Pilaretes de cimento e de pedra estão a ser removidos em
diversas ruas e avenidas do centro de Lisboa
Sofia Cristino
Texto
17 Dezembro, 2018
Há milhares de pilaretes de cimento nas ruas da capital.
Muitos deles estarão na origem de muitos acidentes. Como não são facilmente
visíveis, foram considerados ilegais. Por isso, as algumas juntas de freguesia
estão a removê-los. A intervenção começou nas Avenidas Novas, onde já foram
eliminados 575 pilaretes. A ideia é retirar 2300, dos quais mais de metade não
serão substituídos por pilartes metálicos. O que acontecerá apenas em áreas
onde o estacionamento é mais difícil e onde muitos automobilistas acabam por
estacionar em cima do passeio. A Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados
receia que a retirada dos obstáculos deixe muitas áreas pedonais desprotegidas.
“O parqueamento abusivo é um problema grave em Lisboa e conseguiu-se melhorar
bastante. Os pilaretes não são a solução ideal, mas são um mal necessário neste
momento”, diz Mário Alves, dirigente da associação. A Junta de Freguesia das
Avenidas Novas garante que nesses casos voltará a colocar pilaretes, mas
metálicos. Este é um dos projectos “mais importantes” para as Avenidas Novas,
uma vez que a autarquia recebe muitas reclamações de pessoas que caem na via
pública.
Nas freguesias das Avenidas Novas, Arroios e Areeiro,
começaram a ser removidos centenas de pilaretes de cimento e de pedra. Devido
ao seu tamanho reduzido, estas estruturas têm provocado quedas, algumas com
gravidade, principalmente a invisuais. Além disso, o Decreto-Lei da
Acessibilidade, revisto recentemente, proíbe a construção deste tipo de
pilaretes de tamanho reduzido. A Junta de Freguesia das Avenidas Novas
apresentou um projecto de eliminação de pilaretes à Câmara Municipal de Lisboa
(CML), que terá decidido alargar a intervenção a mais freguesias. Nas Avenidas
Novas, uma das freguesias com mais pilaretes de Lisboa, já não há pilaretes no
Largo Azeredo Perdigão, nas avenidas Miguel Bombarda e Defensores de Chaves e
nas ruas Ivone Silva e Laura Alves. As avenidas João Crisóstomo e Marquês de
Tomar serão as próximas a serem requalificadas.
Na zona, quase ninguém tinha conhecimento desta intervenção
no espaço público. Numa pastelaria virada para o Largo Azeredo Perdigão, o
primeiro sítio onde foram eliminados e substituídos os pilaretes, ninguém
reparou na troca. “Não vimos nada e, sinceramente, para nós é um bocado
indiferente”, diz a proprietária do estabelecimento comercial. Quem anda na
rua, porém, recebe a notícia com agrado. “Os idosos estão sempre a cair nos
pilaretes pequenos, já vi quedas assustadoras”, diz Isabel Martins, moradora.
Já Filipe Brito, 41 anos, dono de um quiosque, está mais preocupado com a falta
de lugares de parqueamento e diz que as prioridades da autarquia deveriam ser outras.
“Os blocos de cimento ficam horríveis, mas os pilaretes grandes também são
muito feios. O ideal era haver mais lugares de estacionamento”, sugere.
Ouvido por O Corvo, o dirigente da Associação dos Cidadãos
Auto-Mobilizados (ACAM), Mário Alves, apoia a remoção destes obstáculos, mas
avisa que esta poderá ter consequências. “Se deixarem muitos passeios
desprotegidos, vai haver problemas de estacionamento abusivo. Sabemos que a
polícia não actua. Preocupa-me a invasão das zonas pedonais, é um problema
grave em Lisboa e conseguiu-se melhorar bastante, nos últimos dez anos. Os
pilaretes não são a solução ideal, mas são um mal necessário neste momento”,
reconhece. O especialista em transportes lembra que, durante décadas,
colocaram-se pilaretes em betão, que agora é necessário eliminar aos poucos.
“Do ponto de vista das acessibilidades, os pilaretes muito curtos e baixos
poderão ser mais facilmente ‘tropeçáveis’. Os metálicos têm uma altura que, às
vezes, parece exagerada, mas tem a ver um bocadinho com a sua visibilidade. Se
forem muitos baixinhos, não os vemos”, explica a O Corvo.
Nas Avenidas Novas, já foram removidos 575 pilaretes, desde
Setembro passado. A ideia é eliminar os 2300 mini-blocos de cimento existentes
na freguesia, 200 deles em pedra. Destes, 1.840 não serão substituídos e 460
serão trocados por pilaretes metálicos, com 90 centímetros, por se encontrarem
em zonas onde o estacionamento abusivo é comum. Quase metade dos pilaretes que
serão apenas removidos, sem serem substituídos, encontram-se nas avenidas João
Crisóstomo, Marquês de Tomar e Miguel Bombarda – nesta última, foram removidos
300, permitindo um alargamento dos passeios. “Só fizemos a substituição no
Largo Azeredo, porque não tem estacionamento, mas tem uma grande placa de
passeio. Se não puséssemos aí pilaretes, provavelmente os carros iriam
estacionar em cima do passeio”, explica Dora Lampreia, vogal do Espaço Público
e Urbanismo da Junta de Freguesia das Avenidas Novas.
Apesar de grande
parte dos pilaretes retirados não terem sido substituídos, ainda poderão haver
ajustes. “Se virmos que há carros que começam a estacionar, procedemos à
colocação de metálicos”, acrescenta. Outra das preocupações da autarquia,
acrescenta Dora Lampreia, é a melhoria da mobilidade dos peões. “Estamos
preocupados com a acessibilidade e o alargamento dos passeios acaba por ser uma
consequência deste trabalho. O principal objectivo, contudo, é libertarmos a
freguesia de um elemento perigoso, que causa acidentes. E estando juntos a
eixos rodoviários, as pessoas podem cair para cima da via. É um problema que
tinha mesmo de ser erradicado”, reforça.
Estes pilaretes são
muito antigos e, depois da criação da Empresa Municipal de Estacionamento de
Lisboa (EMEL), deixaram de ser necessários, explica Ricardo Moutinho, assessor
da vogal do Urbanismo. “Dos 1.840 que não serão trocados, mais de dois terços encontram-se
ao lado do estacionamento tarifado. Quase de certeza que o parqueamento
indevido será uma situação excepcional, mas a experiência do dia-a-dia pode
levar-nos a fazer alterações”, adianta. Agora, explica a Junta de Freguesia das
Avenidas Novas, vão observar a reacção dos automobilistas. “As pessoas podem
aprender, é uma forma de fazer essa experiência”, explica Ricardo Moutinho.
A falta de civismo de
alguns automobilistas e o parqueamento abusivo já são discutidos há algum tempo
em sessões públicas do executivo. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa
(CML), Fernando Medina (PS), em Fevereiro de 2017, lamentou o facto de Lisboa
ter mais pilaretes do que qualquer outra cidade europeia, mas admitiu não
conseguir dar outra resposta ao estacionamento abusivo em áreas pedonais.
“Confesso que não conseguimos fazer melhor, porque a alternativa ao pilarete é
ter lá um automóvel em cima do passeio”, reconheceu, em reunião camarária, em
Fevereiro de 2017. A retirada dos
pilaretes e a requalificação de vias públicas terá sido utilizada por muitos
“com total falta de civismo”, criticou o autarca socialista. “É impossível
termos soluções adequadas, quando estamos confrontados com baixos níveis de
civismo. A colocação de pilaretes junto a passadeiras é intencional e tem
acontecido em várias zonas da cidade, infelizmente, devido à falta de civismo
dos automobilistas”, explicou ainda, naquela altura.
A presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, Ana
Gaspar (PS), defende que a colocação de pilaretes é inevitável, em algumas
zonas, mas também acredita que o estacionamento indevido poderá acabar. “A
mobilidade suave era uma prioridade há algum tempo. Queremos uma cidade
sustentável e civilizada e espero que as novas gerações imponham outro modus
vivendis e haja uma alteração do paradigma. Há uma percentagem muito grande de
licenciados e doutorados nas Avenidas Novas e quero acreditar que isso
produzirá algum pensamento crítico também a este nível da sustentabilidade”,
afirma. Este era um dos projectos “mais
importantes” para este executivo, explica ainda, uma vez que recebiam muitas
reclamações de pessoas que caiam na via pública.
Raquel Abecassis
(CDS-PP) , líder da oposição na Junta de Freguesia das Avenidas Novas, diz que
há queixas recorrentes na freguesia relacionadas com os pilaretes e a própria
já terá caído mais do que uma vez. “Esses pilaretes não se vêem e as quedas são
terríveis. Do ponto de vista da mobilidade, retirar esses obstáculos não será o
mais essencial, mas, de facto, são um problema, principalmente numa freguesia
com pessoas muito idosas, concordo que sejam mudados. Há muitos que não estão
lá a fazer nada a não ser a chatear-nos”, diz. A centrista lembra ainda que há
“um problema grave” de estacionamento nas Avenidas Novas e que a tendência é
piorar. “Na Avenida Defensores de Chaves, as pessoas conseguem estacionar na
placa central, por isso acho que os pilaretes são mesmo mais para chatear. A
falta de estacionamento é um drama da freguesia e vai piorar, porque a EMEL tinha
lá um parque de estacionamento que está em obras e deixará de ter essa função”,
antevê.
No Areeiro, os
pilaretes já começaram a ser removidos há pelo menos três anos. À excepção de
alguns, eliminados pela Câmara de Lisboa, foram todos retirados pela Junta de
Freguesia. “Assim que foram considerados
ilegais, por não serem detectáveis – a cor, cinzento, confunde-se com a calçada
-, começámos a tirá-los”, conta o presidente da Junta de Freguesia do Areeiro,
Fernando Braamcamp (PSD). O autarca social-democrata explica que, ao contrário
do que se passa nas Avenidas Novas, todos os obstáculos foram substituídos por
outros metálicos. “Só não substituímos uma quantidade muito residual, aqueles
‘chalhauzitos’ que atrapalham”, explica. Braamcamp reage com surpresa à
intenção da Câmara de Lisboa de levar o projecto da Junta das Avenidas Novas à
sua freguesia. “Não tinha conhecimento de nada, continuamos a substituir os
‘fradinhos’, como são conhecidos, mas somos nós que o fazemos”, conclui.
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