Uma noção actualizada e crítica da História … sim … mas …
depois do Acordo Ortográfico, as afirmações de Saramago e Lobo Antunes no que
respeita a “Ibéria” … essa noção crítica, nunca pode representar a
relativização e a negação dos arquétipos e fundamentos da Identidade Portuguesa
e da Independência e Soberania da Nação Portuguesa, Una e Indivísel, depois de
Séculos.
OVOODOCORVO
Museu dos Descobrimentos em Lisboa deverá ter um núcleo
dedicado à escravatura, diz assembleia municipal
Samuel Alemão
Texto
12 Dezembro, 2018
A Assembleia Municipal de Lisboa (AML) defende que a criação
de um Museu dos Descobrimentos na capital portuguesa deverá ser garantida
através de uma estrutura com vários pólos, relevando os aspectos “mais ou menos
positivos” daquele momento histórico. O que pressupõe também “um núcleo
dedicado à temática da escravatura”. Tal recomendação da Comissão de Cultura,
Educação, Juventude e Desporto da assembleia foi aprovada, nesta terça-feira
(11 de Dezembro), na sessão extraordinária do plenário daquele órgão, após a
discussão da petição “Lisboa precisa de um Museu dos Descobrimentos, da
expansão e da Portugalidade”. Documento que reuniu 1569 assinaturas, durante o
verão passado, na sequência da polémica sobre a designação de um novo espaço
museológico dedicado ao período da expansão marítima portuguesa. O debate de
ontem chegou a ter momentos de grande exaltação e revelou as enormes clivagens
ideológicas na forma como se interpretam factos históricos. Uma deputada do PPM
chegou a dizer a um eleito do BE: “Tenha vergonha na cara!”
Depois de ouvir os peticionários, em 10 de Outubro, a
referida comissão da AML fez uma única recomendação, pedindo à câmara municipal
para que “desencadeie os procedimentos necessários para que Lisboa disponha de
uma estrutura polinucleada na cidade que inclua alguns espaços/museus já
existentes e outros a criar de novo, e que promova a reflexão sobre aquele
período histórico nas suas múltiplas abordagens, de natureza económica,
científica, cultural, nos seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um
núcleo dedicado à temática da escravatura”. Foi este o texto aprovado, com os
votos favoráveis do PS, PCP, Bloco de Esquerda, PEV, oito independentes e dois
deputados do PSD, tendo votado contra todos os outros eleitos laranjas, bem
como o CDS-PP, o PAN, o independente Rui Costa e o PAN. Abstiveram-se o MPT e
PPM. Mas as divisões foram bem mais profundas, evidenciando-se também razões
distintas para sentidos de voto iguais, fosse a favor ou contra.
Ainda assim, foi evidente um forte cisma entre a esquerda e
a direita sobre a forma como se deve olhar para este período fundamental da
história portuguesa. De modo predominantemente apologético e heróico, segundo a
direita, de modo mais reflexivo e crítico, segundo a esquerda. Tanto CDS como
PSD votaram contra a proposta de deliberação da assembleia municipal, por não
se reverem no que consideram ser a subversão dos objectivos originais da
petição. “Os portugueses não devem ter motivos para se envergonharem da sua
história. Encontrarem erros nos Descobrimentos seria um acto de masoquismo
próprio de quem tem problemas com a sua identidade ou que não ama Portugal”,
disse Diogo Moura, do CDS-PP, que acusou o Bloco de Esquerda de fazer uma
“leitura distorcida” da história. Apesar de reconhecer os “aspectos negativos”
relacionados com a escravatura, o centrista disse recusar olhar para os séculos
XV e XVI “à luz dos actuais valores”.
Argumento, aliás, já antes usado por Aline Hall de Beuvink
(PPM). “Não podemos ler a história com os conceitos da actualidade. Há que
contextualizar os factos. Se não, arriscamo-nos a ser totalitários e
arrogantes. Houve erros? Sim, mas ninguém os quer apagar ou renegar”, disse a
deputada municipal, que, depois, se atirou de forma encarniçada ao deputado
bloquista Ricardo Moreira, por este ter assumido uma posição fortemente crítica
em relação aos Descobrimentos e ao sentido épico e elevado que os mesmos,
muitas vezes, têm na sociedade portuguesa. “O que é que sabe de história? Que
trabalho de investigação fez nessa área? Tenha mas é vergonha na cara!” exortou.
Algo que levou o presidente interino da AML, o socialista João Paulo
Figueiredo, a repreender a deputada monárquica. “É um excesso de linguagem
perfeitamente dispensável no tratamento no nosso plenário. Vamos ignorá-lo”,
disse.
Ricardo Moreira
protagonizou, aliás, as mais contundentes críticas à petição, avisando os
demais deputados que uma das entidades promotoras, a Nova Portugalidade –
naquela sessão representada pelo cidadão Rafael Pinto Borges, que fez a defesa
do documento -, será “uma organização de extrema direita”. O eleito do Bloco
sublinhou a função dos museus como “instrumentos de produção de conhecimento” e
vinculou-os à “natureza epocal” na forma como olha para os dados históricos.
“Os verdadeiros museus não são lugares onde o passado é permanentemente
esquecido, são lugares onde o passado é permanentemente actualizado. Se não
fosse assim, seriam meros caixões”, afirmou. “Estamos a manifestarmo-nos contra
este movimento segundo o qual o colonialismo português seria brando e que a
lusofonia, uma das formas mais cínicas de colonialismo, seria uma visão que era
neutra. Algo, aliás, que ainda impera uma pouco no espaço académico e na
comunicação social portuguesa”, criticou.
Apesar de votar da mesma forma que os bloquistas, ao PCP não
se ouviram quaisquer críticas à gesta marítima portuguesa e às consequências
sociais para os povos indígenas do colonialismo. Muito pelo contrário. Falando
nas Descobertas como um contributo no “desenvolvimento da Humanidade”, o
deputado comunista João Carlos Pereira
destacou a bravura dos portugueses na navegação oceânica, enfrentando as
agruras de uma longa e desconhecida jornada. “As Descobertas foram não só
geográficas, mas de todo o conhecimento, e conduziram à ciência moderna.
Criaram o terreno propício ao desenvolvimento do pensamento crítico, da
expansão e da procura do novo. Levou ao questionamento do adquirido por séculos
de pensamento dogmático. Descobertas que contribuíram para a libertação de
falsas visões do mundo, superstições e no saber escolástico, assente nas
verdades absolutas”, afirmou o deputado. O sentido de voto favorável dos comunistas foi justificado pela visão de
que o museu deve ser “um todo vivo, capaz de provocar reflexão”.
Algo com o qual o PSD
não concorda, razão aliás para ter votando contra a proposta da AML. E isto
apesar de, no que foi dito no plenário da assembleia, os social-democratas
terem também subscrito uma visão encomiástica da expansão portuguesa pelo
mundo. “Votamos contra, porque somos a favor da petição”, explicava Luís Newton
na declaração de voto oral, após o sufrágio da proposta, salientando ainda que
o seu partido se revê na expressão “Museu dos Descobrimentos”, bem como
“naquele que foi um período muito importante na nossa história e na história mundial”.
Antes, já Newton tinha já criticado “os revisionismos, que são também um gesto
de grande desorientação intelectual e política”. “Sim, temos de lembrar o que
fizemos. Sim, temos de lembrar o que de menos bom aconteceu”, afirmou, antes de
lamentar que a recomendação “não responda ao que pedia a petição”. Pelo mesmo
motivo, mas com diferente abordagem, também o PAN votou contra. “O nome do
museu pode ser discutido. Agora, o estudo destes séculos, num local
concentrado, deveria estar musealizado e disponível à população”, disse Miguel
Santos, criticando a dispersão de localizações proposta pela comissão da AML.
A petição em causa
deu entrada na assembleia municipal a 26 de Setembro, depois de ter sido
lançada no início do verão, por um conjunto de cidadãos liderados pelos
colectivos Nova Portugalidade e a Associação Coração em Malaca. No
abaixo-assinado, subscrito logo no seu lançamento por personalidades como Dom
Duarte de Bragança, o historiador e politólogo Jaime Nogueira Pinto, o crítico
de cinema Eurico de Barros e quadros superiores de Portugal, Brasil, Goa,
Timor-Leste e Malaca, refere-se o apoio ao projecto da Câmara Municipal de
Lisboa de criação de “Museu das Descobertas”, constante do programa eleitoral
do seu presidente, Fernando Medina (PS), para o mandato 2017-2021. Mas também
se considera que o “debate relativo à construção, concepção e denominação do
museu tem suscitado expectável, mas deslocada, controvérsia na sociedade
portuguesa”.
Uma polémica
agudizada a partir de Abril passado, quando oito dezenas de académicos,
portugueses e estrangeiros – entre eles, investigadores das universidades de Harvard,
Yale e UCLA (Estados Unidos da América), Collège de France, Sorbonne (França),
São Paulo, Universidade de Campinas, Universidade Federal da Baía (Brasil),
University College London (Reino Unido) e a Universidad Complutense de Madrid
(Espanha) -, colocaram em causa, através de uma carta aberta, o uso do termo
“Museu das Descobertas”. Uma “expressão obsoleta, incorrecta, e carregada de
sentidos equívocos”, de acordo com estes signatários, que pediam outra
designação para um equipamento público que o presidente da câmara descrevia no
seu programa eleitoral como um espaço que promova “a reflexão sobre aquele
período histórico nas suas múltiplas abordagens, de natureza económica,
científica, cultural, nos seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo
dedicado à temática da escravatura”.
Tal participação
pública desencadeou, nos meses seguintes, um acalorado debate na opinião
pública nacional, pautado por uma profunda polarização entre os que contestam e
os que apoiam o uso da nomenclatura “Museu dos Descobrimentos”. Defendendo esta
última posição, os dinamizadores da petição ontem discutida na assembleia
municipal contestam a leitura dos críticos do nome do museu segundo os quais
“os povos por nós ‘descobertos’ não se terão sentido descobertos”. “Tal
argumentação não pega e não convence. Não se compreende, antes de mais, de que
modo seria de desprezar o ‘ponto de vista português’ em acontecimentos de que
foram os portugueses pioneiros e protagonistas”, alegam. E não se ficam por
aqui. “As Descobertas foram-no, sim, pois aos portugueses coube descobrir com o
seu esforço os caminhos do mundo”, dizem, congratulando-se com a “precisão
científica da feliz designação indicada pela CML”.
Argumentos repetidos
durante a apresentação realizada na Assembleia Municipal de Lisboa, nesta
terça-feira, antes da votação, por um dos dinamizadores da petição. “Pretender
transformar um Museu dos Descobrimentos, que foi aquilo que Portugal fez, num
museu da escravatura, que foi algo realizado por todos os povos, seria
certamente uma infelicidade e uma afronta à verdade histórica e à própria
dignidade da cidade de Lisboa”, considerou Rafael Pinto Borges, que antes havia
já recusado que os conteúdos da instituição a criar venham a contemplar “uma
espécie de museu dos horrores, como, no século XIX, se fez relativamente à
Inquisição Espanhola”. O responsável assegurou ainda que “há uma maioria muito
grande dos portugueses que se revê no Museu das Descobertas”.
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