Rebelião contra a Extinção
Não é de espantar que seja cada vez mais radicalizada a
acção política para travar o colapso climático.
JOÃO CAMARGO
22 de Novembro de 2018, 6:16
Nos radicais tempos em que vivemos, em que o Painel
Intergovernamental para as Alterações Climáticas, reunindo milhares de
cientistas de todo o mundo, nos informou que temos até 2030, 12 anos, para
cortar as emissões de gases com efeito de estufa para metade, não é de
estranhar o aparecimento de novos tipos de movimentos políticos. Depois de mais
uma semana de acções directas pacíficas, que incluíram o corte de estradas em
Londres, o bloqueio do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia
Industrial, o bloqueio da ponte de Westminster e de Downing Street, a
residência oficial da primeira-ministra britânica, mais de 50 pessoas foram
detidas. O dia 17 de Novembro, sábado passado, foi o "Dia da Rebelião”.
As acções foram organizada pelo Extinction Rebellion, grupo
recentemente formado, que apresenta três reivindicações básicas:
Que os governos digam a verdade acerca da crise climática e
da emergência ecológica em que vivemos, revertendo políticas inconsistentes,
trabalhando com a imprensa para realmente comunicar com os cidadãos;
Que os governos implementem políticas sólidas para reduzir
as emissões de carbono para net-zero (balanço zero entre emissores e
sumidouros) até 2025, com uma redução de consumos;
Que seja criada uma Assembleia Cidadã para apoiar estas
mudanças, como parte do processo de criação de uma democracia capaz.
O movimento, criado por activistas e académicos como Gail
Bradbrook, professora de biofísica molecular e mãe de dois filhos, declarou no
dia 31 de Outubro estar em rebelião contra o governo e as instituições
"corruptas e inaptas", que ameaçam o futuro: “Declaramos que os laços
do contrato social estão invalidados, pela falha contínua do governo de agir
adequadamente [em relação à crise ambiental e climática]” e que, como tal,
“agimos em paz, com amor feroz por estas terras nos nossos corações. Agimos
pela vida”.
No “Dia da Rebelião”, cerca de seis mil activistas cortaram
cinco pontes na cidade de Londres –? Southwark, Blackfriars, Waterloo,
Westminster e Lambeth – criando um pandemónio na circulação da cidade, que
levou à detenção de quase uma centena de pessoas.
A questão central deste novo tipo de movimento e este novo
tipo de acção é a disponibilidade declarada de todos e cada um destes
activistas de serem presos por causa das suas acções para travar as alterações
climáticas e o colapso ecológico. Depois de décadas em que o diagnóstico está
mais que feito, em que os governos estão mais que informados, apesar de acordos
e protocolos internacionais, as emissões de gases com efeito de estufa não só
não desceram como subiram, e este movimento não aceita mais a impotência a que
as populações foram remetidas pelo conluio permanente entre governos e empresas
petrolíferas e carboníferas, além dos sectores afins como a aviação, a
navegação, os automóveis e a agro-indústria. Este tipo de acção e movimento
pretende tirar das mãos dos governos e das instituições um dos maiores poderes
que estes exercem sobre as populações: o poder da repressão. Se as pessoas
estiverem disponíveis para sofrer as consequências legais que a acção política
directa implica, pervertendo a capacidade dos governos de reprimi-las, o nível
de empoderamento popular possível é alto – a exemplo de movimentos como o pela
independência da Índia, pelos direitos civis nos Estados Unidos ou das
sufragistas. Para lidar com uma crise sem precedentes e com a urgência temporal
da crise climática, não é de espantar que seja cada vez mais radicalizada a
necessidade da acção política consequente para travar o colapso climático, que
não é mais do que o colapso da civilização humana.
Numa curiosa coincidência, ao mesmo tempo que a Rebelião
contra a Extinção entrou em marcha no Reino Unido (e já se espalhou além de
Londres), na Austrália vários alunos de escolas básicas entraram em greve
contra a inacção do governo australiano de agir contra as alterações climáticas
e, nos Estados Unidos, dezenas de jovens activistas climáticos ocuparam o
gabinete de Nanci Pelosi, a nova líder da Câmara dos Representantes dos EUA,
para exigir à nova maioria democrática do Congresso um “Green New Deal”, um
gigantesco programa público de revolução energética, de transportes e
agricultura para cortar massivamente gases com efeito de estufa.
A luta pela justiça climática ainda agora começou. “Rebeldes
pela vida”, dizem os activistas Extinction Rebellion, dos oito aos 80 anos. E,
procurando replicar a onda dos movimentos dos Indignados e do Occupy, que virou
o mundo do avesso entre 2011 e 2013, querem que 2019 seja o ano em que a
rebelião pelo futuro se comece a espalhar pelo resto do mundo. Mas além da
rebelião, o programa para atingir os radicais cortes de emissões tem de ser uma
construção social que permita mobilizar milhões para resgatar o futuro.
Investigador em Alterações Climáticas
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