AGUARDANDO O GRANDE 'ESTOIRO' OVOODOCORVO |
Famílias portuguesas são das mais endividadas da zona euro
Ânia Ataíde 22
Dezembro 2018, 09:00
https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/familias-portuguesas-sao-das-mais-endividadas-da-zona-euro-2-392086?fbclid=IwAR3aQzMY_oZIc42axjcfofRX06eteE16DGdJmYNFxNltNfCu7UUM08xspq8
O crédito ao consumo e à habitação está a conduzir o aumento
do endividamento e já levou tanto o Governo como o Banco de Portugal a emitir
alertas para evitar excessos e os erros do passado.
O endividamento das famílias portuguesas diminuiu
drasticamente desde os máximos registados no pico da crise, mas continua acima
da média da zona euro.
No final do primeiro semestre, o endividamento das famílias
em Portugal foi de 71% do PIB, o que corresponde a 104% do rendimento
disponível, segundo dados do Banco de Portugal. No Relatório de Estabilidade
Financeira, publicado esta semana, o regulador assinala que a dívida dos
particulares reduziu 24 pontos percentuais (p.p.) desde os máximos históricos
de 2009. No entanto, face ao final de 2017, apenas registou uma queda de um
ponto percentual, refletindo uma desaceleração da redução do rácio da dívida.
O endividamento das famílias resulta sobretudo de um “forte
crescimento” do crédito ao consumo e das novas operações de crédito à
habitação.
Este cenário já levou o secretário de Estados Adjunto e das
Finanças, Ricardo Mourinho Félix, a salientar, em setembro, que a concessão de
crédito “tem de ser acompanhado de perto para evitar excessos”.
O perigo de endividamento também levou o regulador a alertar
que num contexto de taxas de juro baixas e crescimento da atividade económica,
à qual acresce a subida dos preços do imobiliário, se registam incentivos para
uma menor restritividade nas concessões de crédito. A maior disponibilidade
reflete-se na “compressão dos spreads ou na redução de exigência em outros
termos e condições dos contratos”. Pelo que o BdP deixou recados às famílias e
à banca.
Recomendações para concessões de crédito
O Banco de Portugal criou novas medidas de recomendações
sobre a concessão de crédito, apesar de não serem de aplicação obrigatória.
O regulador recomenda nomeadamente a atribuição de novos
créditos apenas a clientes que não ultrapassem metade do valor do rendimento
líquido com as prestações mensais de todos os empréstimos, incluindo habitação
e consumo. A possibilidade de excepções inclui ultrapassar esta barreira da
taxa de esforço até 5% do montante total de créditos concedidos por cada banco
em cada ano. Os bancos não deverão ultrapassar o valor do empréstimo concedido
em 90% do valor do imóvel dado em garantia, para créditos para habitação
própria ou permanente. Já para créditos com outras finalidades, o valor máximo
de empréstimo corresponde a 80% do valor do imóvel. O regulador recomenda ainda
um máximo de 40 anos como limite da duração do empréstimo para novos contratos
e estabelece uma maturidade média de 30 anos até final de 2022. Já os novos
créditos ao consumo devem durar, no máximo, 10 anos.
Esta semana, o BdP apelou à promoção de um aumento da taxa
de poupança, “que no caso das famílias tem vindo a descer para valores muito baixos
no contexto europeu e em termos históricos”, salientando os efeitos do
envelhecimento da população e a sustentabilidade do sistema de segurança
social. “O momento da reforma, num contexto em que as famílias ainda apresentam
um endividamento com maturidades longas, que ultrapassam, em muitos casos, a
vida ativa dos mutuários”, salienta. “Uma parte significativa da dívida dos
particulares tem subjacente uma taxa de juro variável”, explica a instituição
liderada por Carlos Costa. No entanto, destaca que no cenário de uma subida das
taxas de juro de referência pelo Banco Central Europeu esta deverá ser “muito
gradual e estará associada a uma recuperação económica da área do euro”.
Portugal. Nunca se consumiu tanto, nunca se poupou tão pouco
Festa com fogo de artifício. Fotografia: D.R. Luís Reis Ribeiro 22.12.2018 /
07:30
Famílias só poupam 4%
do que ganham e o resto, 96%, vai para consumo. INE confirma preocupações do
Banco de Portugal: famílias vulneráveis a choques.
A parte do rendimento disponível das famílias que vai para
despesas de consumo atingiu este ano, no terceiro trimestre, o segundo maior
valor de que há registo, desde a adesão ao euro: 96%. Mais elevado só no mesmo
trimestre do ano passado (96,1%). Em contrapartida, essas mesmas famílias só
conseguiram ou decidiram poupar 4% do seu rendimento, o valor mais baixo dos
registos oficiais que remontam a 1999. Os dados que servem de base a estes
cálculos foram ontem publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
São sinais preocupantes de “fragilidade” da economia, alertou já o Banco de
Portugal no relatório sobre a estabilidade financeira apresentado este mês. Sem
poupança, não há investimento, nem almofadas de riqueza que permitam resistir a
choques no futuro. Este peso muito elevado do consumo no orçamento das famílias
acontece num ambiente de inflação baixa, de níveis quase explosivos no crédito
ao consumo e de taxas de juro zero ou quase zero nos depósitos, que acabam por
desmobilizar os clientes face a estes produtos bancários mais tradicionais. De
acordo com o INE, a taxa de poupança das famílias portuguesas bateu um novo
mínimo de 4% do seu rendimento disponível no final do terceiro trimestre (no
ano terminado neste trimestre, para ser mais preciso). De acordo com as contas
nacionais por sectores da economia, a taxa de poupança das famílias diminuiu
porque o ritmo do consumo continua a superar o ritmo dos rendimentos (salários,
participações em lucros e outros). Essa mesma taxa tinha sido de 4,5% no
segundo trimestre, o que já por si é um valor bastante baixo. O valor mais alto
reportado pelo INE foi de 12% em meados de 2002, o primeiro ano em que as notas
e moedas de euro começaram a circular. Assim, as famílias ficam “mais
vulneráveis” A degradação da poupança é um problema considerado grave e
estrutural na economia portuguesa. A taxa de poupança está em declínio. O INE
reitera que isso é “resultado do aumento do rendimento disponível inferior ao
da despesa de consumo final”. “A taxa de poupança das famílias mede a parte do
rendimento disponível que não é utilizado em consumo final, sendo calculada
através do rácio entre a poupança bruta e o rendimento disponível (inclui
ajustamento pela variação da participação líquida das famílias nos fundos de
pensões)”. Há vários fatores que explicam o protagonismo máximo do consumo
privado. É verdade que as famílias estão a poupar cada vez menos, mas também é
um facto de que há uma compressão no rendimento disponível. Por exemplo, as
remunerações estão a crescer pouco e os impostos diretos estão a acelerar,
mantendo o seu peso no total do rendimento disponível, perto de 11%. Se a base
do rendimento disponível tende a estabilizar ou a crescer pouco, é normal que o
consumo sobressaia. Impostos comem rendimento O INE explica ainda que “o
aumento menos acentuado do rendimento disponível das famílias foi determinado
pelo crescimento de 3,3% dos impostos sobre o rendimento no 3º trimestre de
2018 (diminuição de 1,3% no trimestre anterior)”. O mesmo estudo refere que
esse aumento do rendimento disponível foi de apenas 0,3% no 3º trimestre de
2018. O contributo das remunerações ficou-se pelos 0,7 pontos percentuais,
enquanto o excedente bruto de exploração (uma medida próxima dos lucros) ajudou
apenas com 0,1 pontos. O INE nota ainda que os impostos pagos pelas famílias
“sofreram algumas perturbações no perfil trimestral nos dois últimos anos
devido, em grande medida, às diferentes cadências dos reembolsos do IRS,
afetando em particular a evolução entre o 2º e o 3º trimestres de cada ano”. Em
contrapartida, para piorar as coisas, o ritmo dos rendimentos recebidos
manteve-se relativamente baixo. No terceiro trimestre, “as remunerações
recebidas registaram um acréscimo idêntico ao do trimestre anterior (1,1%)”.
Choques via pensões e desemprego “A baixa taxa de poupança das famílias
portuguesas indicia que choques que afetem o esforço financeiro associado ao
serviço da dívida, quer por via de redução do rendimento, quer por via do
aumento do custo de financiamento, tenderão a repercutir-se numa redução do
consumo ou num aumento do incumprimento, com potenciais implicações para o
crescimento económico e/ou para estabilidade financeira”, avisa o Banco de
Portugal. A redução da taxa de poupança observada no decorrer deste ano “terá
acentuado esta fragilidade” e “torna as famílias especialmente vulneráveis a
choques que afetem o seu rendimento (como sejam a reforma, o desemprego ou um
aumento das taxas de juro)”, acrescenta a instituição governada por Carlos
Costa. O Banco também chamou à atenção para os níveis “elevados” de crescimento
na gama de consumo duradouro, “em particular a componente de automóveis”, e
disse que “o dinamismo do consumo privado ocorre num contexto de níveis de
confiança elevados, de aumento continuado do rendimento disponível das famílias
e de crescimento acentuado do crédito ao consumo”.
Sem comentários:
Enviar um comentário