Imagem de OVOODOCORVO
OPINIÃO
Não serei conivente
https://sicnoticias.sapo.pt/…/2018-12-28-Nao-serei-conivente
28.12.2018 22h52
José Gomes Ferreira
SIC
Estarão os principais dirigentes políticos a conduzir o país
a um novo precipício? Quando as condições externas apertarem, a conjuntura
interna se degradar e os portugueses perceberem que os verdadeiros problemas se
agravaram, poderá não haver tempo nem condições para voltar atrás. Por mim, não
estou de acordo com as actuais opções dos principais dirigentes políticos
nacionais.
Não posso concordar com decisões da elite política
portuguesa que, no limite, farão reverter as medidas tomadas nos anos difíceis
com o objetivo de recuperar a confiança dos investidores internacionais e o
pleno acesso de Portugal aos mercados financeiros.
Quando o Presidente da República veta o decreto-lei do
Governo que limita a 2 anos, 9 meses e 18 dias a contagem do tempo de congelamento
da progressão nas carreiras dos professores e obriga o Governo a negociar
novamente, o que está a querer dizer ao país?
Que o tempo de contagem tem de ser maior, senão o veto não
faria qualquer sentido. Mas se o tempo de contagem tem de ser maior, então qual
é o limite? Os próprios sindicatos já o disseram, não há limite, querem todo o
tempo que durou o congelamento.
Mário Nogueira nunca cedeu nem um dia dessa contagem,
mostrando que não quer negociar coisa nenhuma, mas Marcelo Rebelo de Sousa obriga
o ministro da Educação a chamá-lo para negociar…pondo a ridículo a posição do
Estado empregador.
As contas estão feitas, o impacto da exigência dos
sindicatos no orçamento do Estado vai ser de 635 milhões de euros por ano.
Mas se assim vai ser, então porque não começar também a
exigir a devolução dos cortes de salários da função pública desde 1 de Janeiro
de 2011, decididos por José Sócrates em 29 de Setembro de 2010?
E os trabalhadores do setor privado, porque não começam a
exigir os cortes de salários que direta ou indirectamente suportaram durante os
anos da crise e que ainda hoje muitos continuam a suportar porque perderam os
empregos e tiveram de procurar outros mais mal pagos?
E porque é que os contribuintes não exigem a devolução
imediata dos adicionais e sobretaxas de impostos que Vitor Gaspar aplicou a
partir de 1 de Janeiro de 2013?
E porque é que os beneficiários da Segurança Social não
reclamam também o pagamento imediato das pensões, dos abonos e subsídios que
lhes foram cortados?
Não seriam todas estas devoluções, reversões e reposições
socialmente muito mais justas do que apenas as de alguns grupos profissionais
dependentes do Estado?
A caminho das eleições legislativas, o que vemos em
Portugal?
Vemos um agravamento da fatura dos salários da função
pública desde 2016, que já vai em quase 2 mil milhões de euros por ano (e o
problema não é o que cada trabalhador do Estado recebe a mais do que
anteriormente, porque o merece e porque a média dos salários é comprovadamente
mais baixa face a outros países europeus, o problema é aquilo que a economia do
país pode pagar).
Vemos um Presidente da República a obrigar um Governo a
negociar com uma parte que declaradamente não quer negociar coisa nenhuma;
Um primeiro-ministro caído na teia das suas próprias
contradições ao declarar virada a página da austeridade e encerrado o capítulo
da crise, abrindo automaticamente a caixa de Pandora das reivindicações
sindicais que há muito infernizam a vida dos cidadãos e inevitavelmente ainda
irão aumentar de intensidade até Outubro de 2019.
Um líder do principal partido da oposição a esfregar as mãos
de contente porque o Presidente da República vetou um diploma do Governo,
parecendo ignorar que o desfecho deste processo só pode significar muito mais
despesa pública.
Um líder da oposição, de seu nome Rui Rio, que não perde uma
oportunidade de se colocar ao lado dos sindicalistas e dizer que o Governo tem
de abrir os cordões à bolsa, nesta e noutras guerras laborais.
O mesmo Rui Rio que quer uma maioria de elementos que não
sejam magistrados judiciais a integrar o Conselho Superior do Ministério
Público, alinhando na mesma iniciativa politicamente controladora de um dos
pilares mais importantes da Justiça, por parte do Partido Socialista.
É esta atitude contrária aos mecanismos de fiscalização
democrática das decisões dos políticos e gestores públicos que vemos no líder
da oposição que fez carreira a pregar as virtudes do combate à corrupção.
Não vemos Rui Rio fazer uma denúncia sistemática e
fundamentada dos sinais de captura do Estado por parte de interesses privados,
sinais esses que são cada vez mais evidentes.
Basta olhar para o sector da Saúde no seu todo e perceber
que está em curso uma guerra brutal pela captura da maior parte dos recursos,
uma guerra desigual em que os privados estão a levar a melhor, com recurso a
armas desiguais, enquanto o SNS definha aos olhos de todos os portugueses.
O palco desta guerra é todo o país, mas basta olhar para a
Grande Lisboa e perguntar quem vai pagar os quatro novos hospitais, dois da CUF
Saúde em Alcântara e na Zona Oriental (Descobertas), a nova ala do Hospital da
Luz em Benfica (além das clínicas da Luz em Odivelas, Amadora e Oeiras) e a
nova Unidade do Grupo Trofa no centro comercial Dolce Vita.
A resposta é simples, todos os operadores sabem que não há
mercado privado suficiente para tantos projectos; todos contam com o dinheiro
da ADSE e de outros mecanismos de protecção na Saúde directa ou indirectamente
financiados pelo Estado.
A todos interessa que o Serviço Nacional de Saúde preste
cada vez menos cuidados de saúde de qualidade.
Só não vê quem não quer ver.
Tal como ninguém quer ver a realidade do setor ferroviário
em Portugal. Por que razão está o material circulante a cair aos bocados? Por
que razão há tantas composições e locomotivas paradas nos estaleiros da EMEF,
enquanto os passageiros são metidos nas poucas que restam como sardinha em
lata?
Por que razão foram aplicados nos últimos 20 anos pelo menos
1.500 milhões de euros na modernização da Linha do Norte, a principal via
ferroviária do país, e cerca de um terço está com sérios problemas de
manutenção não permitindo velocidades muito superiores a 100 quilómetros por
hora?
Será que existe medo de fazer as perguntas certas? Será que
ninguém se lembra de perguntar quem são os dois ou três principais donos das
auto-estradas em Portugal que nos cobram uma fortuna em portagens e não estão
nada interessados na concorrência de um transporte ferroviário eficiente?
Será que ninguém vê que há uma vontade política declarada em
favorecer as auto-estradas para que as concessionárias consigam pagar as
pesadas dívidas aos bancos financiadores para não haver mais imparidades nos
seus balanços? Será que ninguém liga as pontas destas realidades?
Porque é que o líder da oposição não denuncia eficazmente o
vazio das sucessivas promessas do ministro do Equipamento, Pedro Marques,
especialista em acusar o governo anterior de ser o culpado do desinvestimento
na ferrovia, mas que praticamente não fez obra desde que entrou, apesar dos mil
e um anúncios?
Porque é que Rui Rio não revela ao país o risco enorme da má
orientação dos novos créditos dos bancos, que voltaram a apostar no betão e na
especulação imobiliária? Basta ver as estatísticas do Banco de Portugal e
perceber que quase 40 por cento dos novos créditos são destinados, tal como
antes da crise, para construção, imobiliário e serviços muito ligados à
conjuntura actual como o turismo, hotelaria e restauração.
Claro que há agora uma grande parte de exportações de bens e
serviços neste tipo de investimentos, porque se destinam a clientes não
residentes. Mas não é preciso perceber muito de história económica nem de
geopolítica para concluir que o turismo e o investimento estrangeiro funcionam
por modas. E as modas são por natureza passageiras. Portugal não será sempre o
destino de excelência nem Lisboa a melhor cidade para uma visita. Outras
cidades e países estão a ganhar embalagem nesta competição feroz.
Onde estão os avisos do Presidente da República, do
primeiro-ministro e do presidente do PSD sobre os riscos de persistência na
queda das grandes bolsas internacionais? Esqueceram-se todos de que estamos no
fim de um ciclo de crescimento prolongado dos mercados financeiros que não vai
continuar porque os grandes bancos centrais já estão a mudar ou vão mudar de
política monetária e reverter a descida das taxas de juro?
Os nossos governantes ainda não perceberam que as
gigantescas emissões de dinheiro novo pela FED e pelo BCE já acabaram e que a
tendência é agora para a subida das taxas e para o endurecimento da política
monetária?
Os nossos políticos ainda não perceberam que, quando as
nuvens negras nas grandes bolsas atingirem a economia internacional, vão
apanhar Portugal desprevenido? Vão atingir uma pequena economia aberta, agora
com uma ainda mais pesada estrutura de gastos do Estado em valor absoluto (face
ao início da recuperação), baseada numa carga fiscal que se manteve elevada
sobre uma economia que esteve a crescer, o que permitiu reduzir o défice, mas
criou despesa inevitável feita sobre receita eventual ou extraordinária.
Os nossos políticos ainda não perceberam que quem nos tirou
da crise foram os milhares de empresários dinâmicos que se levantaram da
cadeira e apanharam o avião para se embrenhar em mercados dificílimos por esse
mundo fora, aumentando historicamente as exportações?
Mas que esse aumento ainda é insuficiente para gerar meios
de financiamento da economia portuguesa se a conjuntura externa se degradar e a
procura interna contrair…
Não deveria ser este o principal alerta do discurso de Rui
Rio, em vez de se entreter com tacticismos de interesse partidário, para os
quais não tem manifestamente jeito?
Não deveria ser prioridade no discurso do líder da oposição
a denúncia dos inúmeros entraves ao investimento empresarial por causa de uma
burocracia paralisante sob inúmeros pretextos, por parte dos técnicos dos
ministérios do Ambiente, da Agricultura, da Economia, da Saúde, da
Administração Interna e da generalidade das Câmaras Municipais?
Não devia ser prioridade de Rui Rio a defesa dos
empreendedores e a melhoria das condições para as empresas criarem mais riqueza
em vez de serem o alvo para os políticos irem “buscar o dinheiro onde ele
está”?
Não aprendemos as lições do passado?
Não ficarei calado perante esta percepção desfocada e
perante a condução errada dos destinos do país.
Não posso calar a voz perante uma decisão altamente
imprudente de um Governo que aceita que a maior empresa de electricidade do
país só pague a CESE, um imposto que é receita do Estado, se o Orçamento do
Estado destinar o pagamento de 190 milhões de euros na redução da dívida
tarifária (uma alegada dívida dos consumidores às operadoras do sector
escandalosamente inchada pelos sucessivos governantes desde António Guterres).
Isto é claramente o Governo a ceder a uma chantagem de uma
empresa privada, para baixar a factura da electricidade em ano de eleições, à
custa de dinheiro que é de todos os contribuintes, não percebendo que logo a
seguir esta factura vai disparar para valores ainda mais altos. (Já agora,
convido todos os portugueses a guardar religiosamente as facturas de
electricidade deste ano para comparar com as do ano que vem: em Janeiro de 2020
vão ter uma surpresa…)
Não serei conivente com as (des)orientações atuais, tanto
dos governantes como da oposição.
Tal como não fui conivente em 2007, quando Portugal se
endividava externamente ao ritmo de dois milhões de euros à hora; quando a
empresa pública Estradas de Portugal era transformada no único concessionário
de auto-estradas, para se poder endividar até ao tutano e pagar rendibilidades
de 15 e de 16 por cento aos amigos subconcessionários das PPP rodoviárias; e
quando o generoso ministro da Economia, Manuel de Pinho, entregava a extensão
da concessão de dezenas de barragens à EDP por 700 milhões de euros, enquanto
os bancos de investimento apontavam para 2,1 mil milhões de euros, três vezes
mais!
Tal como não fui conivente em Outubro de 2008, quando o
orçamento do Estado do ano seguinte apontava para um aumento de quase três por
cento para os salários da função pública, reduzia o IVA para 20 por cento e
previa milhares de milhões de euros para gastar no esbanjamento criminoso da
empresa pública Parque Escolar, SA;
Tal como não fui conivente no início de 2010 quando o então
ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, teve de reconhecer numa entrevista
a SIC que o défice (superior a 9 por cento) do ano anterior derrapara, entre
outras razões, porque “o Estado não conseguira lançar mais uma concessão
rodoviária com mais de 200 milhões de euros de pagamento à cabeça”, revelando o
profundo desgoverno a que nos tinha conduzido.
Tal como não fui conivente a 7 de Setembro de 2012, quando
Passos Coelho e Vitor Gaspar decidiram fazer a maior transferência de
rendimento do factor trabalho para o factor capital de que haveria memória no
país, com o aumento da TSU de 11 para 18 por cento a cargo dos trabalhadores e
a diminuição de 23,75 para 18 por cento da parte a cargo das empresas;
Tal como não fui conivente ao denunciar com insistência que
o contrato de concessão do Estado à ANA, Aeroportos de Portugal, e a
subsequente privatização desta empresa pública, estavam a ser feitos pela mesma
equipa de gestores que haveria de continuar com os novos accionistas privados
franceses, depois de terem criados as condições para o Estado permitir aumentos
sucessivos das tarifas aeroportuárias.
Tal como não fui conivente com a protecção das rendas das
empresas de energia e a traição ao então secretário de Estado da Energia,
Henrique Gomes, e ao então Ministro Álvaro Santos Pereira feita pelo seu
próprio governo do PSD-CDS-PP. A mesma que o Governo do PS, com apoio do PCP e
do bloco de esquerda fez agora a Jorge Seguro Sanches e a Manuel Caldeira
Cabral.
De novo, perante os inúmeros riscos internos e externos que
os portugueses enfrentam, não devemos ser coniventes com os silêncios, as
omissões, as distorções as decisões erradas e as falsas promessas dos
principais políticos portugueses.
Sem comentários:
Enviar um comentário