segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Eléctrico 28 está cada vez mais cheio de turistas e, por isso, os moradores lamentam não conseguirem viajar / Em Outubro, carros mal parados travaram a Carris por 86 horas



Eléctrico 28 está cada vez mais cheio de turistas e, por isso, os moradores lamentam não conseguirem viajar
Sofia Cristino
Texto
19 Novembro, 2018

Cada vez mais turistas procuram o eléctrico 28 para conhecerem Lisboa. Quem utiliza o transporte público diariamente queixa-se da sobrelotação da carreira e de não conseguir entrar na carruagem. Um grupo de moradores da Baixa e do Castelo lançou, por isso, no Verão passado, uma petição, que deu agora entrada na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), a exigir a tomada de medidas urgentes para que o eléctrico 28 não seja tomado em exclusivo pelos visitantes. Alheios aos problemas diários dos habitantes, os turistas dizem recordar a infância e sentirem-se numa montanha-russa ao viajarem no veículo. Nesta descoberta da capital portuguesa, feita por sinuosos caminhos, muitos ficam fascinados pelo classicismo do eléctrico e sentem-se “num filme do século XX”. O Corvo entrou num dos ícones da cidade para perceber os desafios de um percurso partilhado, todos os dias, entre cada vez menos moradores e mais visitantes estrangeiros.

Ao final de um dia de semana, um grupo de turistas chega à Praça Martim Moniz, numa das últimas viagens do eléctrico 28 daquela tarde. Rita Melnar, 57 anos, vem cabisbaixa. “Não gostei nada, foi desconfortável. Estava cheio de turistas. É pena, é um transporte autêntico”, lamenta a turista húngara, depois de andar pela primeira vez num dos símbolos da cidade. O sentimento é partilhado pelos moradores do centro histórico de Lisboa que utilizam o meio de transporte público no seu quotidiano. “Chegam a passar por mim quatro ou cinco eléctricos cheios, e não consigo entrar. O eléctrico 28 já não é para os portugueses. O turismo é importante para a economia da cidade, mas Lisboa não tem estrutura para receber tanta gente”, critica João Louro, 65 anos, sentado na paragem.

O habitante já sofreu diversos acidentes cardiovasculares e, por isso, não pode fazer longas distâncias a pé, tendo sempre de utilizar o eléctrico nas suas deslocações pela cidade. Mas nem sempre o consegue. “Tive uma situação caricata, em que o motorista disse que não arrancava se ninguém me desse lugar. Alguns turistas, miúdos mais novos, disseram que tinham pago muito pelo bilhete e tinham direito a ir sentados”, recorda. João Louro mora no Martim Moniz, mas já viveu na Graça, e alerta para as dificuldades de quem lá reside. “Alguns dos habitantes da Graça, mais idosos, não têm outro meio de transporte. O dia-a-dia deles é muito complicado”, diz.

Horas antes, ainda debaixo de sol intenso, alguns turistas esperavam ansiosos pela chegada do eléctrico 28. Transposta a porta de entrada, não conseguem esconder o deslumbramento ao observarem a estrutura antiga e bem conservada do veículo eléctrico. Assim que o guarda-freio põe a carreira em marcha, as reacções não demoram a surgir. Comenta-se o tecto em abóbada de madeira, as janelas semiabertas e os bancos em tons de vermelho gasto. Na subida até ao emblemático miradouro de Santa Luzia, cumprimentam os moradores dos bairros tradicionais, onde ainda se vê roupa estendida à janela, e elogiam o caminho serpenteado pelas colinas de Lisboa que o eléctrico ajuda a percorrer.

 “Gosto das subidas e descidas deste trajecto, tem-se uma perspectiva completamente diferente de Lisboa. Estou a ter uma experiência muito melhor de visita à cidade”, diz Lynda Whitty, 67 anos, natural de Melbourne, Austrália, enquanto prepara a máquina fotográfica para registar todos os momentos do itinerário que vai percorrendo. Lynda já tinha estado em Portugal há 25 anos, mas é a primeira vez que anda sobre carris na capital portuguesa. “Lisboa é maravilhosa, já estive em 60 países e Portugal é o meu preferido. Melbourne é uma cidade muito jovem, Lisboa tem muita história e o que gosto mais de ver é a construção antiga, é tão bonita”, suspira.

Durante a viagem, os idiomas misturam-se, ouvem-se gargalhadas e consultam-se os mapas da cidade, numa azáfama que nem sempre deixa perceber quantas línguas se fala ao mesmo tempo. Alguns dos passageiros planeiam os próximos dias de estadia na cidade, mas a maioria viaja completamente indiferente ao que se passa no interior do vagão, absorta pela passagem junto ao miradouro de Santa Luzia, à Sé de Lisboa, pela arquitectura das igrejas e a “simplicidade dos habitantes”. “Os portugueses são mais calmos, não apitam enquanto conduzem, nem se exaltam. São muito simpáticos, este país é um paraíso”, diz Françoise Thomas, 64 anos. Já esteve outras vezes em Lisboa, mas nas outras visitas à capital portuguesa não conseguiu viajar no eléctrico 28. Na tarde desta terça-feira, percorreu duas vezes o trajecto entre o Martim Moniz e o Cemitério dos Prazeres. “Faz-me lembrar a infância, é como andar numa montanha-russa, é tão divertido que decidi andar outra vez”, diz empolgada a turista francesa.

“Castelo de São Jorge! São Jorge Castle!”, avisa o guarda-freio, desconfiado pela permanência dos passageiros dentro da carruagem. Estamos no miradouro de Santa Luzia, a paragem mais próxima do Castelo, um dos monumentos mais visitados pelos estrangeiros. “Não queremos sair porque o que gostamos mesmo é da viagem, isto é uma aventura”, diz Françoise Thomas. O vagão começa a encher-se de visitantes que regressam do miradouro. Na entrada, empurram-se à procura de um lugar. Martina, 37 anos, e Michael, 40 anos, naturais da Polónia, entram ofegantes. “Estivemos a percorrer o centro histórico a pé, estamos exaustos, as subidas são muito ingremes”, diz Michael, no segundo dia de visita a Lisboa. Enquanto Michael descansa, Martina observa o eléctrico 28 sem conseguir esconder o fascínio. “Parece que estamos num filme do século XX, a construção é antiga e romântica”, comenta.

 Ao subir a Calçada da Estrela, um carro parado sobre os carris impede o eléctrico de prosseguir viagem. Ouvem-se buzinadelas e os passageiros, curiosos, espreitam pelas janelas para perceberem o que está a acontecer. Junto ao Cemitério dos Prazeres, a situação repete-se, para surpresa dos turistas, que comentam o insólito, entre risos. Um miúdo pendura também é alvo de comentários por parte de turistas alemães, surpreendidos com a infracção.  “Nunca tinha visto pessoas a viajarem à boleia do transporte”, comenta Renate, 51 anos, que aproveitou uma promoção de uma agência de viagens para passar três noites em Lisboa. “O que mais me agradou foram os preços, é muito barato visitar Portugal”, diz. Ao lado, Andrew Ashmer, 35 anos, de Toronto, Canadá, também elogia a capital, onde está pela primeira vez. “Estou a gostar muito, andar de eléctrico é como estar num parque de diversões, estou a adorar”, diz, entusiasmado.

 O encanto desvanece-se, contudo, ao longo do caminho, quando começam a entrar mais pessoas. E, muitas, lá de fora, nas paragens, abanam a cabeça em sinal de desaprovação por não conseguirem viajar no eléctrico. Para estas, há muito tempo que o transporte perdeu o fascínio. Quem utiliza a carreira todos os dias queixa-se de nem sempre conseguir arranjar lugar e, quando consegue, critica o desconforto da viagem. Preocupados com a falta de alternativas de transportes públicos para fazer o percurso, um grupo de moradores da Baixa e do Castelo lançou uma petição, no final do passado mês de Julho, a qual deu entrada na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) a 23 de Outubro.

O abaixo-assinado, que conta com 719 assinaturas, pede a tomada de medidas urgentes para que o eléctrico 28 não seja tomado em exclusivo pelos turistas. Os peticionário sugerem o aumento do número das unidades em circulação, a entrada ao serviço de mini-autocarros nas horas de ponta que, de forma alternada, possam complementar a oferta dos eléctricos, e o fim da possibilidade de se comprar bilhete a bordo – para diminuir o tempo dos percursos e evitar o incumprimento dos horários. Os moradores querem que haja lugar para todos, residentes e visitantes da cidade, de forma a tornar a viagem pelas colinas de Lisboa mais agradável. “O eléctrico 28 percorre um eixo para o qual não existem alternativas de transporte público. Não é apenas uma atracção turística: é um meio de transporte fundamental para inúmeras pessoas que residem, trabalham ou frequentam o ensino ao longo desse extenso eixo”, lê-se na subscrição.

 Os habitantes dizem que a experiência da viagem é “desconfortável, pouco fiável, demorada e insegura, quebrando o encanto e tornando a dependência desta linha num problema diário”. As condições da viagem chegam a ser “degradantes”, com “passageiros apertadíssimos, idosos sem alternativa de deslocação que viajam em condições de desconforto e crianças pequenas que não conseguem lugar sentado”. “Alcançar a porta de saída é tarefa olímpica e sair é um alívio”, lê-se. Na petição critica-se, ainda, os carros parados ou estacionados sobre os carris ao longo do percurso, e sugere-se a implementação de um “sistema de actuação rápida”, entre a Carris, Polícia Municipal, Polícia de Segurança Pública (PSP) e Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL), para resolver estas situações.

 O Corvo questionou a Carris sobre o que está a fazer para melhorar a qualidade da viagem do eléctrico 28, se entrarão novamente em circulação mini-autocarros e o que poderá fazer para resolver situações de carros mal estacionados, impedindo a circulação daquele transporte público. Até ao momento da publicação deste artigo, não obteve, porém, resposta.




 Em Outubro, carros mal parados travaram a Carris por 86 horas
Vereador da Mobilidade diz que é preciso "aumentar a dissuasão" de más práticas, por isso deu poder à Carris para fiscalizar trânsito e estacionamento.

João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 17 de Novembro de 2018, 8:03

O vereador da Mobilidade de Lisboa diz que a Carris precisa das competências de fiscalização de trânsito para melhorar a qualidade do serviço. Um dia depois de a câmara municipal ter aprovado alterações aos estatutos da empresa rodoviária, que passa agora a poder controlar o cumprimento do Código da Estrada, Miguel Gaspar diz ao PÚBLICO que o objectivo é “aumentar a dissuasão” das más práticas, como o estacionamento indevido que não deixa passar eléctricos, ou o uso abusivo de faixas bus.

A mudança dos estatutos foi o primeiro passo da estratégia e “compete agora à empresa decidir os meios mais adequados” ao seu cumprimento, afirma Miguel Gaspar. “Isto abre um leque de possibilidades”, realça o eleito, dando um exemplo: “A Carris já teve uns Smart que fiscalizavam os corredores bus”.

Os vereadores da oposição, que votaram em bloco contra esta proposta, mostraram-se preocupados com o que dizem ser uma multiplicação de controlos (a Polícia Municipal e a EMEL já fiscalizam o trânsito) mas também com a forma como a Carris a vai pôr em prática. Passarão a existir equipas de fiscais em carros ou a bordo dos autocarros e eléctricos? Ou optará a empresa por instalar câmaras ou sensores que registem as matrículas dos infractores? A resposta a estas questões deverá chegar num futuro próximo.

O vereador da Mobilidade rejeita a crítica dos vereadores do CDS, PCP e PSD de que a fiscalização devia ser deixada para a polícia e para a EMEL. “Temos de ter uma gestão eficiente dos meios. A EMEL existe para fiscalizar estacionamento, a Polícia Municipal tem muitas outras competências. A Carris fará isto melhor e de forma mais eficiente”, acredita Miguel Gaspar.

Há cerca de um ano, a Carris, a EMEL e a Polícia Municipal passaram a ter equipas mistas que percorrem as ruas da cidade para detectar e resolver maus estacionamentos antes de o serviço de transportes públicos ser afectado. Isto tem tido algum sucesso mas, ainda assim, “em Outubro houve 137 ocorrências que resultaram em 86 horas perdidas”, diz o vereador.

Este é um registo pior do que, por exemplo, o de Janeiro, o último a que o PÚBLICO teve acesso. Nesse mês houve 117 ocorrências que fizeram parar eléctricos e autocarros durante 73 horas. Desde 2001, momento em que se atingiu o pico de horas perdidas (200), as perturbações passaram a oscilar entre as 100 e as 150 e as horas perdidas entre as 90 e 100.

tp.ocilbup@ahcnip.oaoj

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