A alimentação é o que mais pesa na pegada ecológica de
Portugal / Por detrás da “máscara” da indústria pecuária, esconde-se A Vaca que
Não Ri /Alterações climáticas: ninguém repara nas vacas a pastar
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Um quilo de bife emite tanto CO2 como andar 150 km de carro
08.12.2018 às 8h00
https://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-12-08-Um-quilo-de-bife-emite-tanto-CO2-como-andar-150-km-de-carro
Reduzir o número de vacas e alterar a dieta alimentar fará
bem à saúde e ao ambiente. Governo propõe reduzir o número de cabeças de gado
bovino para metade
CARLA TOMÁS
Já se sabia que comer carne vermelha em excesso faz mal à
saúde. O que muitos não sabiam é que o seu consumo excessivo também é
prejudicial para o ambiente, seja ao nível dos gastos e da contaminação de água
e de solos, seja nas emissões de gases de efeito de estufa, como o metano ou o
dióxido de carbono. Globalmente, o sector agrícola — com particular peso do
sistema de produção de carne e de produtos lácteos — é responsável por um
quinto das emissões de dióxido de carbono e gases equivalentes (CO2eq). E em
Portugal por 10%.
Globalmente, o sector agrícola — com particular peso do
sistema de produção de carne e de produtos lácteos — é responsável por um
quinto das emissões de dióxido de carbono e gases equivalentes (CO2eq), segundo
a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). E
multiplicam-se os estudos internacionais a alertar para a necessidade de se
mudar radicalmente a dieta alimentar, com cortes substanciais no consumo de
carne, sobretudo nos países mais ricos, onde em média se ultrapassam as 2500
calorias de carne e gordura diária recomendadas.
É nesta linha que surge a proposta do Governo de reduzir
para metade o número de bovinos até 2050, incluída no Roteiro para a Neutralidade
Carbónica — apresentado terça-feira em Lisboa e que será levado à Cimeira do
Clima da ONU na Polónia (COP24), na próxima semana. O documento (que estará em
consulta pública até fevereiro e pode sofrer alterações) indica que a
agricultura contribui para cerca de 10% das emissões de CO2eq nacionais e que
mais de dois terços destas emissões têm origem na produção pecuária, com o gado
bovino à cabeça. Segundo vários estudos, por cada quilo de bife produzido em
sistema semi-intensivo em Portugal são emitidos até 27 kg de CO2eq, resultantes
da digestão dos ruminantes e da aplicação de fertilizantes nas pastagens — é o
equivalente a uma viagem de carro de 146 quilómetros.
O anúncio caiu como uma bomba no sector agrícola, sobretudo
porque o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, assumiu publicamente que
“tudo isto vem num quadro de maior liberalização do comércio mundial” e que “a
carne de vaca vai chegar a Portugal a preços mais competitivos”. Portugal
importa cerca de metade da carne que consome, e exporta animais vivos, o que
eleva a pegada carbónica, tendo em conta os custos de produção, transporte e
distribuição.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) manifestou
“surpresa e oposição” ao anunciado, argumentando que a medida pode “comprometer
o crescimento económico”. O presidente da CAP defende que o país “tem é de
reduzir o que importa e não o que produz”. E sustenta que “se as pastagens
biodiversas fixarem 500 toneladas de CO2 e emitirem 140, há um balanço
positivo”.
Em socorro dos agricultores, o secretário de Estado das
Florestas, Miguel Freitas, sublinha que “a componente animal é absolutamente
essencial no sistema agrossilvopastoril” nacional, que o assunto deve ser
“debatido em profundidade” e que as metas agora apresentadas “são um ponto de
partida e não de chegada”.
Matos Fernandes assume que este é o sector que menos
controla, já que “depende muito da Política Agrícola Comum (PAC)”, mas acredita
que a União Europeia “vai ser coerente com os compromissos com a neutralidade
carbónica” apresentados recentemente, e que “definirá uma PAC que garanta mais
apoios e medidas agroambientais mais eficazes”.
A nova PAC “dá muito mais flexibilidade aos Estados-membros
para definirem os instrumentos que vão utilizar para fazer face às alterações
climáticas”, afirma Francisco Avillez, que coordenou o sector agrícola deste
roteiro. O economista agrário admite que Portugal consiga atingir a
neutralidade carbónica “sem uma redução tão significativa do efetivo bovino”,
mas afirma que haverá instrumentos de política que passam pelo fim de subsídios
que levarão naturalmente à redução do número de vacas. Para o especialista, é
necessário também apostar nos sistemas extensivos e na agricultura biológica e
de precisão.
É tudo uma questão de comunicação e só agora o tema está a
entrar na agenda em Portugal. “A carne de vaca está para a agricultura como o
carvão e o petróleo estão para a energia”, sublinha Júlia Seixas, especialista
na área da Energia e Alterações Climáticas, lembrando que no sector da energia
e dos transportes já se está a trabalhar há mais tempo. “Temos que reduzir o
consumo de carne”, afirma, salientando que este debate começa agora em
Portugal, mas já tem caminho feito noutros países. Um inquérito recente no
Reino Unido indica que 35% dos britânicos são vegan, vegetarianos ou reduziram
drasticamente o consumo de carne por razões de saúde, de ética perante os
animais e de sustentabilidade ambiental.
“A questão do clima e das emissões de carbono é
absolutamente prioritária e os cidadãos têm que perceber que temos mesmo de
impedir que as temperaturas subam mais de 1,5°C”, reforça Alfredo Cunhal
Sendim, que se dedica à produção agroecológica no Alentejo. “A soberania
alimentar portuguesa só é possível com uma alimentação baseada na dieta
mediterrânica, que exige muito menos carne”, diz.
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