evidente. Os recordes de temperatura máxima em
Agosto em vários locais, o recorde de temperatura média mais elevada registada
no mês de Setembro, a tempestade Leslie que afectou a região Litoral Centro e
ainda o incêndio de grandes dimensões em Monchique lembram-nos a urgência de
nos prepararmos para um clima em mudança com maior frequência e intensidade de
fenómenos meteorológicos extremos. Portugal tem-se afirmado como um país
disponível para apoiar metas ambiciosas no combate às alterações climáticas,
apesar de internamente nalgumas áreas (como a eficiência energética dos
edifícios e nos transportes) estar aquém de concretizar as reduções de emissões
de gases de estufa que seriam desejáveis. A concretização do roteiro da
neutralidade carbónica para 2050 é essencial para estruturalmente colocar o
país em linha com os objectivos de Paris.
O Acordo de Paris está a “comemorar” três anos. Há razões
para celebrar?
Há diversas razões para “comemorar” mas de forma muito
contida. O Acordo de Paris entrou em vigor menos de um ano depois de ter sido
aprovado, muito mais rapidamente do que os sete anos do Protocolo de Quioto, o
que mostra o sentido de urgência. Tal como previsto no acordo, os cientistas
cumpriram e elaboraram um relatório com os impactes de um aumento de
temperatura global de 1,5 e dois graus Celsius, sendo que este último cenário
tem consequências negativas muito mais significativas. Por último, entramos
agora na conferência na Polónia na revisão em baixa das metas de emissões de
todos os países tal como estava previsto, para serem formalmente consideradas
em 2020. A realidade, no entanto, mostra-nos que após três anos de estagnação,
as emissões voltaram a subir e, portanto, na prática não estamos a corresponder
ao esperado, nomeadamente nas políticas e medidas de curto prazo.
A nossa maior preocupação agora deve ser aproveitar o tempo
que a comunidade científica nos diz que temos até 2030 para reduzir 45% das
emissões em relação a 2010 e assim garantirmos um aquecimento global que não
irá além de 1,5 graus Celsius em relação à era pré-industrial.
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