Eléctrico 28 está cada vez mais cheio de turistas e, por
isso, os moradores lamentam não conseguirem viajar
Sofia Cristino
Texto
19 Novembro, 2018
Cada vez mais turistas procuram o eléctrico 28 para
conhecerem Lisboa. Quem utiliza o transporte público diariamente queixa-se da
sobrelotação da carreira e de não conseguir entrar na carruagem. Um grupo de
moradores da Baixa e do Castelo lançou, por isso, no Verão passado, uma
petição, que deu agora entrada na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), a
exigir a tomada de medidas urgentes para que o eléctrico 28 não seja tomado em
exclusivo pelos visitantes. Alheios aos problemas diários dos habitantes, os
turistas dizem recordar a infância e sentirem-se numa montanha-russa ao
viajarem no veículo. Nesta descoberta da capital portuguesa, feita por sinuosos
caminhos, muitos ficam fascinados pelo classicismo do eléctrico e sentem-se
“num filme do século XX”. O Corvo entrou num dos ícones da cidade para perceber
os desafios de um percurso partilhado, todos os dias, entre cada vez menos
moradores e mais visitantes estrangeiros.
Ao final de um dia de semana, um grupo de turistas chega à
Praça Martim Moniz, numa das últimas viagens do eléctrico 28 daquela tarde.
Rita Melnar, 57 anos, vem cabisbaixa. “Não gostei nada, foi desconfortável.
Estava cheio de turistas. É pena, é um transporte autêntico”, lamenta a turista
húngara, depois de andar pela primeira vez num dos símbolos da cidade. O
sentimento é partilhado pelos moradores do centro histórico de Lisboa que
utilizam o meio de transporte público no seu quotidiano. “Chegam a passar por
mim quatro ou cinco eléctricos cheios, e não consigo entrar. O eléctrico 28 já
não é para os portugueses. O turismo é importante para a economia da cidade,
mas Lisboa não tem estrutura para receber tanta gente”, critica João Louro, 65
anos, sentado na paragem.
O habitante já sofreu diversos acidentes cardiovasculares e,
por isso, não pode fazer longas distâncias a pé, tendo sempre de utilizar o
eléctrico nas suas deslocações pela cidade. Mas nem sempre o consegue. “Tive
uma situação caricata, em que o motorista disse que não arrancava se ninguém me
desse lugar. Alguns turistas, miúdos mais novos, disseram que tinham pago muito
pelo bilhete e tinham direito a ir sentados”, recorda. João Louro mora no
Martim Moniz, mas já viveu na Graça, e alerta para as dificuldades de quem lá
reside. “Alguns dos habitantes da Graça, mais idosos, não têm outro meio de
transporte. O dia-a-dia deles é muito complicado”, diz.
Horas antes, ainda debaixo de sol intenso, alguns turistas
esperavam ansiosos pela chegada do eléctrico 28. Transposta a porta de entrada,
não conseguem esconder o deslumbramento ao observarem a estrutura antiga e bem
conservada do veículo eléctrico. Assim que o guarda-freio põe a carreira em
marcha, as reacções não demoram a surgir. Comenta-se o tecto em abóbada de
madeira, as janelas semiabertas e os bancos em tons de vermelho gasto. Na
subida até ao emblemático miradouro de Santa Luzia, cumprimentam os moradores
dos bairros tradicionais, onde ainda se vê roupa estendida à janela, e elogiam
o caminho serpenteado pelas colinas de Lisboa que o eléctrico ajuda a
percorrer.
“Gosto das subidas e
descidas deste trajecto, tem-se uma perspectiva completamente diferente de
Lisboa. Estou a ter uma experiência muito melhor de visita à cidade”, diz Lynda
Whitty, 67 anos, natural de Melbourne, Austrália, enquanto prepara a máquina
fotográfica para registar todos os momentos do itinerário que vai percorrendo.
Lynda já tinha estado em Portugal há 25 anos, mas é a primeira vez que anda
sobre carris na capital portuguesa. “Lisboa é maravilhosa, já estive em 60
países e Portugal é o meu preferido. Melbourne é uma cidade muito jovem, Lisboa
tem muita história e o que gosto mais de ver é a construção antiga, é tão
bonita”, suspira.
Durante a viagem, os idiomas misturam-se, ouvem-se
gargalhadas e consultam-se os mapas da cidade, numa azáfama que nem sempre
deixa perceber quantas línguas se fala ao mesmo tempo. Alguns dos passageiros
planeiam os próximos dias de estadia na cidade, mas a maioria viaja
completamente indiferente ao que se passa no interior do vagão, absorta pela
passagem junto ao miradouro de Santa Luzia, à Sé de Lisboa, pela arquitectura
das igrejas e a “simplicidade dos habitantes”. “Os portugueses são mais calmos,
não apitam enquanto conduzem, nem se exaltam. São muito simpáticos, este país é
um paraíso”, diz Françoise Thomas, 64 anos. Já esteve outras vezes em Lisboa,
mas nas outras visitas à capital portuguesa não conseguiu viajar no eléctrico
28. Na tarde desta terça-feira, percorreu duas vezes o trajecto entre o Martim
Moniz e o Cemitério dos Prazeres. “Faz-me lembrar a infância, é como andar numa
montanha-russa, é tão divertido que decidi andar outra vez”, diz empolgada a
turista francesa.
“Castelo de São Jorge! São Jorge Castle!”, avisa o
guarda-freio, desconfiado pela permanência dos passageiros dentro da carruagem.
Estamos no miradouro de Santa Luzia, a paragem mais próxima do Castelo, um dos
monumentos mais visitados pelos estrangeiros. “Não queremos sair porque o que
gostamos mesmo é da viagem, isto é uma aventura”, diz Françoise Thomas. O vagão
começa a encher-se de visitantes que regressam do miradouro. Na entrada,
empurram-se à procura de um lugar. Martina, 37 anos, e Michael, 40 anos,
naturais da Polónia, entram ofegantes. “Estivemos a percorrer o centro
histórico a pé, estamos exaustos, as subidas são muito ingremes”, diz Michael,
no segundo dia de visita a Lisboa. Enquanto Michael descansa, Martina observa o
eléctrico 28 sem conseguir esconder o fascínio. “Parece que estamos num filme
do século XX, a construção é antiga e romântica”, comenta.
Ao subir a Calçada da
Estrela, um carro parado sobre os carris impede o eléctrico de prosseguir
viagem. Ouvem-se buzinadelas e os passageiros, curiosos, espreitam pelas
janelas para perceberem o que está a acontecer. Junto ao Cemitério dos
Prazeres, a situação repete-se, para surpresa dos turistas, que comentam o
insólito, entre risos. Um miúdo pendura também é alvo de comentários por parte
de turistas alemães, surpreendidos com a infracção. “Nunca tinha visto pessoas a viajarem à
boleia do transporte”, comenta Renate, 51 anos, que aproveitou uma promoção de
uma agência de viagens para passar três noites em Lisboa. “O que mais me
agradou foram os preços, é muito barato visitar Portugal”, diz. Ao lado, Andrew
Ashmer, 35 anos, de Toronto, Canadá, também elogia a capital, onde está pela
primeira vez. “Estou a gostar muito, andar de eléctrico é como estar num parque
de diversões, estou a adorar”, diz, entusiasmado.
O encanto
desvanece-se, contudo, ao longo do caminho, quando começam a entrar mais
pessoas. E, muitas, lá de fora, nas paragens, abanam a cabeça em sinal de
desaprovação por não conseguirem viajar no eléctrico. Para estas, há muito
tempo que o transporte perdeu o fascínio. Quem utiliza a carreira todos os dias
queixa-se de nem sempre conseguir arranjar lugar e, quando consegue, critica o
desconforto da viagem. Preocupados com a falta de alternativas de transportes
públicos para fazer o percurso, um grupo de moradores da Baixa e do Castelo
lançou uma petição, no final do passado mês de Julho, a qual deu entrada na
Assembleia Municipal de Lisboa (AML) a 23 de Outubro.
O abaixo-assinado, que conta com 719 assinaturas, pede a
tomada de medidas urgentes para que o eléctrico 28 não seja tomado em exclusivo
pelos turistas. Os peticionário sugerem o aumento do número das unidades em
circulação, a entrada ao serviço de mini-autocarros nas horas de ponta que, de
forma alternada, possam complementar a oferta dos eléctricos, e o fim da
possibilidade de se comprar bilhete a bordo – para diminuir o tempo dos
percursos e evitar o incumprimento dos horários. Os moradores querem que haja
lugar para todos, residentes e visitantes da cidade, de forma a tornar a viagem
pelas colinas de Lisboa mais agradável. “O eléctrico 28 percorre um eixo para o
qual não existem alternativas de transporte público. Não é apenas uma atracção
turística: é um meio de transporte fundamental para inúmeras pessoas que
residem, trabalham ou frequentam o ensino ao longo desse extenso eixo”, lê-se
na subscrição.
Os habitantes dizem
que a experiência da viagem é “desconfortável, pouco fiável, demorada e
insegura, quebrando o encanto e tornando a dependência desta linha num problema
diário”. As condições da viagem chegam a ser “degradantes”, com “passageiros
apertadíssimos, idosos sem alternativa de deslocação que viajam em condições de
desconforto e crianças pequenas que não conseguem lugar sentado”. “Alcançar a
porta de saída é tarefa olímpica e sair é um alívio”, lê-se. Na petição
critica-se, ainda, os carros parados ou estacionados sobre os carris ao longo
do percurso, e sugere-se a implementação de um “sistema de actuação rápida”,
entre a Carris, Polícia Municipal, Polícia de Segurança Pública (PSP) e Empresa
Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL), para resolver estas situações.
O Corvo questionou a
Carris sobre o que está a fazer para melhorar a qualidade da viagem do
eléctrico 28, se entrarão novamente em circulação mini-autocarros e o que
poderá fazer para resolver situações de carros mal estacionados, impedindo a
circulação daquele transporte público. Até ao momento da publicação deste
artigo, não obteve, porém, resposta.
Vereador da Mobilidade diz que é preciso "aumentar a
dissuasão" de más práticas, por isso deu poder à Carris para fiscalizar
trânsito e estacionamento.
João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 17 de Novembro de 2018, 8:03
O vereador da Mobilidade de Lisboa diz que a Carris precisa
das competências de fiscalização de trânsito para melhorar a qualidade do
serviço. Um dia depois de a câmara municipal ter aprovado alterações aos
estatutos da empresa rodoviária, que passa agora a poder controlar o
cumprimento do Código da Estrada, Miguel Gaspar diz ao PÚBLICO que o objectivo
é “aumentar a dissuasão” das más práticas, como o estacionamento indevido que
não deixa passar eléctricos, ou o uso abusivo de faixas bus.
A mudança dos estatutos foi o primeiro passo da estratégia e
“compete agora à empresa decidir os meios mais adequados” ao seu cumprimento,
afirma Miguel Gaspar. “Isto abre um leque de possibilidades”, realça o eleito,
dando um exemplo: “A Carris já teve uns Smart que fiscalizavam os corredores
bus”.
Os vereadores da oposição, que votaram em bloco contra esta
proposta, mostraram-se preocupados com o que dizem ser uma multiplicação de
controlos (a Polícia Municipal e a EMEL já fiscalizam o trânsito) mas também
com a forma como a Carris a vai pôr em prática. Passarão a existir equipas de
fiscais em carros ou a bordo dos autocarros e eléctricos? Ou optará a empresa
por instalar câmaras ou sensores que registem as matrículas dos infractores? A
resposta a estas questões deverá chegar num futuro próximo.
O vereador da Mobilidade rejeita a crítica dos vereadores do
CDS, PCP e PSD de que a fiscalização devia ser deixada para a polícia e para a
EMEL. “Temos de ter uma gestão eficiente dos meios. A EMEL existe para
fiscalizar estacionamento, a Polícia Municipal tem muitas outras competências.
A Carris fará isto melhor e de forma mais eficiente”, acredita Miguel Gaspar.
Há cerca de um ano, a Carris, a EMEL e a Polícia Municipal
passaram a ter equipas mistas que percorrem as ruas da cidade para detectar e
resolver maus estacionamentos antes de o serviço de transportes públicos ser
afectado. Isto tem tido algum sucesso mas, ainda assim, “em Outubro houve 137
ocorrências que resultaram em 86 horas perdidas”, diz o vereador.
Este é um registo pior do que, por exemplo, o de Janeiro, o
último a que o PÚBLICO teve acesso. Nesse mês houve 117 ocorrências que fizeram
parar eléctricos e autocarros durante 73 horas. Desde 2001, momento em que se
atingiu o pico de horas perdidas (200), as perturbações passaram a oscilar
entre as 100 e as 150 e as horas perdidas entre as 90 e 100.
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj
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