Medina diz que projecto do Martim Moniz pode ser alterado,
mas na zona até há quem defenda a proposta
Sofia Cristino
Texto
29 Novembro, 2018
O plano de renovação da zona central da Praça Martim Moniz
tem sido muito criticado, mas o presidente da Câmara de Lisboa garantiu, em reunião
pública de câmara, que a concessionária está disponível a ouvir as propostas da
comunidade e até a alterar o projecto. Na zona, porém, há quem considere que a
praça já sofreu transformações em demasia e critique as constantes intervenções
no espaço público. “Talvez já seja de mais”, critica um comerciante ouvido por
O Corvo. Mas também existe quem veja com bons olhos a mudança. Preocupados com
os planos de reabilitação e o futuro daquela parte da cidade, os comerciantes
acreditam que a instalação de um recinto comercial poderá atrair mais pessoas.
Queixam-se de, nos últimos anos, terem perdido muitos clientes e acreditam que
só uma restruturação do largo poderá trazer uma nova dinâmica ao Martim Moniz.
“Vamos ver no que vai
dar. Quanto mais movimento houver, na zona, melhor, isto está muito parado”,
comenta Nurja, 58 anos, funcionária num quiosque virado para a Praça Martim
Moniz, que em breve poderá ser transformada num recinto comercial. Tal como a vendedora
de jornais, vários comerciantes da zona estão entusiasmados com o projecto de
requalificação de uma das principais praças da cidade. “O comércio na Rua da
Palma está a morrer, pode ser que as novas lojas atraiam mais gente. Os
turistas visitam a Mouraria e não vêm para aqui. Se o largo estiver renovado,
vão querer passar mais tempo na zona”, comenta Manuel Soares, 65 anos, dono de
uma loja de roupa no arruamento que liga a Almirante Reais à praça que se
prepara para conhecer uma revolução.
Os lojistas têm
comentado entre si o plano de reabilitação da Praça Martim Moniz que tem sido
alvo de polémica. Quando foi apresentado, na passada terça-feira (20 de
Novembro), pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Moonbrigade, Lda, empresa
à qual a praça será concessionada, o projecto recebeu várias críticas da
comunidade, ficando claro o grau de descontentamento. Os actuais quiosques
presentes no largo, já abandonados pelos comerciantes, serão substituídos por
contentores marítimos, onde funcionarão lojas de comércio tradicional,
restaurantes e associações locais (que poderão ser Renovar a Mouraria, Cozinha
Popular e o Centro de Inovação da Mouraria). Prevê-se ainda a criação de uma
zona verde, a construção de um parque infantil e a manutenção do lago já existente.
Preocupados com os planos de reabilitação daquela parte da
cidade – demolição de uma garagem para construção de uma mesquita e despejo de
lojistas para criação de habitação no âmbito do Programa Renda Acessível (PRA)
–, os pequenos empresários concordam num ponto: é necessária uma intervenção
num largo “altamente degradado”. A forma como esta transformação da zona está a
ser pensada divide, no entanto, as opiniões dos comerciantes. “Se fosse uma
área verde, ficaria mais agradável, mas, nesta cidade, já nada é feito para
ficar bonito”, critica Rui Alves, 60 anos. O vendedor de malas e outros
artigos, na Rua do Benformoso, acaba por não usufruir do espaço público, mas
está preocupado com o futuro do Martim Moniz. “Começo a trabalhar muito cedo e
saio tarde, praticamente não tenho tempo para passear, mas os projectos de
construção para as zonas históricas talvez já sejam de mais. A população é
muito envelhecida, acho que deviam pensar mais nas pessoas”, diz.
Na Rua do Terreirinho, Maria Isabel, ali cozinheira há 42
anos, ainda não sabia do projecto de renovação para a zona, que conheceu antes
ainda de ser uma praça. “O largo está bonito como está, só colocava lá umas
cadeiras para as pessoas poderem passar algum tempo. Os quiosques que lá
estavam praticavam preços muito elevados, não eram para os locais, precisamos
de sítios onde possamos estar sem consumir”, sugere. A funcionária do
restaurante Mouraria critica ainda a falta de limpeza da zona e defende que a
reabilitação do largo deveria contemplar o reforço da higiene urbana. “Passam
ratazanas enormes aqui, visíveis à luz do dia. Se não limpam a freguesia,
ninguém vem à praça fazer compras”, critica.
Paulo Santos, 33
anos, morador naquele arruamento desde os dois anos, está muito insatisfeito.
“Aquele espaço estava destinado para lazer dos habitantes e de quem frequenta a
Baixa, sem fins lucrativos. Mas tem sido transformado, sucessivamente, a
pensar-se apenas no comércio e nos turistas, não está certo. A praça já sofreu
demasiadas transformações e ainda não é desta que vão acertar no resultado
final”, critica. O morador sugere que sejam instalados outros equipamentos,
como esplanadas, e que a autarquia invista mais na limpeza e na segurança da
zona. “Quantos mais contentores instalarem, mais espaços escondidos e propícios
ao consumo de droga vão haver. O projecto não devia ter sido apresentado
apenas. Devia ter sido discutido. Querem tornar a zona mais rentável, mas para
quem? Quem vai lucrar com isto?”, questiona.
Madalena Ferreira, 60 anos, comerciante na Rua da Palma,
apoia os planos de renovação da zona e sugere a demolição do Centro Comercial
do Martim Moniz. “Os turistas, quando chegam à praça, nem se apercebem que já
estão na Mouraria. Se deitarem o centro comercial abaixo, ficamos com uma vista
melhor para o centro histórico e para a Igreja da Saúde, que está muito
escondida. Tem de haver mais gente a mexer-se nesta zona e a instalação de mais
lojas proporciona essa movimentação”, considera. A vendedora de roupa elogia
ainda os projectos de requalificação já levados a cabo naquela parte da cidade,
embora critique a construção de um parque infantil. “Quanto mais fizerem, mais
‘limpam’ a freguesia de pessoas problemáticas. Desde que requalificaram o Largo
do Intendente, esta parte da cidade passou a ser muito melhor frequentada. Já o
parque para crianças não faz sentido, já expulsaram os moradores todos, ao
despejá-los de casa, não há praticamente crianças aqui”, diz.
Os comerciantes da
Rua de São Lázaro, que terão de abandonar as lojas brevemente, sentem-se
desencorajados a pensar sobre a zona da cidade onde trabalham há décadas.
“Sendo corrido daqui para fora, perco o entusiasmo”, diz José Fernandes, 60
anos, proprietário de uma loja de revenda, que tem dado a cara pela luta destes
comerciantes. “Deixar a praça abandonada não é uma boa opção, tem de ser
revitalizada, mas os contentores, se calhar esteticamente, não ficam bem. Devia
ser uma zona mais aberta”, propõe.
José Vicente, 48
anos, sócio-gerente da loja de têxteis Viúva de Luís da Mata, instalada na rua
há mais de meio-século, está conformado. “A Câmara de Lisboa é que manda, não
é? Não estão preocupados com os comerciantes, também perco o interesse pela
cidade”, diz. O pai, Isidro dos Santos, está menos resignado. “O que estão a
fazer a Lisboa é uma vergonha, só constroem a pensar no lucro, e não nas
pessoas. Podiam deixar a praça como está e colocarem lá um segurança, que é o
que esta parte da cidade precisa mais”, sugere.
De forma a impedir
que a zona volte a degradar-se, a Câmara de Lisboa poderá encerrar o espaço ao
público, durante a noite, estando prevista a colocação de uma vedação durante
esse período de tempo. As obras estão a cargo do concessionário, que assume
também a responsabilidade pela segurança, limpeza e manutenção, e deverão
avançar brevemente. A degradação sentida, nos últimos anos, e a necessidade de
dar uma nova vida ao mercado, bem como de melhorar a segurança, motivaram a
autarquia a avançar com um novo plano para a Praça Martim Moniz.
Além dos módulos para
os comerciantes, o projecto prevê a instalação de arte urbana no local, a
criação de ruas e praças para as pessoas circularem na zona interior do mercado
e um espaço de restauração com cozinhas de todo o mundo, ideias que não agradam
a quem utiliza o espaço no seu quotidiano. Na reunião de apresentação do
projecto, na passada terça-feira (20 de Novembro), vários moradores
insurgiram-se contra os planos definidos para o largo. Pedem jardins em vez de
contentores, espaços abertos, onde não seja obrigatório consumir para usufruir
do espaço público, e onde a segurança é garantida sem muros ou vedações. Alegam
ainda que esta é uma oportunidade para Lisboa aumentar as zonas verdes da
cidade.
Na reunião camarária
desta quarta-feira (28 de Novembro), o presidente da Câmara Municipal de Lisboa
(CML), Fernando Medina (PS), avançou que a concessionária Moonbrigade pretende
desenvolver um processo mais profundo de consulta junto dos moradores, tendo em
vista o melhoramento do projecto. Medina promete ainda que não vai existir
nenhuma vedação à volta dos contentores, garantindo que a área não será vedada
à noite. “Estamos num momento de ouvir opiniões e há uma grande abertura para a
incorporação de alterações no projecto”, afirma o presidente da câmara. O
autarca socialista respondia assim aos pedidos de esclarecimentos adicionais
sobre o projecto para o largo, feitos por vereadores do PCP e do Bloco de
Esquerda. Ambos as forças políticas já haviam condenado, na semana passada, o
que consideram ser a falta de discussão pública do projecto – tanto dentro dos
órgãos municipais eleitos, como com a comunidade.
Nesta reunião da
vereação, o vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), manifestou igualmente
o desagrado do BE e apresentou uma moção a pedir à Câmara Municipal de Lisboa
(CML) a inclusão de uma praça aberta ao público, sem muros ou vedações, bem
como espaços com sombra e bancos públicos independentes de espaços comerciais –
propostas coincidentes, aliás, com as reivindicações da maioria das pessoas
presentes na sessão pública de apresentação do projecto, ocorrida na semana
passada no Hotel Mundial. Na referida moção, o Bloco de Esquerda pedia ainda a
distribuição pelos vereadores do novo projecto e a análise, pelos serviços
jurídicos, do contrato entre a Câmara de Lisboa e a concessionária, para que
seja apurada a existência de eventuais irregularidades no seu cumprimento.
A moção, constituída
por cinco pontos, foi aprovada por unanimidade. A excepção foi o quarto ponto –
aprovado com os votos contra do PSD, do CDS e do PCP -, no qual se pedia o
interceder da Câmara de Lisboa junto da concessionária, no sentido de o
projecto “responder ao interesse público”. Os três partidos justificaram o
sentido de voto por considerarem que deve ser a autarquia a assumir a
responsabilidade pelos espaços públicos estruturantes da cidade. Em declaração
de voto oral, João Gonçalves Pereira, vereador eleito pelo CDS-PP, diz que o
projecto para a Praça Martim Moniz deveria ser elaborado pelo município, como
deveria existir, ainda, “uma deliberação de câmara sobre a matéria nos termos
em que o interesse público possa ficar melhor envolvido”.
O vereador do PSD,
João Pedro Costa, também diz que não deve ser o concessionário a assumir a
responsabilidade de definir o projecto final para o largo. “O PSD entende que
nos espaços públicos estruturantes da cidade deve ser a câmara a definir os
usos e a determinar o desenho da cidade. O concessionário poderá, num segundo
momento, assumir a exploração do espaço”, afirma. A vereadora comunista Ana
Jara fez críticas mais severas à postura da Câmara de Lisboa que, na sua
opinião, “dá protagonismo à concessionária para defender o interesse público”.
“Estamos completamente em desacordo, uma concessionária não pode definir
qualquer que seja o interesse público da cidade”, considera.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando
Medina (PS), respondeu às intervenções, dizendo que não se revê nas mesmas. E
explicou que, quando a CML aprovou o actual contrato de concessão, em 2011,
definiu o que queria em matéria de interesse público e de espaço público.
Quanto a um possível incumprimento do contrato entre a autarquia e a
concessionária, Medina garante que já não existem irregularidades. “O Martim
Moniz dispõe de uma concessão, atribuída em 2011. Quando se deu a extinção da
EPUL, o concessionário encontrava-se em dívida e, nesse processo de passagem,
foi feito um acordo de regularização da dívida do concessionário”, esclareceu.
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