O primeiro avião a voar a vento iónico, sem hélices ou turbinas from Público on Vimeo.
O primeiro avião a voar a vento iónico, sem hélices ou
turbinas
Em vez de um motor com partes móveis, uma pequena aeronave
voou com um sistema alternativo de propulsão sólido, silencioso, mecanicamente
mais simples e que não liberta emissões de combustão. O voo com impulso de
vento iónico era um conceito teórico e tornou-se realidade.
ANDREA CUNHA FREITAS 21 de Novembro de 2018, 21:43
Foram “apenas” 60 metros de um voo a baixa altitude que
durou cerca de dez segundos, mas o suficiente para ser considerado a primeira
prova de conceito de uma aeronave a voar com um motor sólido (sem partes
móveis) com a força do vento iónico. O fabrico de um pequeno avião capaz de
funcionar através de dispositivos electrodinâmicos, sem recurso a combustíveis
fósseis, era teoricamente uma alternativa para a propulsão de aeronaves. No
entanto, nunca os cientistas tinham conseguido fazer um avião destes voar. A
história do sucesso do primeiro voo a vento iónico está na edição desta
quinta-feira (amanhã) da revista Nature.
Alguém se lembra das silenciosas naves da série O Caminho
das Estrelas (Star Trek, na versão original) que transportavam heróis e
deixavam um rasto de um brilho azul? Pois bem, esse era o sonho de Steven
Barrett, investigador do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos
EUA. E ainda é. O avião com cerca de cinco metros de envergadura de asas e que
pesa 2,45 quilogramas que o cientista desenvolveu com a sua equipa ainda não
nos levou da ficção científica para o plano da realidade. Ninguém construiu uma
nave capaz de transportar pessoas apenas com dispositivos electrodinâmicos. E
Steven Barrett é o primeiro a travar o entusiasmo.
“Fizemos voar o primeiro avião com sistema de propulsão
sólido [com um motor sem partes móveis como turbinas ou hélices]. É muito
limitado, pois apenas pode voar sozinho sem carga, mas prova que isso pode ser
feito. Há muito trabalho a ser feito para o ampliar, tornar mais eficiente e
robusto o suficiente para voar no exterior”, refere ao PÚBLICO numa resposta
por email.
Apesar das reservas, o que Steven Barrett e a sua equipa
conseguiram é um feito único que não pode ser menosprezado. Apresentaram a
primeira aeronave a voar usando o vento iónico como propulsão, um modo de voo
silencioso, que não envolve partes móveis no motor e que usa os campos
eléctricos existentes na atmosfera para o impulso necessário para colocar no ar
algo mais pesado do que o ar. No fundo, usa-se o ar para colocar um avião no
ar.
Mas o que é isso de vento iónico? “Quando moléculas
carregadas no ar são submetidas a um campo eléctrico, elas são aceleradas. E
quando essas moléculas carregadas colidem com moléculas neutras, elas
transferem parte do seu impulso, levando a um movimento do ar que é conhecido
como vento iónico”, explica Franck Plouraboué, investigador no Instituto de
Mecânica dos Fluidos da Universidade de Toulouse (França), que assina um
comentário ao artigo publicado na Nature.
Agora só falta transportar este conceito para a aeronave
concebida pelos investigadores. Steven Barrett dá uma ajuda ao PÚBLICO neste
exercício: “Há um conjunto de cabos finos perto da frente do avião que está a
20.000 volts positivos. Isso é alto o suficiente para que os electrões sejam
removidos das moléculas, deixando para trás iões carregados positivamente na
atmosfera. Estes são atraídos por um campo eléctrico para um local mais
afastado, que está carregado negativamente a 20.000 volts. À medida que os iões
se movem da frente para trás, colidem com as moléculas de ar que transferem o
impulso para eles. É assim que o vento iónico é gerado.”
A prova de conceito está feita. A equipa de cientistas
mostrou que uma pequena aeronave consegue aguentar um voo estável usando a
propulsão de vento iónico. Os dez voos de testes com sucesso que reclamam no
artigo foram realizados num espaço coberto, num ginásio emprestado, e após
muitas tentativas falhadas. Mas, no final, o modelo voou durante uns longos dez
segundos. O bastante para provar que é possível.
Nos vídeos disponibilizados com o artigo da Nature não é
possível detectar o complexo circuito feito do tal conjunto de fios finos,
dispositivos emissores e colectores. Nem vemos o tal rasto de brilho azul
prometido na saga O Caminho das Estrelas. Em vez disso, temos um grupo de
pessoas com os telemóveis em modo de gravação vídeo apontados para a pequena e
frágil aeronave que voa os tais 60 metros em dez segundos dentro do ginásio.
Mas, apesar do cenário informal, o momento é importante.
“Este pode ser um pedaço de uma revolução mais abrangente
que passará pela electrificação de qualquer meio de transporte”, prometeu David
Perreault, outro dos autores do artigo que também é investigador no MIT,
durante a conferência de imprensa promovida pela Nature. A conversa com os
jornalistas trouxe as dúvidas mais óbvias e também algumas questões mais
rebuscadas.
O que aconteceria a um avião destes numa tempestade com
relâmpagos? E debaixo de chuva intensa? E se os ventos soprarem com muita
força? Os autores foram tentando adivinhar o comportamento da aeronave no
exterior e, no meio de tantas possíveis ocorrências desastrosas, sublinharam
sobretudo que é preciso desenvolver agora este modelo e optimizá-lo. Steven
Barrett referiu que o futuro desta experiência terá duas possíveis direcções,
sem contar com o facto de levarem estes voos para o exterior. Por um lado, tornar
este avião mais rápido, mais eficiente e maior. “Pode existir um limite, mas
ainda não sabemos qual é.”
A outra direcção parece a inversa, mas não é. Passa por
explorar o potencial desta forma de voo em pequenos veículos, encolhendo a escala
desta aeronave. Na primeira hipótese, crescer, caberia o “sonho” de transporte
de pessoas. Questionados pelos jornalistas, os investigadores não excluíram
essa hipótese, mas atiraram-na para “daqui a algumas décadas”. Quando aos
pequenos veículos, a conversa aterrou rapidamente nos drones. “Actualmente, os
drones são irritantemente barulhentos. Usar esta tecnologia para drones que
vigiam o trânsito ou outras tarefas poderá ser uma óptima solução”,
exemplificou Steven Barrett.
Na resposta ao PÚBLICO, o cientista define os seus planos de
forma mais detalhada: “No curto prazo, quero concentrar-me em drones de tamanho
médio, que podem ter envergaduras de cinco a 20 metros. É aí que agora temos
provas de que funcionará. Além disso, serão feitos esforços para miniaturizar e
aumentar ainda mais.” Durante a conferência de imprensa, também se falou na
possibilidade de fazer com que estes veículos se desloquem na vertical ou
cheguem a altas altitudes e aproveitem a energia solar como forma de energia.
David Perreault explicou ainda as semelhanças e as
diferenças entre o sistema usado no ginásio e o sistema que as naves espaciais
já usam há algum tempo, funcionando com a propulsão do vento iónico quando saem
da nossa atmosfera. Por fim, os jornalistas também quiseram saber se a pioneira
aeronave tinha um nome (um pormenor apelativo para qualquer história). A
resposta desiludiu: “Os modelos que fomos fazendo chamavam-se Versão 0, Versão
1 e Versão 2. A Versão 2 foi a primeira a aguentar um nível estável de voo.”
tp.ocilbup@satierfca
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