Condomínio de luxo em antigo terreno da EPUL na Graça
contestado pelo seu grande impacto visual e urbanístico
Sofia Cristino
Texto
13 Dezembro, 2018
As obras do novo empreendimento de luxo da colina da Graça
já deveriam ter arrancado em Outubro passado. O atraso percebe-se quando se
analisa o projecto arquitectónico, que terá sido indeferido várias vezes, antes
de ser aprovado pelo vereador do Urbanismo, em Agosto passado. Foram feitas
várias alterações à proposta inicial, por esta não respeitar o sistema de
vistas e a volumetria ser excessiva para aquela zona histórica da cidade.
Apesar das revisões, ainda subsistem dúvidas entre a vereação, que considera
que o projecto nem deveria ir a reunião de câmara antes de ser discutido. O
CDS-PP e o PCP já anunciaram que votarão contra a proposta, que será discutida
esta quinta-feira (12 de Dezembro), e o PSD vai pedir um adiamento da votação.
Os moradores da Graça garantem já estarem a mobilizarem-se e a prepararem uma
petição contra o empreendimento. O grupo cívico Fórum Cidadania Lx pede mesmo o
chumbo do projecto.
O projecto imobiliário de luxo projectado para os números
11/13 da Rua Damasceno Monteiro, ao lado das Escadinhas do Monte, será
discutido esta quinta-feira (13 de Dezembro), mas ainda persistem muitas
dúvidas quanto à exequibilidade do mesmo numa encosta como uma das vistas mais
atractivas da cidade. O empreendimento localizar-se-á num terreno que é parte
da Zona Especial de Protecção da Capela de Nossa Senhora do Monte. Terá 28
apartamentos, ao contrário do inicialmente previsto (38), distribuídos por três
imóveis de sete pisos cada, sendo quatro deles subterrâneos e três acima da soleira,
ginásio e quatro piscinas descobertas. Desde que o processo entrou na Câmara
Municipal de Lisboa, e de acordo com informações a que O Corvo teve acesso, o
projecto arquitectónico foi indeferido, mais do que uma vez, pelos técnicos da
autarquia. Terá sido, depois, sujeito a “aprovação superior” e autorizado pelo
vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, em Agosto passado.
Os serviços de Urbanismo terão pedido, mais do que uma vez,
que o número de pisos dos edifícios fosse revisto de modo a não afectar as
vistas do Miradouro da Senhora do Monte. Relativamente à proposta inicial, terá
sido reduzida a altura máxima dos edifícios, de 13 para nove metros – o que
implicou a diminuição de um piso -, “beneficiando claramente a sua relação com
o lugar, assim como com o sistema de vistas, resultante da grande exposição a
que o mesmo se encontra sujeito”, lê-se na descrição do projecto, que
representará um investimento total de 10,5 milhões de euros. Apesar de ter sido
feita uma alteração, o mesmo mereceu uma aprovação condicionada da Direcção
Geral do Património Cultural (DGPC), por não reunir as condições de aceitação
exigidas.
O projecto habitacional, denominado Terraços do Monte, é da
autoria dos arquitectos Nuno Mateus e José Mateus, do ateliê de arquitectura
ARX, e prevê a construção de 28 apartamentos, com tipologias que variam entre o
T1 e o T4 – assentes sobre “um embasamento comum, correspondente aos pisos -2,
-3 e -4, que incorpora o estacionamento”, lê-se na breve descrição disponível
no site do ateliê de arquitectura. Uma faixa do terreno será ajardinada e terá
uma piscina comum. “O conceito de arquitectura assenta numa ideia de ‘edifício
de miradouros’, dada a lógica de levar ao extremo permitir o olhar sobre a
envolvente e de constituir plataformas (terraços e varandas) de usufruto da
extraordinária paisagem”, lê-se ainda na referida explicação disponibilizada
online pelo ateliê responsável pelo desenho do empreendimento.
Na memória descritiva
do projecto refere-se que o terreno terá aproximadamente 67 metros de frente e
uma área de 1.800 metros quadrados. Sendo o principal “valor” deste a sua
localização em encosta, lê-se ainda, identificam-se como aspectos adversos a “parca
qualidade arquitectónica” dos edifícios em frente, bem como o “grande impacto”
do edifício a nascente. Condicionantes que os arquitectos garantem ter em conta
na construção dos imóveis. O ateliê admite que foi “notória” a preocupação da
Câmara de Lisboa e da DGPC quanto ao impacto do empreendimento na encosta, tal
como a sua interferência no sistema de vistas e, por isso, terá optado por
dividir os blocos de prédios num conjunto tripartido, em vez da ideia inicial
de “uma banda opaca única”. A subdivisão, garantem os arquitectos, “ajudará à
redução do impacto da volumetria, à manutenção de enfiamentos visuais a partir
da Rua Damasceno Monteiro e à possibilidade de abertura lateral de janelas ou
varandas em direcção ao vale”. Quanto à volumetria, terá sido estipulada uma
empena máxima de 15 metros de profundidade, tendo o conjunto de edifícios 20
mil metros cúbicos. Mais de metade do logradouro terá uma área permeável.
As revisões não satisfazem, porém, os vereadores do PCP e
CDS-PP, que prometem votar contra a aprovação do empreendimento na reunião da
Câmara de Lisboa a realizar nesta quinta-feira. Ana Jara, vereadora do PCP,
critica a atitude da autarquia face a este e a outros projectos imobiliários.
“Esta proposta ilustra muito bem as políticas de cidade, das quais começamos a
ver os resultados. A câmara aceita simplesmente o que os promotores
imobiliários propõem, mas deveria defender o interesse público dos lisboetas”,
critica. A eleita comunista, que votará negativamente a proposta, critica a
falta de discussão pública sobre o processo, sobre o qual, admite, ainda terá
muitas dúvidas. “O projecto não deveria ir a reunião de câmara, porque ainda
não está fechado e subsistem muitas dúvidas, que deveriam ser dissipadas. Há
uma incompatibilidade dos pareceres dos acessos ao estacionamento e das regras
a aplicar aos logradouros, mas também quanto ao perfil da Rua Damasceno
Monteiro, e rectificações a fazer aos limites da parcela”, diz. Ana Jara
critica ainda o “impacto visual gigante” nas vistas da cidade e os usos dado
aos terrenos. “Trata-se de um terreno municipal que podia ser habitação
pública. A câmara devia ouvir mais, reflectir e equilibrar os interesses
privados com os públicos, num momento em que se constrói tanto é cada vez mais
necessário preservar o interesse público”, lembra.
João Gonçalves
Pereira, vereador do CDS-PP, também manifesta “sérias reservas” quanto ao plano
para aquela encosta. “As fachadas dos prédios viradas para a cidade terão um
impacto muito grande nas vistas. Outro problema é fazerem uma escavação para
terem mais quatro pisos subterrâneos. É excessiva, e ainda não se sabe se foram
feitos estudos geológicos”, critica. O vereador centrista, que irá também votar
contra a proposta, critica ainda a falta de esclarecimentos da Câmara de
Lisboa. “A área do edifício na conservatória do registo predial é de 1500
metros quadrados e no projecto aparecem 1800 m2, esta situação não foi
clarificada. Deveria haver também um esclarecimento da Câmara em relação às
vistas”, diz. Por seu lado, João Pedro Costa, vereador do PSD, vai pedir um
adiamento da votação da proposta, por ainda não ter conseguido analisar o
projecto. “Não temos um juízo totalmente formado, estamos a analisar com
profundidade o processo. É preciso ter em conta as questões geológicas, porque
estamos a falar de uma encosta”, afirma.
O Corvo contactou, há
cerca de um mês, a Vanguard Properties, promotora do “Terraços do Monte”, e questionou-a
sobre a necessidade de revisão da proposta inicial e sobre as alterações
efectuadas. Na resposta, dada a 8 de Novembro, a Vanguard começa por negar a
existência de qualquer indeferimento do projecto, para, de seguida, dizer que
terão sido feitas mudanças. “A Câmara de Lisboa solicitou, por duas vezes, a
reformulação dos desenhos de arquitectura inicialmente submetidos, visando a
volumetria do edifício, linguagem e inserção no contexto urbano, bem como o
respeito relativo aos enfiamentos visuais a partir da rua em causa, mas também
da cidade”, diz, em depoimento escrito a O Corvo. As linhas de argumentação
explanadas na memória descritiva do projecto inicial, esclarece ainda,
“permanecem válidas”. De modo a facilitar as acessibilidades à Rua Damasceno
Monteiro, a Vanguard terá projectado a construção de um passeio – “de medidas
adequadas e que não constava no desenho inicial” e adaptado a pessoas com
mobilidade reduzida. O acesso pedonal aos fogos será feito através de três
pontos da Rua Damasceno Monteiro.
Quanto à data de início de arranque da obra, a imobiliária
garante que esta começará assim que o processo de aprovação esteja concluído
nas entidades competentes. O prazo de conclusão da empreitada ainda não estará
fechado, adianta ainda. A Vanguard Properties garante ainda que o projecto
respeita o Plano Director Municipal (PDM). O terreno onde serão construídos os
apartamentos foi vendido pela extinta Empresa Pública de Urbanismo de Lisboa
(EPUL), em hasta pública, em Setembro de 2015, por 5 milhões de euros. Seis
meses mais tarde, em Março de 2016, foi comprado pela empresa imobiliária
Vanguard Properties. Anteriormente, nos anos 80, terá sido expropriado a
privados, para fins de utilidade pública, pelo executivo camarário presidido
por Krus Abecassis.
Em pouco mais de dois
anos, entre Março de 2016 e Junho de 2018, a imobiliária Vanguard começou a
desenvolver 15 empreendimentos na cidade de Lisboa. A primeira propriedade a
ser adquirida foi o terreno na Damasceno Monteiro, para onde está previsto o
projecto Terraços do Monte – o qual, contudo, se tem revelado o mais demorado a
sair do papel. De acordo com o jornal Expresso, em Junho passado, as obras
deveriam ter arrancado no passado mês de Outubro, prevendo-se, na altura, a
conclusão para Maio de 2020. Só este ano, a Vanguard começou a construir 612
casas e apartamentos.
Na Graça, os
moradores já começaram a mobilizar-se contra a construção dos apartamentos e
prometem fazê-lo através de uma petição. Os habitantes dos números 36 ao 58
acreditam que o novo empreendimento vai retirar-lhes a luz toda e grande parte
da vista panorâmica sobre a cidade. Depois da polémica da construção de um
prédio de habitação na Calçada do Monte, que retiraria 40 por cento das vistas
a partir do Miradouro da Senhora do Monte – projecto, entretanto, travado pela
Câmara de Lisboa –, os moradores dizem que não querem mais um condomínio de
luxo naquele local. “Este projecto é horrendo, é inacreditável como foi
aprovado um plano desta envergadura. É um edifício enorme, vamos ficar a ver
cimento. O projecto inicial até tinha penthouses com piscina e construções em
ferro que não se enquadram nada na zona histórica”, critica uma moradora da
Damasceno Monteiro, que não quis ser identificada.
Nesta terça-feira (11
de Dezembro), o Fórum Cidadania Lx também se manifestou contra o avanço da
obra. A plataforma cívica pediu à Câmara de Lisboa que chumbe o projecto
imobiliária na reunião camarária, nesta quinta-feira (12 de Dezembro), na qual
a aprovação do empreendimento será discutida. A plataforma cívica diz que o
projecto “representa uma carga excessiva de betão numa colina relativamente
frágil” e, através de fotomontagens já conhecidas, “vê-se claramente o impacto
negativo que se passará a ter desde o vale do Martim Moniz, mas também desde a
Colina de Santana”. O fórum critica ainda a falta de projecções virtuais feitas
a partir do Miradouro da Senhora do Monte, não se percebendo o impacto que irá
causar. “Observada a vista no local, desde este miradouro, facilmente se
imagina que a vista para o Martim Moniz será irremediavelmente afectada”,
alertam. A operação urbanística, critica ainda, ultrapassa a área de construção
fixada em hasta pública, ocupando um lote de domínio público.
O Corvo enviou
perguntas à Câmara de Lisboa, a 6 de Novembro, questionando-a sobre a
localização do novo empreendimento, se a parcela de terreno alvo de intervenção
já teria sido desafecta do domínio público para o privado, se a construção
viola o sistema de vistas, e se foram feitos estudos geológicos no local, mas,
até ao momento da publicação deste artigo, não obteve resposta.
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